Nestes primeiros 100 dias de governo, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, até manteve o bom humor, mas teve poucas chances de comemorar. A sua agenda andou cheia de trabalho e medidas de arrocho e escassa de boas notícias. Na terça-feira 1º, o ministro recebeu a informação de que o risco Brasil havia caído abaixo dos mil pontos pela primeira vez em dez meses. “Isso merece um brinde com chope de Ribeirão Preto”, brincou.

Acompanhando as taxas de inflação, os bancos começam a apostar em uma tendência de queda de juros. E mais: o governo passou na sua primeira prova de fogo no Congresso Nacional, mostrando que é capaz de mobilizar uma maioria ampla para fazer mudanças constitucionais. Na quarta-feira 2, depois de uma penosa negociação interna, o PT conseguiu enquadrar sua ala radical e aprovar, com 442 votos a favor – 134 além do necessário –, a emenda que modifica o artigo 192 da Constituição, o que abre caminho para um futuro projeto de autonomia do Banco Central.

O empenho deste médico sanitarista de 42 anos em manter a dolorosa prescrição da ortodoxia econômica e sua conhecida capacidade
de absorver pressões foram os principais motores das melhoras
recentes. “Ele está muito bem”, elogia o ex-ministro e atual aliado
do governo, deputado Delfim Netto (PPB-SP). “Na área econômica,
o governo vem produzindo resultados excelentes”, endossa o ex-diretor do BC Sérgio Werlang.

A face cruel dos elogios é que os correligionários de Palocci no PT estão longe de ser consenso. Poucos episódios aborreceram tanto o ministro quanto a gravação clandestina de uma reunião fechada que teve no final de janeiro com a bancada do PT na Câmara para explicar as medidas econômicas. A reunião, marcada pela divergência da ala radical, também mostrou ao ministro o quanto ele estava se distanciando de vários companheiros de partido. Historicamente considerado moderado, Palocci ficou surpreso com a dificuldade de interlocução que encontrou.

As críticas continuaram quando, em uma sequência perversa, o governo aumentou a meta do superávit primário, realizou um megacorte de R$ 12 bilhões no orçamento e aumentou a taxa de juros pela segunda vez no ano, para 26,5%. Na segunda-feira 31 de março, nova frustração: Lula reconheceu a impossibilidade de estipular um salário mínimo superior
a R$ 240. Por fim, o governo foi obrigado a rever a meta de crescimento, que caiu de 2,8% para 2,2%.

Para o bem da estabilidade, a turma da esquerda abarca 33 petistas em uma bancada de 92 na Câmara. “Ninguém adota medidas amargas por prazer. Faz por necessidade”, reage o vice-líder do partido, deputado Professor Luizinho (SP), um ativo defensor do governo. “Não concordo com a atual política, mas é a possível. Sei que, quando as condições deixarem, o ministro terá coragem de mudá-la”, diz o deputado de centro Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Na crucial votação da mudança nas regras de regulamentação do sistema financeiro, Palocci teve um desempenho decisivo. Preocupado com a má repercussão que a demora na votação poderia provocar, pressionou os aliados. Ele demonstra a mesma firmeza ao apoiar sua equipe. Ao convidar Joaquim Levy para comandar o Tesouro, ouviu um pedido: “Ministro, o secretário do Tesouro não pode trabalhar sozinho.” “Deixa aqui”, respondeu Palocci, batendo no próprio ombro.

ISTOÉ – Qual o maior desafio nesses primeiros 100 dias?
Palocci
– A maior dificuldade foi demonstrar ao País a necessidade
de equacionar a política de crescimento com o necessário equilíbrio
de contas. Nem todo mundo tem clareza disso. Como nós assumimos em um período de inflação alta, risco Brasil elevado e contas comprometidas, tivemos que fazer um ajuste severo para
colocar as coisas em ordem.

ISTOÉ – O desgaste desse discurso, que o governo anterior também adotou, é uma dificuldade a mais no convencimento?
Palocci
– Houve um longo período de estabilidade no governo passado, mas as contas foram ajustadas sem sustentabilidade. E o Brasil sofreu um choque externo.

ISTOÉ – Essa dificuldade foi especialmente acentuada em relação à bancada do PT?
Palocci
– Foi, mas as pessoas vão entendendo as coisas. Não
critico parte da bancada por contestar porque o desejo é sadio.
Todos querem que o Brasil cresça, que gere empregos. No entanto,
é preciso entender que, se fizermos isso sem o cuidado de reequilibrar o País, cria-se um surto de crescimento seguido de uma crise prolongada com graves perdas para a população mais pobre.
A inflação alta atinge os mais pobres.

 

"O ajuste não acabou"

ISTOÉ – A sequência de ajustes amargos acabou?
Palocci
– As medidas mais amargas já foram tomadas. Sempre digo: o remédio foi amargo, mas a doença era muito mais grave. Juro alto não é bom, mas inflação é pior. Agora, isso não significa que o ajuste acaba aqui. Tem que ter as reformas para colocar o Brasil em uma perspectiva de equilíbrio duradouro. É uma etapa de ajuste que exige persistência, mas não impede crescimento. Há ainda uma série de medidas microeconômicas – mudanças na lei de falências, de ampliação de crédito – para preparar o País para o crescimento.

ISTOÉ – Qual o cenário futuro?
Palocci
– O processo interno de ajuste econômico caminha muito bem, mas lidamos com um cenário externo ruim. A perspectiva de crescimento dos países é baixa.

ISTOÉ – O pior passou?
Palocci
– O pior passou, em termos de risco, de inflação. Mas
não estamos com a equação resolvida. É preciso serenidade, persistência, atenção à inflação.

ISTOÉ – A última semana foi boa?
Palocci
– Foi muito positiva. Os indicadores melhoraram, a mudança no artigo 192 da Constituição foi aprovada e as reformas avançaram muito. A tributária fica pronta em dez dias. O presidente deve enviá-la ao Congresso junto com a previdenciária.