O jornal londrino Daily Mirror é do tipo chamado na praça de “tablóide sensacionalista”. Até a semana passada, ninguém esperaria que as fileiras desse diário fossem amplas ou até limpas o suficiente para acomodar um respeitável veterano jornalista, ganhador do Prêmio Pulitzer, com um nome que já frequentou a lista de correspondentes em quase todos os conflitos mundiais desde a guerra do Vietnã. No entanto, desde o domingo 30, o Mirror conta com a grife Peter Arnett em suas páginas.

Arnett, 68 anos, é o neozelandês com o currículo exemplar, mencionado anteriormente. Consta de sua biografia o fato de ter sido
o último homem a manter a reportagem da Rede CNN numa Bagdá sob intenso bombardeio, na guerra do Golfo em 1991. Agora, 12 anos depois, Arnett voltou à mesma cidade para repetir a façanha, dessa vez sob a bandeira de uma coligação de empresas envolvendo a National Geographic Explorer (emissora a cabo da publicação do mesmo nome)
e a Rede NBC, com afiliadas a cabo. Seu trabalho, porém, foi interrompido com uma demissão sumária. A “justa causa” explicada pelos patrões foi uma entrevista que Arnett concedeu à tevê oficial iraquiana, em que avaliava que o Pentágono subestimara o espírito de resistência naquele país e cometera outros erros de cálculo nas estratégias da guerra. Lamentou também que os americanos não estivessem contando o número de mortos civis no conflito.

Mas Arnett – que perde o emprego, mas não perde o vício – preferiu seguir rota própria. Não ficou no molhado por muito tempo. O Daily Mirror, que tem mantido oposição cerrada à guerra em suas páginas, o chamou a bordo. Na semana passada, Arnett deu o seguinte depoimento: “Eu ainda estou sob o efeito de choque e pavor, depois da demissão. De todo modo, já pedi desculpas aos americanos por aquilo que considero ter sido um erro de julgamento. Acho que o grande (jornalista) Walter Conkrite (um dos maiores ícones do jornalismo americano) entendeu minhas razões para a entrevista que dei à tevê do Iraque. Ele escreveu um artigo na página de opiniões do jornal The New York Times falando que achava errado o que fiz. No entanto, explicou que nós, repórteres, temos fontes e precisamos alimentá-las para conseguir as informações.

O que eu tentava fazer era preservar essas fontes e também me manter no local. Está cada vez mais difícil o trabalho de jornalistas em Bagdá e as ameaças de expulsão são frequentes. Para continuar meu trabalho, eu tinha de dar aquela entrevista. Aliás, é uma discussão pública, agora, o fato de que o alto comando americano subestimou a tenacidade iraquiana e a capacidade de luta de alguns setores do regime. Também virou notícia recentemente o fato de que o Pentágono não informa
sobre a estimativa do número de vítimas civis iraquianas. Acho que
se eu tivesse falado ontem, dia 1º de abril, o dia da mentira, o que
falei, não teria sido mandado embora, pois hoje todo mundo está
falando sobre aqueles assuntos.”