A frase é antiga, mas continua valendo: “A economia é o único campo onde duas pessoas podem ganhar um Prêmio Nobel dizendo exatamente coisas opostas.” Completados os tradicionais 100 dias do novo governo, Luiz Inácio Lula da Silva está conhecendo isso de perto. Ele tem críticos de primeira linha, como o professor-titular de economia internacional Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Conselho Federal. “O governo Lula está fazendo a política das elites (…) é a mesma política do governo passado”, diz. Gonçalves, professor de alto gabarito, é petista de carteirinha desde os anos 80. Ele diz exatamente o contrário do que diz o economista Delfim Netto, odiado por uma ala da esquerda por sua duradoura passagem pela ditadura, mas sempre respeitado por sua inteligência – e admirado por sua fina irônia. “A atuação do ministro Palocci é magnífica (…) quem o critica é o que eu chamo de jacobinos”, diz ele.

Não, as frases não estão trocadas. A economia é que é assim
mesmo quando cruza com a política. Os estilingues, surpreendentemente, trocam de mãos. Nas entrevistas a seguir, o que Lula acertou e
errou nesses seus primeiros 100 dias no Palácio do Planalto. Não
se esqueça da frase inicial.

Márcio Cypriano – Presidente do Bradesco

ISTOÉ – Qual é a avaliação que o
sr. faz do governo?

Márcio Cypriano – O governo do presidente Lula teve um início promissor, o que está se refletindo nas pesquisas de opinião realizadas até agora. Pelos resultados que acompanhei, considerei especialmente importante a qualidade desse apoio manifestado pela sociedade brasileira à nova administração. Ela não está mais baseada em uma dose excessiva de expectativas, em ilusões. É digno de nota: a população admite que os problemas brasileiros são complexos e
não têm solução rápida ou fácil. Os brasileiros estão conscientes
do grau das dificuldades econômicas e que ainda teremos muito trabalho pela frente.

ISTOÉ – Qual a principal virtude da atual equipe econômica?
Cypriano – O ponto forte é a disciplina fiscal e o compromisso com a austeridade, o que vem sendo politicamente viável dada a autoridade política exercida pelo presidente Lula, além de sua credibilidade. O resultado disso é que estamos batendo recordes sucessivos na balança comercial e no superávit primário. O déficit de transações correntes já é plenamente financiável e a participação da dívida pública no PIB apresenta uma trajetória de queda consistente.

ISTOÉ – Qual a principal mudança percebida pelo sr.?

Cypriano – O enfoque mais agressivo na questão da pobreza é algo notório. Basta ver o lançamento do Fome Zero. Também é evidente a importância dada ao diálogo aberto e franco do presidente e ministros com representantes da sociedade no Conselho de Desenvolvimento.

 
Delfim Netto – Economista e deputado (PPB)

ISTOÉ – Qual a sua avaliação dos 100 dias do governo Lula?
Delfim Netto — Eu gostei. Acho que ele está cumprindo o que prometeu e, fundamental, está cumprindo o programa com o qual foi eleito. As objeções que vêm de seu próprio partido não têm fundamento porque parte do partido gostaria que o Lula ainda estivesse em 1988.

ISTOÉ – E sobre o ministro Palocci?
Delfim – A classificação que eu daria é magnífica. É um homem que ouve, tem uma boa capacidade de argumentação, é uma personalidade muito, muito interessante. Quem o critica é o que eu chamo de jacobinos.

ISTOÉ – Mas os juros, ao contrário das expectativas, subiram.
Delfim – Isso todos nós reclamamos, é a mesma coisa eu reclamar da minha gota. O que eu posso fazer? Nada.

ISTOÉ – O que o sr. vê à frente?

Delfim – O horizonte é de esperança. Aprovamos o primeiro passo para modificar e tornar possível desregulamentar o artigo 192 (que abre caminho para a autonomia do Banco Central), as reformas tributária e da previdência avançam e toda essa discussão esconde o fato de que essa convergência está crescendo mais depressa que a divergência.

ISTOÉ – O que o sr. acha da polêmica em relação à independência do BC?
Delfim – O BC, se for alguma coisa, vai ser autônomo para
cumprir as decisões do poder político. A maior parte das críticas
não tem fundamento.

ISTOÉ – Como deverá se encaminhar a política econômica?
Delfim – Eles vão ter que continuar nessa linha. Essa idéia de
essa de que a política do Lula é a política do governo FHC é de
um ridículo mortal. É a política de 120 países civilizados. No
governo Lula, você pode se jogar do 11º andar que você não
cai, fique tranquilo, você voa.

Horácio Lafer Piva – Presidente da Fiesp

ISTOÉ – Qual a sua avaliação dos primeiros 100 dias do governo Lula?
Horácio Lafer Piva
– A política econômica adotada foi adequada à necessidade de construção da credibilidade do governo Lula.
O governo acertou ao fortalecer a âncora fiscal via contenção e racionalização de despesas. Depois de muitos anos, vimos a meta de superávit primário ser elevada sem o correspondente aumento da carga tributária. Este é o caminho apropriado para manter a inflação em patamar baixo e abrir espaço para o crescimento do setor privado. Acreditamos que o governo deva dar
um passo além, elevando a qualidade e a sustentabilidade do superávit primário rumo à redução de sua atual excessiva dependência em relação à política monetária.

ISTOÉ – O que é possível esperar do futuro?
Piva
– As medidas adotadas estão nos colocando às portas de um ciclo virtuoso. Vivemos uma trajetória de queda da inflação, abrindo espaço para redução de juros, retomada do crescimento e sustentação da atual política econômica. E aqui mora um risco não desprezível de entrarmos novamente em uma fase de “go” para depois sermos surpreendidos por um “stop”. O governo deve aproveitar os dias de sol para consertar o telhado e reduzir, por exemplo, a nossa vulnerabilidade externa. É preciso que se complementem as ações recentes com política industrial articulada ao comércio exterior, políticas sociais mais eficazes, revisão do aparato regulador e uma agenda mais ampla para a área de economia. O desafio é comprovar que a política econômica adotada irá gerar resultados concretos em termos de taxas elevadas de crescimento, aumento do emprego e do poder de compra dos salários.

ISTOÉ – Qual a principal mudança em relação
ao governo anterior?
Piva
– Interlocução e capacidade de mobilização da sociedade. Tenho dito que há muito tempo não temos uma interlocução tão boa com o governo. Agora, estamos aguardando as decisões serem tomadas, para que as coisas comecem a acontecer.

Bautista Vidal – Físico e engenheiro, professor aposentado da Unicamp

 

ISTOÉ – Qual a sua avaliação dos primeiros 100 dias do governo Lula?
José Walter Bautista Vidal
– Não estou vendo nenhum projeto para o Brasil. Me parece a continuação daquela destruição que o Brasil estava sofrendo. Claro que sem os perigos da traição do Fernando Henrique Cardoso. O Lula não é um traidor, mas o fato de manter contratos leoninos lesivos, contrários aos interesses nacionais, não tem sentido. Na realidade, as coisas importantes não mudaram, até pioraram. O governo tem gente do PSDB, ligada a FHC, que o povo votou maciçamente para tirar do poder. Indústria e Comércio é do PSDB, Agricultura também, o Banco Central substituiu um preposto por um dos chefes do sistema financeiro internacional. Quanto ao Ministério da Fazenda, tudo indica que é um preposto do FMI. Então, a parte do poder do governo está toda como o governo anterior, não mudou nada e eles estão levando avante situações absurdas, como essa de darem independência ao Banco Central.

ISTOÉ – Por que essa decisão é absurda?
Bautista Vidal
– Mais independência do que já tem? Fazem o que querem. É subordinar o Banco Central diretamente ao grupo de especuladores e banqueiros internacionais, e não mais ao poder da República. É a anulação da Presidência, é atirar o País numa tirania financeira, onde o poder maior se faz através do dinheiro externo, um dinheiro que é falso.

ISTOÉ – O que mudou em relação ao governo FHC?
Bautista Vidal
– A única coisa que mudou, graças às qualificações do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e de seu secretário executivo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, é a posição do País em relação à Alca (Área de Livre Comércio das Américas). O Samuel é um reconhecido e competente embaixador que rejeita a Alca. Aí as coisas estão em mãos seguras.

ISTOÉ — Quais suas perspectivas?
Bautista Vidal
– Nós temos uma grande chance de intensificar os programas de combustíveis alternativos, renováveis, deixando de importar todo tipo de petróleo, que representa US$ 5 bilhões por ano, e criar um grande número de postos de trabalho no campo, além de se preparar para o potencial de exportação que esta guerra vai provocar. O petróleo está acabando e esta é uma política de resultados imediatos pela produção de trabalho, aumento de riqueza e da capacidade produtiva para o Brasil ocupar grande espaço no mercado externo com o fim da era do petróleo.

 

Reinaldo Gonçalves – Professor de economia da UFRJ

ISTOÉ – Como o sr. avalia os 100 dias do governo Lula?
Reinaldo Gonçalves
– A política econômica do governo está apresentando uma certa inconsistência macroeconômica. Os juros altos são mortais e provocam descontrole das finanças públicas. É a mesma política do governo passado. Por conta dos juros altos,
a dívida pública brasileira já ultrapassou os R$ 900 bilhões. Essa política monetária está
destruindo as finanças públicas.

ISTOÉ – Está decepcionado com esse início de governo?
Gonçalves
– De jeito nenhum. A decepção é a filha mais velha
da ignorância. Não esperava nada muito diferente. O problema do governo é que suas prioridades um, dois e três eram e serão a governabilidade. Lula está evitando qualquer enfrentamento. O governo, devido às restrições externas e aos obstáculos internos,
só está fazendo pequenas reformas. Está fazendo o jogo da cooptação da elite e vice-versa.

ISTOÉ – Já virou lugar comum comparar o ministro Antônio Palocci a seu antecessor, Pedro Malan. Concorda com isso?
Gonçalves
– Palocci nada mais é do que um operador. Ele é perfeitamente descartável, não tem a menor importância. Quem manda nesse governo se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque no Brasil a Presidência é exercida de forma imperial.

ISTOÉ – Qual seria a alternativa macroeconômica?
Gonçalves
– Juros baixos. Só que isso contraria os interesses da elite brasileira. A adoção dessa política requer um controle rígido da movimentação internacional de capital e é necessário, também, aumentar os depósitos compulsórios. O governo não adota essa política porque não quer contrariar interesses da elite econômica. É uma espécie de acordo tácito com as elites. Lula e sua equipe estão preferindo contrariar os trabalhadores.

ISTOÉ – O sr. acha que o capital eleitoral de Lula vai se manter por muito tempo?
Gonçalves
– A maioria do povo brasileiro não votou no Lula, mas sim contra o governo Fernando Henrique. O povo votou pela mudança. Como essas mudanças não estão ocorrendo, a expectativa é de que o capital eleitoral do governo irá se deteriorar. Esse é o principal erro político do governo, e Lula não está conseguindo avaliar esse risco.

Reinaldo Gonçalves – Professor de economia da UFRJ

 

ISTOÉ – Como o sr. avalia os 100 dias do governo Lula?
Reinaldo Gonçalves
– A política econômica do governo está apresentando uma certa inconsistência macroeconômica. Os juros altos são mortais e provocam descontrole das finanças públicas. É a mesma política do governo passado. Por conta dos juros altos, a dívida pública brasileira já ultrapassou os R$ 900 bilhões. Essa política monetária está destruindo as finanças públicas.

ISTOÉ – Está decepcionado com esse início de governo?
Gonçalves
– De jeito nenhum. A decepção é a filha mais velha
da ignorância. Não esperava nada muito diferente. O problema do governo é que suas prioridades um, dois e três eram e serão a governabilidade. Lula está evitando qualquer enfrentamento. O governo, devido às restrições externas e aos obstáculos internos,
só está fazendo pequenas reformas. Está fazendo o jogo da cooptação da elite e vice-versa.

ISTOÉ – Já virou lugar comum comparar o ministro Antônio Palocci a seu antecessor, Pedro Malan. Concorda com isso?
Gonçalves
– Palocci nada mais é do que um operador. Ele é perfeitamente descartável, não tem a menor importância. Quem manda nesse governo se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque no Brasil a Presidência é exercida de forma imperial.

ISTOÉ – Qual seria a alternativa macroeconômica?
Gonçalves
– Juros baixos. Só que isso contraria os interesses da elite brasileira. A adoção dessa política requer um controle rígido da movimentação internacional de capital e é necessário, também, aumentar os depósitos compulsórios. O governo não adota essa política porque não quer contrariar interesses da elite econômica. É uma espécie de acordo tácito com as elites. Lula e sua equipe estão preferindo contrariar os trabalhadores.

ISTOÉ – O sr. acha que o capital eleitoral de Lula vai se manter por muito tempo?
Gonçalves
– A maioria do povo brasileiro não votou no Lula, mas sim contra o governo Fernando Henrique. O povo votou pela mudança. Como essas mudanças não estão ocorrendo, a expectativa é de que o capital eleitoral do governo irá se deteriorar. Esse é o principal erro político do governo, e Lula não está conseguindo avaliar esse risco.