Na semana passada, a presença da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no salão de beleza que freqüenta em Brasília provocou o entusiasmo de uma cliente, que se aproximou empolgada para anunciar que votaria nela para presidente da República. Dilma levantou devagar os olhos por trás de seus óculos e respondeu: "Se eu for candidata." A reação da ministra reforça uma impressão que se consolida no Palácio do Planalto: a primeira aposta eleitoral de Lula colocada para a sucessão de 2010 começa a fazer água.

Ciente disso, o presidente passa a olhar com mais atenção as tabelas das pesquisas eleitorais. Nessas pesquisas, Lula encontra cada vez mais cristalizado o nome do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) como a melhor opção governista para a sucessão. Desde o ano passado, Ciro tem aparecido apenas atrás do governador de São Paulo, José Serra, nas pesquisas. Na última pesquisa do instituto Datafolha, publicada no início da semana passada, atingiu o patamar de 20%. "É uma situação cada vez mais consolidada, e o presidente já não tem mais como deixar de considerá-la", admite o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

A posição de Ciro nas pesquisas soma-se a uma estratégia nos bastidores de ampliação da sua candidatura. É em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do País, que Ciro promove seu mais recente movimento político, com vistas a 2010, que passa pela aliança com o governador Aécio Neves (PSDB). Ciro participa desde o início das conversas entre o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), e Aécio, tudo sob as bênçãos de Lula. O propósito de Ciro é se aproximar de um governador que tem total domínio da situação política em um Estado, onde ele, Ciro, é eleitoralmente fraco. O deputado cearense não acredita que Aécio possa ganhar a disputa interna com Serra no PSDB. Assim, ele não será candidato à Presidência.

Tanto Ciro como Lula apostam que Aécio será candidato a senador, numa ampla aliança que terá o apoio do PT mineiro. Nessa situação, Ciro acha que conquista o apoio de Aécio. Assim, ganharia em Minas uma base extremamente sólida para a sua candidatura. Bem posicionado nas pesquisas, o deputado opta por uma postura mineira.

Numa reunião da cúpula do PSB na segunda- feira 31 de março, os problemas de Dilma foram avaliados como uma lição dos riscos de se lançar muito prematuramente uma candidatura presidencial. "Quem fica muito tempo no sereno, acaba pegando gripe", concluiu Ciro. A ordem é para que o deputado permaneça o mais longe possível do debate eleitoral. Foi assim que ele conquistou a posição em que se encontra nas pesquisas. Não há motivo para mudar de tática. O que planeja o PSB é manter Ciro em destaque apenas em assuntos que forem relativos à sua atividade como parlamentar. Ele será, por exemplo, o ponta-de-lança do partido na discussão da reforma tributária na Câmara. Há um outro motivo para a discrição de Ciro.

Esse, a cúpula do PSB só admite reservadamente, e com algum constrangimento: o temperamento explosivo do presidenciável. A única vez em que ele se expôs nos últimos meses foi na defesa do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, quando protagonizou um desgastante bate-boca no Congresso com a atriz Letícia Sabatella. Para Lula, esse é o maior problema de Ciro. Numa campanha em que o candidato governista será um dos alvos principais, não ter tranqüilidade para o debate pode ser um problema crucial. Lula tem aí um plano B para odeputado: com o cacife eleitoral que ele tem, Ciro pode ser um ótimo candidato a vice. Em qualquer chapa que vier a ser apadrinhada pelo presidente.

ALENCAR: "Acho que é o que o povo quer. E, se for o que o povo quer, isso é democracia"

Ao contrário de Ciro, o presidente não esconde seus movimentos. Lula tem buscado freneticamente federalizar as eleições municipais. Nos dois últimos meses, ele transformou o exercício da Presidência num eterno comício: em fevereiro, participou de nada menos que dez inaugurações; em março, foi ainda além, 18 inaugurações, com 18 discursos políticos, num ano em que não há eleição de presidente, mas apenas de prefeitos. Com isso, Lula deseja que as eleições, principalmente nas capitais, sejam o laboratório para a formação de uma ampla aliança para a eleição de seu sucessor em 2010. O presidente quer que os partidos da base governista busquem se unir agora, imprimindo vitórias acachapantes na oposição e chegando unidos à sua sucessão, para elegerem um nome claramente apadrinhado por ele – ainda que a hipótese de um novo mandato para Lula não seja uma idéia completamente descartada.

Foi assim que o presidente fez com que o PMDB no Rio de Janeiro rompesse a sua aliança com o DEM e partisse para o apoio ao candidato petista Alessandro Molon. Da mesma forma, Lula interveio na composição da aliança para a eleição de Belo Horizonte para que, além do PT do prefeito Pimentel e o PSDB de Aécio Neves, ela comportasse o PMDB do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o PRB do vice- presidente, José Alencar. No Planalto, o que se avalia é que, ao contrário de Dilma, que não tem emplacado nem com Lula a carregando a tiracolo, Ciro será mais fácil de colar na popularidade do presidente. Mas, como Dilma, ele também não é do PT. Resta saber como reagirão os petistas caso Ciro vire efetivamente a nova estrela ascendente.