O bilionário mexicano chega ao Brasil e revoluciona o mercado de crédito no varejo com prestações semanais

O bilionário mexicano Ricardo Salinas, 51 anos, ganha a vida vendendo produtos de consumo e serviços financeiros aos clientes de baixa renda. Sua família, dona do Banco Azteca e das lojas Elektra, está nesse ramo há 100 anos e fatura US$ 5 bilhões (R$ 8,5 bilhões) por ano. Mas só agora, depois de uma espera de três anos, o Grupo Salinas conseguiu abrir sua primeira agência bancária no País, um dos mercados populares mais cobiçados da América Latina. O empresário teve de apelar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acelerar o processo de autorização no Banco Central. O pleito chegou a Lula por meio do ex-ministro Antônio Delfim Netto. A história foi contada pelo próprio Lula, no Recife, na abertura do Fórum Brasil–México, no final de março. Ele quase cometeu uma gafe ao relatar a demora do seu governo em permitir a entrada do primeiro banco que não cobra tarifas e que tem como carro-chefe empréstimos populares e crediários com juros bem mais baixos que os da concorrência. “Nunca comprei nada à prestação na minha vida”, afirmou, para depois emendar: “Mas é que não tinha o Banco Azteca.” O dono do banco concorda com o princípio do presidente de que “não se deve gastar mais do que se ganha nem se endividar mais do que se pode pagar” – mas com uma ressalva: o conselho deve valer para o próprio governo. “É por isso que os juros estão tão altos. O governo pede muito emprestado e paga muito pelo dinheiro”, afirmou, em entrevista à ISTOÉ.

ISTOÉ – O que o sr. achou da recepção popular ao presidente Lula na inauguração da loja e do banco no Recife?
Salinas

É impressionante, que barbaridade! O calor do povo ao recebê-lo é uma coisa única. Nunca vi nenhum presidente ser recebido desta maneira.

ISTOÉ – Essa popularidade do presidente irá trazer benefícios ao Grupo Elektra e ao Banco Azteca?
Salinas

Não creio. Nós temos que satisfazer os clientes com bons serviços, bons produtos e bons preços. É isso que nos fará populares.

 

ISTOÉ – Como avalia a evolução da economia brasileira nos últimos anos?
Salinas

Muito boa.

ISTOÉ – O futuro está garantido ou o preocupa?
Salinas

 O futuro nunca está garantido. É preciso trabalhar. O que o presidente Lula disse no Fórum Brasil–México é muito relevante. Não se pode gastar o que não se tem. E, lamentavelmente, há uma inércia muito grande do País em pedir emprestado. Tem sido assim em todos os governos. É por isso que os juros são tão altos. O governo pede muito emprestado e paga muito pelo dinheiro. Se o governo se financia a 11%, os demais têm de pagar mais.

ISTOÉ – Os consumidores também gastam o dinheiro que não têm em suas lojas. Não há uma contradição aí?
Salinas

Uma coisa é quando você gasta seu dinheiro. Outra é quando o governo gasta o dinheiro de todos. É muito diferente, não? Você tem uma responsabilidade e assume as suas dívidas. E quem assume as dívidas do governo? Todos.

ISTOÉ – Por que seu grupo fez a opção pelos clientes pobres?
Salinas

Não gosto de chamá-los de pobres, soa muito feio. É melhor chamar de classe popular. Para nós, é uma questão histórica. Nossa família tem feito isso há muitos anos. Seguimos a inércia e tem dado certo. Há muitas maneiras de fazer negócios. Você pode vender aos ricos, aos pobres, à classe média, aos estrangeiros. Nós escolhemos esse caminho.

ISTOÉ – Por que o sr. escolheu o Nordeste? Quantas lojas irá abrir e quanto irá investir?
Salinas

Escolhemos o Nordeste por causa da população, que reflete melhor o foco do Banco Azteca e do Grupo Elektra. Esperamos abrir 10 a 12 lojas durante o primeiro ano de operação. No longo prazo, poderemos chegar a duas mil lojas. No primeiro ano, estimamos investir US$ 25 milhões. Num horizonte de muitos anos, a cifra pode chegar a US$ 1 bilhão.

 

ISTOÉ – Seu grupo evita o confronto direto com a Casas Bahia, que não tem uma só loja no Nordeste. É uma estratégia consciente?
Salinas

O Nordeste oferece as melhores oportunidades para nós. A Casas Bahia faz um bom trabalho e nós também. Lembre-se: “O sol brilha para todos nós.”

ISTOÉ – O sr. conhece seus concorrentes locais no País?
Salinas

Todos aqueles que vendem móveis, eletrodomésticos e serviços financeiros são nossos competidores em potencial.

ISTOÉ – O que a Elektra irá oferecer que os concorrentes locais não irão?
Salinas

Iremos oferecer a mesma história de solidez financeira, serviços de consumo e produtos desenhados para satisfazer suas necessidades. Foi isso que tornou o Banco Azteca e o Grupo Elektra um sucesso no México, na Guatemala, no Peru, em Honduras e no Panamá. É isso que está incentivando o crescimento do Elektra em El Salvador e na Argentina. Nós temos uma fórmula bem-sucedida em vários países e não vejo por que será diferente no Brasil.

ISTOÉ – A concorrência não é diferente?
Salinas

Sempre há concorrência e sempre conseguimos enfrentála e sair na frente. A nossa forma de trabalhar é melhor, por vários motivos. Temos uma plataforma tecnológica muito avançada, que nos permite operar rápido, com baixo custo, sem erros e com controles administrativos muito bons. Com a fortaleza financeira do grupo, temos uma das melhores taxas de juros.

ISTOÉ – Qual é a taxa de juros de sua loja no Recife?
Salinas

Nessa loja, temos uma taxa de financiamento a prazo de 100% ao ano. É muito alto, não é? Mas a concorrência cobra 110%, 120% ao ano. E, se o nosso cliente pagar pontualmente, reduzimos a taxa de 100% para 80%. Este é o verdadeiro benefício que damos ao povo. Se você paga em dia, damos a melhor taxa do mercado.

ISTOÉ – Existe prestação mínima?
Salinas

Não. Pode ser R$ 7 por semana, R$ 10. Aqui, financiamos por até 52 semanas, você escolhe o prazo que quiser. Lá fora, temos prazo de seis semanas a 65 semanas. Se você tomar um crédito conosco, pode pagar antecipadamente em qualquer momento que bonificamos os juros em 100%. Paga somente o que usou. Em muitos lugares, o cliente tem que continuar pagando até o fim.

ISTOÉ – Qual será sua principal promoção no Brasil?
Salinas

O pagamento pontual e semanal. É um benefício muito grande para quem paga em dia. A cada semana, teremos ofertas diferentes. Móveis, eletrônicos, linha branca.

ISTOÉ – Alguns especialistas criticam o momento que o sr. escolheu para investir no mercado brasileiro. A expansão do crédito está em seu terceiro ano e a explosão do consumo de eletrodomésticos já aconteceu. Por que vir só agora?
Salinas

Temos muita confiança no futuro do Brasil como uma das economias líderes no mundo. Faz tempo que estamos interessados nesse mercado e só recentemente obtivemos autorização (do Banco Central) para iniciarmos nossa operação bancária. Uma de nossas forças nos últimos 100 anos de negócios é identificar as necessidades dos nossos clientes e responder rapidamente com produtos que os satisfazem. Nosso foco não é o curto prazo.

ISTOÉ – Quais serão os próximos passos do Grupo Salinas no Brasil?
Salinas

Temos uma forte história de sucesso em soluções de transporte para a classe trabalhadora. Temos uma fábrica de automóveis que gostaríamos muito de trazer para o Brasil. Nossa marca é a FAW (First Auto Works), chinesa. Fazemos subcompactos de baixo custo no México e esperamos vendê-los nos países onde há lojas Elektra e agências do Banco Azteca. Também temos uma fábrica de motocicletas, a Italika, com 40% do mercado mexicano. Nosso foco imediato é consolidar o varejo e o banco, mas estamos abertos a uma variedade grande de investimentos no Brasil, inclusive nas áreas de TV e de telecomunicações. A TV Azteca está fazendo um intercâmbio de programação e de conhecimento com a Record.

ISTOÉ – O sr. irá fabricar e vender carros e motocicletas no Brasil?
Salinas

É uma opção que estamos analisando.

ISTOÉ – O Banco Azteca vai fazer empréstimos ou financiar somente as vendas nas suas lojas?
Salinas

Sim, faremos empréstimos pessoais até R$ 5,5 mil, por até um ano e meio. Nossos clientes poderão usar o dinheiro para construir, cuidar da saúde, abrir um pequeno negócio. Nossa tecnologia é digital. Não tem carnê de papel, nada. O cartão de crédito tem um chip com toda informação do cliente. Se ele não quiser carregar nada, basta ir até a loja e colocar seu dedo no leitor digital. O reconhecimento é imediato.

 

ISTOÉ – Por que o Banco Central levou três anos para aprovar a entrada do Banco Azteca no Brasil?
Salinas

Isso você vai ter que perguntar a eles.

ISTOÉ – A chegada do Banco Azteca acontece numa época em que o mercado de crédito está muito competitivo. Por que um cliente iria escolher o seu banco em vez dos outros?
Salinas

Há muitos bancos em todos os países onde operamos. Entretanto, há poucos especializados no mercado de renda baixa e média. É um grupo de consumidores que conhecemos muito bem. Vamos repetir nossa estratégia de sucesso em mercados como México, Guatemala, Peru, Honduras e Panamá, e adaptá-la ao clima local.

ISTOÉ – Quando o sr. pretende investir no Sudeste, o maior mercado brasileiro, e expandir a escala de vendas?
Salinas

Nossa prioridade é consolidar as operações no Nordeste. Assim que colocarmos nossos pés na água, iremos avaliar a possibilidade futura de expansão.

ISTOÉ – O sr. acredita num tratado de livre comércio entre o México e o Brasil?
Salinas

Seria muito útil e é possível. Para isso, o Brasil precisa acabar com as barreiras não-alfandegárias que impedem a entrada de certos produtos mexicanos.

ISTOÉ – A crise financeira nos Estados Unidos terá um impacto no México. Isso pode alterar seus negócios no Brasil?
Salinas

Uma grande parte da culpa da crise no sistema bancário americano é que os grandes bancos se distanciaram muito dos seus clientes e de sua realidade econômica. Felizmente, nós não temos este problema. Mantemos contato muito próximo com nossos clientes. Continuamos muito comprometidos com o Brasil.