"Ele tinha dentes mais finos, o crânio mais estreito
e a cauda longa. Era um guerreiro dentro d’água"
Alexander Kellner, paleontólogo da UFRJ

Há 62 milhões de anos, peixes e crustáceos não eram os únicos habitantes do oceano que banha a costa brasileira. A água salgada foi também o habitat de um animal que, em nossos dias, só é encontrado em rios e lagoas: o crocodilo. Pois bem, naqueles tempos remotos do período Paleoceno, o crocodilo que viveu nos mares chamava-se Guarinisuchus munizi e resistiu às intempéries que extinguiram até mesmo os enormes dinossauros. Esse crocodilo adulto não tinha mais que seis metros de comprimento, mas a sua força garantiu-lhe a sobrevivência. Um fóssil dessa espécie, ainda jovem e medindo cerca de três metros, foi encontrado agora pelos pesquisadores José Antonio Barbosa, da Universidade Federal de Pernambuco, e Maria Somália Sales Viana, da Universidade Estadual do Vale do Acaraú, no Ceará – a descoberta se deu em uma mina de calcário na cidade pernambucana de Poty. A partir dos ossos da mandíbula, do crânio e das vértebras, o animal foi reconstituído pela equipe do paleontólogo Alexander Kellner, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Esse crocodilo foi descoberto de forma completamente aleatória", diz ele. Pela quantidade de ossos disponíveis para estudo, esse é o fóssil mais completo de um animal dessa espécie já descoberto na América do Sul, tanto assim que a notícia ganhou imediatamente as páginas da revista inglesa Proceedings of the Royal Society B, uma das publicações científicas mais conceituadas do mundo.

Os Guarinisuchus munizi partiram da África para o Nordeste do Brasil e, posteriormente, para regiões da América do Norte – e essa trajetória só pôde ser refeita a partir da pesquisa dos paleontólogos brasileiros. O estudo mostra que os crocodiliformes foram os maiores predadores dos mares depois da grande extinção ocorrida há 65 milhões de anos. Antes disso, no período Cretáceo, os oceanos eram dominados por outros répteis chamados de mosassauros, uma espécie de lagarto marinho. O paleontólogo Kellner, que trabalha no Museu Nacional (integra a UFRJ), explica o motivo da sobrevivência do animal: "Nem sempre tamanho é documento e um bom exemplo disso são as piranhas." Em comparação com os crocodilos atuais, o Guarinisuchus tinha os dentes mais finos, o crânio mais estreito e a cauda mais alta. Alimentava-se, provavelmente, de peixes.

A região onde foram encontrados os fósseis é um dos poucos sítios paleontológicos do Brasil onde há material do período em que os dinossauros foram extintos. A mina de caucário que existe no lugar é explorada atualmente para a fabricação de cimento. "Infelizmente, muitos Guarinisuchus que havia ali já viraram pó", diz Kellner. "O problema é que no Brasil temos poucos pesquisadores e as empresas acabam explorando esses locais antes de os cientistas explorarem."

O trabalho de escavação levou quase dois anos e a grande dificuldade é que os ossos são bem mais frágeis do que a pedra em que estavam encaixados. Após serem retirados, foram enviados ao Museu Nacional para reconstituição em três dimensões e criação de um modelo. Praticamente todos os detalhes foram feitos em computador e apenas uma informação é impossível de ser resgatada: a cor do animal. Assim, os cientistas optaram pelo azul pelo único motivo de ele viver no mar.

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