As negociações da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI) continuam naquela lengalenga. Nenhuma reforma basta. Em Washington, o principal assessor econômico da Casa Branca, Glenn Hubbard, pede mais reformas, admitindo que houve progressos, mas não o suficiente para que o país recebesse qualquer ajuda financeira. Hubbard faz parte da “linha-dura” da Casa Branca, ao lado do secretário do Tesouro, Paul O’Neill, interlocutores que passam por cima das tragédias que atingem o povo argentino como um trator. Eles não se impressionam com o aumento da pobreza, que já atingiu o nível recorde de 53,8% da população, com o desemprego de mais de três milhões de pessoas e com a violência que essa situação gera no país. Não se comovem com a denúncia de que crianças em Corrientes se alimentam com terra. O que eles desconhecem na sua proposital ignorância é que a Argentina, que não cresce há oito anos e vive a maior crise econômica de sua história, dá sinais de vida sem a “ajuda” do FMI. Do alto de seu poderio, grandes empresas como Coca-Cola, Microsoft, Adidas, McDonald’s, Unilever, Procter&Gamble estão ajustando suas estratégias de modo a ganhar dinheiro, é claro, mas preservar empregos e proporcionar alguma chance de consumo à população, que sempre foi consumista e, neste momento, consome no mesmo nível de 1997, segundo a AC Nielsen.

Uma reportagem do jornal Clarín conta que há algumas semanas a Coca-Cola começou a utilizar embalagens de vidro retornáveis, o que reduziu o preço do refrigerante em 25 centavos (por incrível que pareça, as vendas do refrigerante no país aumentaram 20% em relação ao ano passado). A multinacional Procter & Gamble está lançando no país fraldas descartáveis mais baratas. O McDonald’s criou a promoção de 1 produto por 1 peso. Há também uma onda de recuperação de antigos produtos mais baratos (porque o custo para desenvolver um novo é proibitivo neste momento): a Unilever, por exemplo, relançou o sabão Drive, líder de mercado por 20 anos, passado para trás nos anos 90. A Microsoft, em março, passou a oferecer aos argentinos um plano de financiamento em pesos, algo inédito na história da companhia, estratégia que livrou a empresa da queda de 62% no faturamento em dólar das concorrentes neste ano – o seu não caiu mais do que 20%, o que, diante das circunstâncias, é um bom desempenho.

É puro marketing para vender num mercado sem dinheiro e marcar posição para o futuro, quando a crise passar e os argentinos voltarem a consumir. Mas não deixa de ser um olhar mais inteligente para o longo prazo e, sobretudo, uma providencial injeção de dinheiro num mercado que anda à mingua (a Adidas, que também muda sua estratégia de marketing, está investindo 1,2 milhão de pesos numa superloja de 350 metros quadrados e relançando modelos dos anos 70). Algo que, de certa forma, justifica o otimismo que o ministro da Economia, Roberto Lavagna, revelou ao jornal francês Le Figaro na semana passada. “A Argentina começa a sair da crise econômica e financeira.” Há cerca de 100 dias, a economia – ele disse – apresenta sinais positivos, depois de 16 trimestres consecutivos de recessão.

Lavagna sustenta seu otimismo na informação de que o sistema bancário deixou de perder depósitos, no recuo da inflação de 10,4% em abril para 3,2% em julho e na relativa estabilidade da taxa de câmbio nos últimos 60 dias. “Em termos reais, a produção, os serviços, a confiança do consumidor e o consumo de energia têm melhorado, além da tendência de crescimento das exportações”, disse ele. “Le pire est passé pour l’Argentine” (O pior já passou para a Argentina) foi o título da entrevista concedida pelo ministro Lavagna ao Le Figaro. Ele foi otimista demais, mas não mentiu. A Argentina bateu no fundo do poço, onde a única alternativa é retomar o caminho – com ou sem FMI. No fundo do poço não há outra alternativa: tomar o caminho de volta, ainda que o retorno à superfície exija muito fôlego. Até Lavagna, otimista contumaz, não vê o ressurgimento do país antes de três a cinco anos.

Em setembro, a Argentina terá que pagar dívidas de US$ 2,8 bilhões. O país espera a “mão salvadora” de Washington. O que, na opinião do Nobel de Economia Joseph Stigliz, é uma ilusão: “Talvez o custo seja maior que o benefício porque todo o dinheiro que o país venha a receber será para pagar o FMI, não para revitalizar a economia”, disse ele. “A Argentina deveria reconhecer que o mais importante que tem são seus recursos físicos e humanos”, lembrando que a recuperação do México da crise de 1995 não veio pelas mãos do FMI, mas pelo crescimento das exportações.

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