Quem espera que o senador José Sarney (PMDB-AP) só esta semana defina o apoio à candidatura de Lula está com o calendário atrasado. Durante esta campanha, o ex-presidente e o candidato do PT já se encontraram em pelo menos quatro ocasiões. O último encontro ocorreu no início do mês na casa do senador, em Brasília. Lula estava acompanhado do presidente nacional do PT, deputado José Dirceu, e do secretário-geral do partido, Luiz Dulci. Sarney estava em casa com dona Marly e duas netas. Antes de começarem a conversa política, Sarney pediu a Lula que desse autógrafos para as crianças, admiradoras do líder petista. Foi a senha para o que viria a se desenrolar posteriormente a portas fechadas.

Lula pediu sugestões ao ex-presidente sobre os mecanismos de alguns setores do governo. Sarney relatou sua experiência no Palácio do Planalto e recebeu do candidato petista informações detalhadas sobre como pensa em mudar o rumo do País. Sarney ficou convencido de que o petista não representa ameaça à estabilidade política e econômica do Brasil. Ele garantiu a Lula que é simpático à sua candidatura e vai apoiá-lo. Essa adesão só não foi formalizada publicamente por causa de problemas domésticos, ainda não completamente solucionados. No Maranhão, o PT tem candidatos próprios ao governo e ao Senado e resiste ao engajamento de Sarney na campanha de Lula. Já a ex-governadora Roseana Sarney (PFL) prefere ficar neutra no primeiro turno, empenhada em se eleger para o Senado e em emplacar o ex-ministro José Reinaldo no governo do Estado. Ela só irá se manifestar a favor de Lula no segundo turno. Por enquanto, o objetivo de Roseana é se deleitar com a disputa entre José Serra e Anthony Garotinho pela lanterna eleitoral. Roseana foi forçada a desistir da disputa pela Presidência e responsabiliza o tucano Serra por isso. A amigos, tem dito que o primeiro turno é o momento da redenção.

Sem palanque – A decisão de Sarney representa um duro golpe em Serra, que esperava no mínimo que o ex-presidente ficasse neutro. No Maranhão, Serra está praticamente sem palanque. O único candidato a governador que oficialmente o apoiaria seria o também tucano Roberto Rocha, mas até agora ele não tem sequer distribuído material de campanha com o nome do presidenciável. Quarta-feira 21, na estréia do horário eleitoral gratuito, Rocha não citou e nem mesmo mostrou o nome de Serra. O apoio de Sarney a Lula também arranha as pretensões de Ciro Gomes (PPS), que terá de jogar todas as suas fichas na campanha de Jackson Lago (PDT), ex-prefeito de São Luís. Embora lidere as pesquisas de intenção de votos, a Frente Trabalhista tem problemas no Maranhão. Na semana passada, durante o primeiro comício de Jackson Lago na capital, líderes do PDT impediram que o representante da Frente Trabalhista no TRE, Carlos Lima (PTB), e o secretário-geral do PPS, Fonseca Júnior, subissem no palanque. Não bastassem os problemas políticos, Lago começa a enfrentar uma enxurrada de denúncias e poderá passar boa parte da campanha tendo de se explicar aos eleitores.

Jackson Lago foi prefeito de São Luís três vezes e não é de hoje que ele encontra dificuldades para dizer como e onde gasta o dinheiro público. Pelo menos é isso o que mostra um documento do Tribunal de Contas do Maranhão. Trata-se de um relatório sobre as análises das contas municipais durante o ano 2000. O documento tem 40 páginas, é assinado por sete auditores e aponta falcatruas milionárias em toda a administração direta e indireta. No relatório estão enumeradas irregularidades gritantes, como dispensas ilegais de concorrências públicas, e até primárias, como o uso de notas fiscais frias para justificar despesas também milionárias. Em todas as secretarias foram encontradas falcatruas, muitas delas capazes de fazer inveja aos fantasmas criados por PC Farias.

Pelo ralo – O relatório do Tribunal de Contas é datado de 25 de janeiro deste ano e indica que durante o ano 2000 pelo menos R$ 13,4 milhões escoaram pelos ralos da Companhia de Limpeza e Serviços Urbanos (Coliseu) – empresa de economia mista com 99,99% das ações pertencentes à Prefeitura de São Luís, responsável pela coleta de lixo na capital simplesmente sem nenhum tipo de explicação. "Foi contabilizada despesa de pessoal na ordem de R$ 7.446.002,22, mas, a partir da documentação apresentada à equipe de inspeção, o montante apurado com despesa de pessoal importou na quantia de R$ 5.132.088,53", registram os auditores na página 21 do documento. Isso significa que, apenas sob a rubrica "despesa de pessoal", R$ 2,3 milhões sumiram sem nenhum tipo de registro. Na mesma página, os auditores constatam que "foi contabilizado como despesa com veículos, máquinas de limpeza e gastos gerais de limpeza R$ 12.155.129,72, enquanto os gastos apurados com esses serviços totalizam apenas R$ 4.845.407,15". Mais uma vez, descobriram que não existe nenhuma documentação para a saída de outros R$ 7,3 milhões. Ainda segundo o mesmo documento, pelo menos outros R$ 2,8 milhões foram pagos a 11 empresas sem nenhuma licitação e sem detalhamento do tipo de serviço executado.

As irregularidades apontadas pelos sete auditores na Coliseu não se limitam ao inexplicável sumiço dos recursos públicos. Há casos em que a empresa até consegue dizer para onde foi o dinheiro, mas os auditores descobriram pagamentos ilegais e imorais. O aluguel de carros ilustra com clareza essa descoberta. Segundo o relatório, a Coliseu gastou, durante o ano 2000, R$ 271,5 mil com o aluguel de 26 carros de passeio e R$ 1,2 milhão com o aluguel de 55 veículos pesados. Os aluguéis desses carros foram feitos sem licitação e sem contrato formal. Por causa disso, o Tribunal de Contas solicitou ao Departamento de Trânsito informações a respeito dos veículos. Dois dos carros alugados pela Coliseu nem sequer estavam registrados. Três dos caminhões pertenciam a um irmão do então presidente da empresa, e o Tempra de placas HPA 0700 pertencia ao próprio presidente. Além dos problemas encontrados pelo Tribunal de Contas, a Coliseu é alvo de novas denúncias. Na última semana, a Câmara de Vereadores de São Luís avaliava a possibilidade de instalar uma CPI para investigar onde teriam ido parar cerca de R$ 3,5 milhões emprestados pelo BNDES à empresa de coleta de lixo. "Sabemos que o dinheiro já saiu do BNDES, e até agora não está claro o destino dado a esses recursos. Se em 15 dias a prefeitura não esclarecer, partiremos para uma CPI", avisa o vereador Pedro Celestino (PV), um antigo aliado de Jackson Lago e do atual prefeito, Tadeu Palácio. Na noite da quarta-feira 21, através de nota divulgada pela tevê, a prefeitura informou que ainda não havia recebido os R$ 3,5 milhões. O vereador, porém, não se satisfez com a resposta. "Os responsáveis pela prefeitura e pela Coliseu devem comparecer à Câmara e comprovar o que estão dizendo."

Montagem – Na disputa pelo governo, Jackon Lago tem prometido que a educação será um dos pontos prioritários de sua eventual gestão. No entanto, o Tribunal de Contas descobriu que os recursos da Secretaria Municipal de Educação não foram empregados de forma regular. Um dos casos analisados é um contrato entre a secretaria e o Centro de Treinamento e Desenvolvimento (Cetrede), para a "prestação de serviços de consultoria especializada para implantação de gestão integrada de recursos humanos". O contrato, no valor de R$ 2 milhões, foi feito sem licitação e, segundo os auditores, "assinado de forma, além de irregular, incomum em órgãos públicos". A documentação em poder do tribunal mostra que em 17 de dezembro de 2000 a Secretaria de Educação solicitou da assessoria jurídica um parecer sobre a possibilidade da dispensa de licitação. O parecer permitindo a falta da concorrência foi emitido em 11 de dezembro, portanto seis dias antes de ser solicitado. Mais estranho: em 12 de dezembro, cinco dias antes do parecer jurídico, a então secretária autorizou a contratação sem licitação e encaminhou o processo para a aprovação do prefeito, que autorizou a contratação em 15 de dezembro, dois dias antes do parecer jurídico. O contrato foi assinado em 22 de dezembro e o empenho global das despesas foi feito sete dias depois. "A contratação traz forte indício de montagem dos processos para favorecer o contratado", escreveram os auditores na página 11 do relatório.

No mesmo dia e da mesma forma, a Secretaria de Educação assinou um outro contrato. Dessa vez com a Fundação Sousandrade de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal do Maranhão, visando à "implantação do sistema integrado de gestão escolar". O valor desse contrato é de R$ 4,1 milhões. Também na Secretaria de Educação, o Tribunal de Contas descobriu que entre maio e outubro do ano 2000 foram gastos R$ 72 mil sem nenhum documento comprovando as despesas. Na Secretaria de Saúde, apenas com clínicas particulares, a prefeitura gastou R$ 18,2 milhões em 2000, sem concorrência pública.

Na quarta-feira 21 e na quinta-feira 22, ISTOÉ procurou o ex-prefeito. Como ele estava no interior, não foi possível ouvir a sua versão. Em resposta ao relatório, a assessoria de Jackson Lago encaminhou à reportagem uma certidão emitida na quarta-feira pelo próprio TCE. O documento assinado pelo presidente, Yêdo Flamarion Lobão, diz: "Não existe qualquer decisão, prolatada por este tribunal, contrária à aprovação das contas da Prefeitura Municipal de São Luís, exercícios financeiros de 1989 a 1992 e 1997 a 2002." Procurado, Lobão esclareceu que a certidão significa que as denúncias estão sob investigação. Ou seja, as contas de Jackson desde 1989 não foram rejeitadas, mas também não foram aprovadas. Segundo o presidente, a demora em investigar esse tipo de coisa é comum em todo o País. Até 2000, o presidente do Tribunal de Contas do Maranhão era Donato Lago, irmão do ex-prefeito.