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INFLUÊNCIA O ministro Nelson Jobim (à dir.) venceu a queda-debraço com Tarso Genro e emplacou Carlos Alberto Direito (à esq.)

 

O presidente Lula estava mal-humorado na tarde da segunda-feira 27. Em seu gabinete no Palácio do Planalto, ele acompanhava pela televisão o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos 40 acusados de pertencer à quadrilha do mensalão. A cada voto contra um petista, Lula piorava seu humor. Ao final da tarde, antes mesmo de o julgamento terminar, ele mandou convocar dois ministros para uma reunião noturna: Nelson Jobim, da Defesa, e Tarso Genro, da Justiça. Na pauta, a decisão sobre qual nome, afinal, o presidente indicaria para ocupar uma vaga de ministro do Supremo. Jobim e Genro disputavam a indicação. Jobim lutava por Carlos Alberto Direito, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerado um dos juristas mais conservadores em atividade e rigorosamente técnico. Genro tentava emplacar uma alternativa à esquerda, Roberto Caldas, um jovem advogado de Brasília ligado às causas trabalhistas. O presidente estava em dúvida. Decidiu por Direito depois de assistir pela tevê à votação do mensalão. "Todos esses ministros de esquerda que eu nomeei estão votando contra mim", queixou-se Lula. "É sempre assim", prosseguiu. "Eles ficam querendo mostrar independência e há muito tempo que só os ministros técnicos votam com o governo."

Os fatos que se deram a seguir foram rápidos. Na mesma noite, Lula comunicou a Genro e Jobim que se decidira por Carlos Alberto Direito. Uma edição extra do Diário Oficial rodou com a nomeação. Na manhã do dia seguinte, Direito postou-se no Senado para conhecer os 23 senadores da Comissão de Constituição e Justiça. Em paralelo, ministros do Supremo, como Gilmar Mendes, telefonaram a senadores da oposição a fim de falar bem do futuro colega.

Grãos-mestres da maçonaria, dirigentes do Rotary Club, bispos da Igreja Católica, todos se mobilizaram por Direito. O cardeal Eugênio Salles, ex-arcebispo do Rio, deixou seu retiro espiritual e, pessoalmente, comandou a cruzada por um de seus mais diletos discípulos. Direito foi sabatinado no dia seguinte, em tempo recorde. Foi aprovado por 22 votos contra um em branco. Na seqüência, seu nome foi aprovado pelo plenário por 61 votos contra dois. "Tenho muito orgulho e honra da minha fé", disse Direito aos senadores. "Mas o juiz tem que obedecer rigorosamente o que determinam as leis." O católico que sempre vota contra o aborto, paradoxalmente, já votou no STJ favoravelmente pelo casamento entre homossexuais.

O mais curioso é que, enquanto Direito passava o rolo compressor, seus adversários se mobilizavam para derrubá-lo. "Vamos iniciar o processo de debates em torno dos nomes", pediu Tarso Genro, tentando adiar a nomeação. O deputado e presidenciável Ciro Gomes defendeu a nomeação do ministro Asfor Rocha, do STJ. Delfim Netto apresentou o nome de outro ministro do STJ, Luis Fucs. O rabino Henry Sobel chegou a desembarcar em Brasília, em nome da comunidade judaica, para defender Fucs. O ministro Luís Marinho, da Previdência, argumentou junto a Lula que era hora de escolher alguém ligado ao movimento trabalhista. O presidente da OAB, Cezar Britto, foi a público defender o advogado Roberto Caldas. Nada menos que dez ministros do Tribunal Superior do Trabalho assinaram um manifesto pró-Caldas. A ministra Nilcéia Freire, da Secretaria das Mulheres, telefonou para o presidente a fim de falar mal das decisões de Direito contra o aborto. Qualquer um, menos ele, argumentou Nilcéia. Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, também ligou. "Não vou indicar ninguém, mas apenas dizer que essa não é uma boa escolha", disse ele.

Raras vezes assistiu-se na República a tamanha controvérsia e mobilização de notáveis em torno de uma nomeação. Por que tamanha pressa por Direito? Há uma questão legal. A idade máxima para assumir o Supremo é 65 anos. Direito alcança esse teto no sábado 8 de setembro. Assumirá na vaga de Sepúlveda Pertence, que se aposentou dias atrás – e antes do tempo – justamente a fim de abrir vaga para ele. Pertence não queria. Ligado à esquerda, ele não gosta de Direito. Queria ficar até novembro, mas foi tão pressionado pelos colegas (e por Jobim) para sair antes do tempo, que desistiu. E por que Direito? Há várias razões, como a reivindicação do STJ de enviar algum de seus membros para a corte máxima. Seus novos colegas de Supremo também argumentam que Direito é um grande magistrado. Gilmar Mendes o apóia porque o considera um aliado no pensamento jurídico liberal. E Eros Grau espera o apoio do novo colega para entrar na Academia Brasileira de Letras.

Direito ascende ao Supremo num momento particularmente delicado. Até a semana passada, a corte estava dividida. De um lado, o grupo de quatro ministros leais amigos de Nelson Jobim – Ellen Gracie, Gilmar, Eros e Peluso. Direito deve cerrar fileiras com eles. Do outro, os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski (há ainda três ministros independentes). O que era mera divisão virou guerra fratricida quando, durante o julgamento do mensalão, Cármen e Lewandowski foram fotografados, em troca de e-mails, comentando sobre os colegas. Numa das mensagens, Lewandowski sugeriu que o colega Eros Grau iria votar a favor de alguns acusados em troca da nomeação de Carlos Alberto Direito. Eros votou contra os mensaleiros. Terminado o julgamento, ele anunciou que vai processar Lewandowski por calúnia. Para piorar, na quarta-feira 29, a Folha de S.Paulo divulgou uma conversa de Lewandowski ao telefone reclamando da interferência da imprensa no julgamento do mensalão. A tendência, segundo ele, era "amaciar" para o exministro José Dirceu. "A imprensa acuou o Supremo", disse o ministro. "Todo mundo votou com a faca no pescoço". É esse ambiente torto que Direito vai encontrar.