Na última semana, o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), recebeu uma carta da ex-mulher do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Mônica Infante de Azambuja Alves, garantindo que o vice indicado pelo PMDB para o candidato do PSDB, senador José Serra (SP), não tem pecados a esconder. Nas reuniões políticas, o próprio Henrique Eduardo, conhecido no Rio Grande do Norte como Henriquinho, garantiu a tucanos e a peemedebistas que seu passado é imune a dossiês. Com essas garantias, PSDB e PMDB decidiram que o deputado potiguar será o vice de Serra. “O nome será o deputado Henrique Eduardo Alves e queremos anunciar esta semana”, diz o presidente do PMDB, Michel Temer (SP). “O Henrique está mais forte
do que nunca”, afirma o líder no Senado, Renan Calheiros (AL). “Não
tem mais outro nome para discutir, é o de Henrique Alves e acabou”, confirma o presidente tucano, José Aníbal. Documentos obtidos por ISTOÉ desmentem o ex-casal. O processo de separação litigiosa de Mônica e Henrique Eduardo Alves, que corre na Justiça de Brasília
desde outubro de 2000, está recheado de provas mostrando que o deputado declara rendimentos de classe média, mas tem hábitos e movimentação bancária de milionário.

Na briga por uma fatia maior na partilha de bens, a ex-mulher de Alves entregou aos advogados uma coleção explosiva de extratos bancários, contas telefônicas, comprovantes de despesas de cartão de crédito e bilhetes. O material revela que o deputado tem uma dinheirama invejável em, no mínimo, três paraísos fiscais: Nassau, nas Bahamas; Ilhas Jersey, no canal da Mancha; e Genebra, na Suíça. A movimentação é coordenada pelo banco suíço Union Bancaire Privée (UBP), uma instituição financeira com clientela internacional refinada, atendida através de agências espalhadas por vários paraísos fiscais. Além disso, Henrique Alves tem ainda uma conta no Lloyds Bank, em Miami. Nada disso consta nas últimas quatro declarações de renda do deputado. Desde 1997, Henrique Eduardo Alves declara ter rendimentos anuais médios de R$ 240 mil brutos, ou seja, singelos R$ 20 mil mensais. Considerados os descontos de praxe, sobram R$ 5 mil da Câmara dos Deputados e R$ 10 mil por conta da participação societária no grupo de comunicação do clã Alves no Rio Grande do Norte, que controla emissoras de rádio, a repetidora local da Rede Globo e jornais impressos.

A vida moderada que o vice de Serra diz ter é incompatível com, por exemplo, a impressionante movimentação financeira da conta numerada (245 3333 HM) no UBP de Jersey, usada pelo deputado para quitar as gordas despesas de seu cartão de crédito American Express emitido no Exterior e sem limite de gasto. Apenas em 1996, o entra-e-sai do dinheiro na conta soma quase US$ 500 mil. Pelas declarações de Mônica Alves, trata-se de uma pequena amostra do patrimônio extra-oficial do ex-marido. Ela afirmou aos advogados que o deputado omitiu do Fisco “diversas contas correntes bancárias existentes no Exterior que possuem saldo superior a US$ 15 milhões”. A ex-mulher declara ainda que Henrique Alves também usa laranjas para encobrir o patrimônio. Os advogados de Mônica cravam que o deputado “deixou de incluir diversos bens imóveis do casal, bem como várias empresas”, e comprou “vasto patrimônio em nome de terceiros, entre eles, a amante de seu pai, o pai de sua secretária e seu irmão”.

Bilhetinhos – Mas não foi apenas aos advogados que Mônica Alves deu detalhes sobre a fortuna clandestina do ex-marido. Também revelou a existência dos US$ 15 milhões a amigas próximas, como Ruth Hélcias, sua testemunha no processo de separação e esposa de Anchieta Hélcias, um conhecido lobista de Brasília filiado ao PFL. Para a mulher do presidente dos liberais, Dulcinha Bornhausen, a ex de Henrique Alves disse mais: “Vou contar tudo.” Mas, até agora, ela não abriu o bico. Procurada insistentemente por ISTOÉ, Mônica não quis falar sobre o caso. O silêncio da ex do deputado encontra explicação nas idas e vindas em torno da separação. Alarmado com o poder destrutivo do papelório garimpado por Mônica, Henriquinho procurou-a para propor um acordo em outubro do ano passado. O deputado ofereceu uma pensão de R$ 10 mil mensais, mais R$ 1,4 milhão em ações do império de comunicação da família a título de indenização. O problema é que o chefão do clã, Aluízio Alves, ministro do governo Sarney, não topou. Há pouco mais de um mês, antevendo a chance de ser escolhido vice, o deputado sinalizou com um novo acerto e conseguiu a discrição da ex-mulher.

O problema é a papelada que ela custodiou aos advogados. Em um bilhetinho manuscrito enviado por fax ao UBP de Genebra em 21 de março de 1995, o deputado pede a remessa dos cartões de crédito da família para Paris e autoriza a aplicação de US$ 420 mil por seis meses. Uma conta telefônica de Henrique Alves, de janeiro do mesmo ano, mostra que a gestão do dinheiro demandava uma frenética confabulação com o banco suíço. Foram 38 chamadas em apenas uma semana, 20 delas concentradas em apenas um único dia, 11 de janeiro de 1995. Como as ligações partiram do número do apartamento funcional da Câmara que Henrique Eduardo Alves ocupa em Brasília, foram todas pagas, naturalmente, pelo contribuinte. Meses antes da separação, que ocorreu no final de 1998, Mônica ainda conseguiu reunir mais documentos sobre estripulias financeiras de Henriquinho no Exterior naquele ano. Em uma correspondência ao Lloyds Bank de Miami, o vice de Serra pede o resgate de US$ 42 mil que mantinha em uma aplicação financeira internacional. Em outra carta, pede a transferência de US$ 28 mil para a conta de um outro brasileiro no Nations Bank da Florida. Em um terceiro documento, autoriza o pagamento de uma conta de US$ 13 mil.

Os advogados do deputado negam os milhões no Exterior e atribuem as acusações a uma ex-mulher perdulária. Porém, as despesas nababescas dos cartões de crédito pessoais de Henrique Alves parecem confirmar as declarações
de Mônica. Em 1996, os extratos do
cartão American Express ligado à conta
do paraíso fiscal das Ilhas Jersey
somavam US$ 260 mil em faturas. Em
abril daquele ano, por exemplo, as despesas chegaram a US$ 65 mil. Neste mesmo ano, o casal atravessou uma crise
e chegou a se separar. “Não é possível
que alguém ganhando R$ 15 mil por mês realize as inúmeras e volumosas despesas
a que está acostumado. Veja-se a movimentação feita a partir dos EUA em paraísos fiscais como Nassau e Jersey”, acusam os advogados de Mônica nas suas petições.

Os dados reunidos por Mônica na brigalhada judicial são tão eloquentes que ela acabou conseguindo a quebra dos sigilos bancário, fiscal e de três cartões de crédito emitidos no Brasil em nome do ex-marido.
Apenas um deles mostra uma gastança espantosa. Henrique Alves e
sua família gastaram com hotéis, passagens, restaurantes e lojas sofisticadas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro o total de R$ 137 mil entre janeiro e setembro do ano passado, nada menos que 83% de
tudo o que o deputado ganhou oficialmente no mesmo período,
incluídos aí os lucros das empresas da família e dos pagamentos extras
do Congresso Nacional. Só em abril de 2001, ele chegou a pagar
R$ 41 mil na fatura. Coincidentemente, as contas mensais do cartão
de crédito de Henrique Alves declinam à medida que o processo de separação começa a esquentar na Justiça.

Mal de família – Na disputa por uma pensão mais gorda, Mônica Alves alega ter despesas mensais de R$ 17 mil, impossíveis de cobrir com o salário de R$ 3,4 mil que recebe pelo cargo de secretária parlamentar no gabinete do deputado e amigo de Henrique Eduardo Alves, Leur Lomanto (PMDB-BA). A própria Mônica confessa que nem aparece por lá. É “funcionária fantasma” em um emprego arranjado pelo ex-marido só para complementar seus rendimentos. Relações promíscuas com o Estado parecem ser uma marca do clã Alves. O tio do deputado Henrique Eduardo Alves, o governador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), enfrenta uma série de denúncias de irregularidades envolvendo seu cunhado Marcos Nelson Santos. Santos foi acusado de tráfico de influência e de montar empresas fantasmas para direcionar e superfaturar licitações no Estado. Há meses, o Ministério Público local tenta interrogar o cunhado do governador e não consegue. Na última tentativa, o Superior Tribunal de Justiça adiou o depoimento. Quem acusou Santos foi o empresário Luis Henrique Gusson, preso
sob a acusação de assassinato.

A metralhadora de Gusson também atingiu um outro cunhado, só que do pai de Henrique Eduardo Alves, Aluízio Alves. Ele denunciou direcionamento das licitações estaduais para a construtora M&K, que tem como executivo Hermani Lebedour, uma das testemunhas indicadas por Henrique Alves no processo de separação. A irmã do deputado, a também deputada Ana Catarina Alves, é acusada de usar um laranja para viabilizar um projeto milionário com verbas da Sudene no litoral do Estado. Trata-se de um sofisticado complexo hoteleiro em terras da família Alves que não foi adiante por problemas ambientais. Um outro caso rumoroso no Rio Grande do Norte deu dores de cabeça ao próprio candidato a vice de Serra. Em 1997, quando se tornou obrigatória a substituição das placas de automóveis amarelas para as cinza atuais, emergiu um escândalo envolvendo a empresa baiana Replak, que monopolizou por anos o serviço de troca e emplacamento dos 300 mil veículos que rodavam no Estado na época. O detalhe é que a empresa recebia R$ 36 por cada par de placas colocadas, o triplo cobrado pelas concorrentes locais.

O envolvimento de Henrique Eduardo Alves na farra foi denunciado por Adilson Fernandes, um dos empresários prejudicados: “Quem trouxe a Replak para cá foi o Henrique Eduardo Alves.” Henriquinho é herdeiro de uma oligarquia política que domina o Rio Grande do Norte há 60 anos, e boa parte do seu poder foi consolidada por uma poderosa máquina de propaganda. O clã controla os principais meios de comunicação do Estado. A oposição se queixa que a família Alves monopoliza a produção, o agenciamento e a veiculação de todo o material de propaganda do governo estadual. Mas esse perfil não
impediu que o PMDB o indicasse para subir nos palanques ao lado
de José Serra, numa reunião que varou a madrugada na terça-feira
14 e provocou ácidas discussões entre os chefões do partido. A
pressão para indicar logo o vice partiu do próprio candidato José Serra, que defendia outros nomes, como o senador Pedro Simon (RS) ou a deputada Rita Camata (ES), mas acabou se rendendo à vontade da cúpula peemedebista. “Está passando a idéia de que o PMDB não quer a aliança, é preciso anunciar logo”, cobrou o tucano. O PMDB cessou o
jogo de empurra. Revelado o passado financeiro do vice, a coligação,
que já era difícil, fica com mais problemas.