Antes mesmo que chegasse ao fim o primeiro programa do horário eleitoral gratuito do PT, levado ao ar às 20h30 da última terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já recebia o primeiro pedido de direito de resposta das eleições presidenciais de 2002. Alvo das críticas feitas por Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Petrobras, Francisco Gros, sentiu-se diretamente atingido.

O candidato petista criticou Gros por contratar um estaleiro de Cingapura para construir a plataforma P-50. Disse ainda que duas outras plataformas também deverão ser encomendadas a estaleiros estrangeiros, o que deixaria de gerar cerca de 25 mil empregos no País. "O presidente tinha de chamar a direção da Petrobras e dizer: ‘É no Brasil que as plataformas têm que ser feitas, não em Cingapura"", afirmou Lula, no horário político.

Os primeiros sinais de que Lula estava mesmo disposto a declarar guerra a Gros surgiram na noite da quinta-feira 15, durante o comício do PT no Rio de Janeiro. Em alto e bom som, ele disse que "Fernando Henrique Cardoso deveria ameaçar o presidente da Petrobras de demissão, caso ele insistisse em construir plataformas no Exterior”" O presidente da Petrobras se defendeu atacando: "O PT não está defendendo políticas públicas, mas interesses comerciais específicos", afirmou, numa alusão ao fato de Lula ter dito, no ar, que o estaleiro Verolme seria um dos que têm capacidade para fazer o serviço.

“Temos que exportar mais e importar menos. Ou seja: trazer mais dólares para cá e mandar menos dólares para lá. Mas, enquanto o Brasil precisa fazer esse tremendo esforço, a Petrobras parece ignorar que é uma empresa brasileira. Faz concorrência para a construção de três plataformas e, apesar de a gente ter estaleiros capazes da construção delas aqui no Brasil, a Petrobras já contratou a primeira em Cingapura, na Ásia. Está praticamente certo que o destino das outras duas será o mesmo. Mais uma coisa: se essas plataformas fossem construídas no Brasil, gerariam cerca de 25 mil empregos por um período de três anos. Isto é: além de mandar US$ 1,5 bilhão para fora, deixamos de criar milhares e milhares de empregos aqui dentro. (…) O presidente tinha que chamar a direção da Petrobras e dizer: ‘É no Brasil que as plataformas têm que ser feitas, não em Cingapura.’”
Lula, em gravação realizada no estaleiro Fels-Setal, em Angra dos Reis. O depoimento foi ao ar na terça-feira 20, no horário eleitoral gratuito

O imbróglio Lula-Gros envolve três plataformas de petróleo. A licitação da P-50, que será instalada no Campo Albacora Leste, na Bacia de Campos, foi concluída em 18 de julho último. O vencedor da disputa foi a empresa Jurong, de Cingapura, que ganhou da segunda colocada (a Fels-Setal, uma joint-venture dos grupos brasileiros Pen-Setal e da empresa japonesa Keppel Fels) por 5% na diferença de preço: US$ 244 milhões, contra US$ 258 milhões.

As duas outras plataformas, a P-51 e P-52, ainda não foram alvo de licitações. Pronto, por enquanto, existe apenas o projeto de engenharia básica feito pelo Centro de Pesquisas da Petrobras, com detalhamento técnico da empresa norueguesa Aker Kvaerner. "O processo de licitação ainda não começou nem será restrito a empresas estrangeiras e, sim, a todas que tiverem recursos tecnológicos", afirma Gros. "São plataformas especializadas, só existem cinco delas no mundo e nunca foi construído no Brasil esse tipo de plataforma", comenta o presidente da Petrobras, deixando claro que dificilmente um estaleiro brasileiro teria condições de disputar a licitação.

Absurdo – O comentário de Gros é considerado totalmente despropositado e tecnicamente incorreto pela assessoria de Lula. O líder do PT na Câmara, deputado João Paulo Cunha, diz que o fato de uma empresa norueguesa estar ajudando no projeto já dirige a licitação para o estrangeiro. "Em engenharia, se você entrega o projeto a empresas de fora, elas o farão com dados de outros países. A diferença de valores da P-50 foi muito pequena. Bastava colocar alguns critérios para deixar a plataforma no País", diz o parlamentar, escalado pela assessoria de Lula para responder a Gros.

"Sobre declaração de candidato não acho absolutamente nada. Cada um deve expor suas idéias e cabe aos eleitores decidir qual deles é o mais capaz de conduzir o futuro do País. Mas dizer que a Petrobras estaria colocando encomendas no Exterior reflete, no mínimo, um desconhecimento absoluto do processo. A data da licitação ainda não está nem definida e ela não será restrita a empresas estrangeiras. A Petrobras convidará todas e quaisquer empresas brasileiras e estrangeiras com as condições técnicas para construir as plataformas dentro dos padrões de custo, segurança e prazo dos projetos. Até hoje, nunca foi construído no Brasil um casco de plataforma semi-subversível. No mundo inteiro só existem quatro ou cinco plataformas similares às que iremos licitar para a Bacia de Campos. São as plataformas P-51 e P-52, para os campos de Marlim Sul e Roncador. Se algum estaleiro brasileiro conseguir entrar na concorrência e ganhar, abro uma garrafa de champanhe para comemorar. A Petrobras tem uma longa tradição de estímulo às empresas nacionais. Cerca de 80% das nossas compras e contratações são feitas no Brasil. Só que isso é muito diferente de se fechar a economia, se criar reserva de mercado e patrocinar atrasos tecnológicos."
Francisco Gros, presidente da Petrobras, em entrevista a ISTOÉ

 

"É um absurdo uma empresa estatal exportar dinheiro e empregos, enquanto precisamos tanto disso aqui no Brasil. Os estaleiros nacionais podem e devem ser utilizados para a construção dessas plataformas", faz coro o físico carioca Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe, da UFRJ), e assessor direto do PT para os setores naval e de energia. O laudo técnico feito por Pinguelli tem amplo apoio do setor naval. Na manhã da sexta-feira 16, inclusive, Lula encontrou-se com empresários do ramo na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Todos comungavam das mesmas idéias, ou seja, de que os estaleiros brasileiros têm sim condições de construir plataformas semi-submersíveis para a Petrobras.

P-36 – Pinguelli fala com a autoridade de quem esteve diretamente envolvido na elaboração do laudo da Coppe sobre o afundamento da
P-36, a maior plataforma do mundo. O trabalho foi contratado pela própria Petrobras. Segundo ele, o projeto das plataformas P-51 e P-52 não está levando em consideração a capacidade de movimentação de carga dos estaleiros brasileiros, o que acabará, aí sim, inviabilizando a contratação de um estaleiro brasileiro. "O projeto poderia ser diferente sem comprometer os requisitos básicos de operação das plataformas, tendo em vista a boa qualidade da nossa engenharia e da mão-de-obra técnica. O projeto conceitual desconsiderou as restrições de construção dos estaleiros nacionais, candidatos naturais à execução das plataformas", comentou Pinguelli. Ele está convencido de que se o País tivesse uma política industrial associada a uma política energética, que incluísse o setor de óleo e gás, esse tipo de confusão não estaria acontecendo. "No momento, a única política que vigora é a macroeconomia, que, aliada à crise internacional, está levando o País à insolvência."

Além do Fels-Setal citado por Lula, o físico afirma que outros três estaleiros nacionais têm condição tecnológica de dar conta da encomenda: São Roque do Paraguaçu (Bahia), Paranaguá (Paraná) e Caximbao (Rio de Janeiro).