LUIZ CARLOS MURAUSKAS/FOLHA IMAGEM

DESOLAÇÃO O enterro: família e amigos incrédulos

Extrovertida, alegre e graciosa, Isabella Oliveira Nardoni, de cinco anos, era o centro das atenções nas reuniões de família. Carinhosa, vivia pedindo colo e distribuindo beijos. Seus programas preferidos nos fins de semana eram viajar para a praia e brincar no parquinho. Vaidosa, adorava vestidos, bolsinhas corde- rosa e era vidrada na boneca Hello Kitty. “Sou superchique”, dizia aos adultos. Ela estava empolgada com um peixinho que havia ganhado de uma prima, que batizou de Biel, mas sua paixão, mesmo, era o balé. Isabella ensaiava os primeiros passos na escola e dizia a todos que queria ser bailarina quando crescesse. O sonho, tão comum a meninas desta idade, nunca se realizará. Ele foi brutalmente interrompido na noite do sábado 29, quando Isabella foi encontrada caída de bruços no jardim do prédio onde morava seu pai, Alexandre Nardoni, na zona norte de São Paulo. Minutos depois, ela faleceu.

Isabella chegou a ser socorrida, mas não resistiu e morreu de parada cardiorrespiratória a caminho do hospital. Alexandre parecia atordoado diante da cena. Ora pedia socorro, ora colocava o ouvido no peito para checar se o coração da filha ainda batia. “Ele andava de um lado para o outro desesperado, estava transtornado”, conta o sargento da PM Luiz Carvalho, a primeira pessoa a chegar ao local do crime. As circunstâncias da morte da menina ainda estão envoltas em mistério. Há duas hipóteses principais: ela ter sido jogada do sexto andar do prédio depois que a tela de proteção foi cortada com uma tesoura ou ter sido agredida e colocada no jardim. Há vários dados intrigantes:

ARQUIVO PESSOAL

INFÂNCIA ROUBADA A menina vaidosa
e alegre adorava a boneca Hello Kitty
e tinha um peixinho

* Isabella foi colocada no quarto dela, mas teria sido jogada do cômodo vizinho.
* Ela ter tido só uma fratura, se realmente caiu de uma altura de 20 metros.
* O corpo tem sinais de asfixia, com extremidades das unhas roxas, manchas no pulmão e no coração e escoriações e supostas marcas de dedo na nuca.
* Há vestígios de sangue no carro do pai, na fechadura da porta, no hall de entrada, no lençol do quarto dela e na tela de proteção da janela.
* As roupas que Alexandre usou naquele dia foram encontradas no apartamento vizinho, de sua irmã, que está desocupado.
* O relato dele sobre o ocorrido tem várias contradições em relação aos depoimentos de outras testemunhas.

Alexandre, 29 anos, diz que chegou ao prédio por volta das 23 h com a segunda mulher, Anna Carolina Jatobá, 24, Isabella e os dois filhos deles, de três anos e de dez meses, depois de uma visita aos sogros, que moram em Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo ele, as três crianças dormiam, por isso subiu primeiro com Isabella no colo.

Chegou ao apartamento de número 62, o único ocupado no andar, e acendeu os abajures do quarto dos filhos e do de Isabella, onde a deixou dormindo. Em seguida, voltou à garagem para buscar os outros, com o cuidado de trancar a porta de casa. Quando retornou ao apartamento, dez minutos depois, encontrou a porta aberta, a luz do quarto de hóspedes acesa e não viu Isabella. Foi para o quarto ao lado e viu a rede de proteção da janela cortada. Depois, avistou o corpo da filha caído no jardim do prédio. No apartamento não há sinais de arrombamento e nenhum objeto foi furtado.

Testemunhas, segundo a polícia, deram depoimentos conflitantes com o relato de Alexandre. Um vizinho disse ter visto a família subir junta no elevador. Dois outros, um do primeiro andar do prédio e outro de uma casa vizinha, teriam ouvido gritos de criança na hora do incidente. “Pára, pai, pára, pai”, disseram ter ouvido. “Isso é porque o pai estava fazendo alguma coisa errada. Mas não se sabe se a voz era da criança que morreu”, disse o delegado Calixto Calil Filho, responsável pela investigação. Desde o início, o delegado deu a entender que acredita no envolvimento do pai e da madrasta na morte da menina. O caso agora corre em segredo de Justiça.

Há outras contradições. Ao sargento Luiz Carvalho, Alexandre contou ter visto um homem jogar sua filha pela janela, mas não repetiu a informação em depoimento. Para a polícia, ele disse que havia um ladrão no prédio, mas o porteiro Valdomiro da Silva Veloso e o sargento fizeram buscas e não viram ninguém suspeito na área. Afirmou ainda que tinha se desentendido com o pedreiro Mizael dos Reis Santos. A polícia ouviu o pedreiro e descartou seu envolvimento no crime. “As versões que temos até agora não batem. Posso adiantar, genericamente, que a história apresentada (pelo pai e pela madrasta) no dia do crime e nos depoimentos é fantasiosa”, disse, na sexta- feira 4, o promotor Francisco Cembranelli, representante do Ministério Público nas investigações.

ROBSON VENTURA/FOLHA IMAGEM

O DELEGADO Calixto Calil Filho aposta no envolvimento do pai

Duas testemunhas que vivem no prédio onde Alexandre e a mulher moravam antes de se mudar para o edifício London, dois meses atrás, contaram que o casal brigava muito. Ela era considerada geniosa e também se desentendia com seu pai, Alexandre Jatobá. Anna Carolina chegou a registrar pelo menos dois boletins de ocorrência contra ele por agressão, em 2004 e 2005. Neste último, ela diz que estava no computador, seu filho de nove meses chorava e seu pai lhe disse para pegá-lo. Anna Carolina se recusou, alegando que o bebê chorava mesmo nos seus braços. O pai, então, começou a xingá-la, ameaçou-a e depois arremessou um vaso contra ela, que estava com o menino no colo.

O marido Alexandre e Anna Carolina Jatobá eram colegas de faculdade, iniciaram o relacionamento quando Isabella ainda era bebê e logo foram morar juntos. A relação com a mãe da menina terminou logo depois que ela nasceu. Ana Carolina Oliveira, 24 anos, tinha 16 quando eles começaram a namorar e aos 17 ficou grávida. Isabella costumava passar o fim de semana com eles a cada 15 dias e adorava brincar com os irmãos. O apartamento novo, de 82 m2 e três quartos, no valor de R$ 280 mil, havia sido comprado para Alexandre pelo pai, Antônio Nardoni, que adquiriu o imóvel vizinho para outra filha. Alexandre se formou em direito em 2006 (ainda não tem registro da OAB) e trabalhava com o pai, que o auxiliava nos seus gastos e também na pensão de Isabella, de R$ 280.

Antônio Nardoni também era o dono do Ford Ka que transportou a família de Alexandre na noite do crime e do Vectra utilizado pelo filho, além de outros carros e imóveis. Segundo pessoas próximas da família de Ana Carolina Oliveira, Alexandre tem um temperamento difícil, explosivo e os dois volta e meia se desentendiam por causa da pensão. “Era um relacionamento cordial, para não afetar a relação da Isabella com o pai, mas desgastado”, diz um amigo. “Às vezes, ele recebia o dinheiro da pensão do pai e não transferia para Carol.” Em setembro de 2003, Ana Carolina chegou a registar um boletim de ocorrência contra Alexandre, que teria ameaçado matá-la e à sua mãe e sumir com Isabella. Ele não concordava que a menina, então com um ano e quatro meses, fosse matriculada na escola.

FOTOS: DIEGO PADGURSCHI/FOLHA IMAGEM

O PAI Alexandre Nardoni se apresenta à polícia para cumprir prisão temporária: versões contraditórias

Ana Carolina é descrita pelos amigos como uma mãe amorosa. Funcionária do Unibanco, tem fotos de Isabella na mesa de trabalho e falava dela com freqüência para os colegas. “Mesmo a Carol sendo superjovem, sempre assumiu a filha com muito orgulho. Certa vez, em um feriado, deixou de viajar com os amigos para levála ao Parque da Mônica”, conta Júnior Zanellato, amigo de infância de Ana Carolina. É com o apoio dos pais, Rosa e José, e dos irmãos, Felipe e Leonardo, que ela tem contado para atravessar este momento difícil. A família vive junta em um sobrado simples, de classe média, numa rua tranqüila da zona norte de São Paulo. Rosa e José são donos de uma pequena loja de roupas na vizinhança, a Atitude Zero, onde Isabella ia com freqüência.

FOTOS: DIEGO PADGURSCHI/FOLHA IMAGEM

A MADRASTA Anna Carolina Jatobá na delegacia:
declaração de amor à enteada em carta

Diante da tragédia, Ana Carolina optou pela reclusão. “O pai dela escolheu escrever cartas. Eu preferi o silêncio”, disse ela à ISTOÉ, em tom sereno. “Acabaram com a vida da minha filha, mataram a minha filha e nem ao menos sei quem foi.” Ela não está tomando calmantes, tem tido dificuldade para dormir à noite e ninguém a deixa sozinha em momento algum. No enterro, na segunda-feira 31 de março, ela passou o tempo todo segurando um coelho de pelúcia azul da filha, ora debruçada no caixão chamando por ela, ora sentada, em estado de choque. Alexandre ficou ao lado do caixão, em pé, com a mão sobre o vidro, de onde era possível ver o rosto da criança. Os pais ficaram próximos, mas não conversaram, nem se abraçaram.

Depois que foram declarados suspeitos pela polícia e tiveram a prisão temporária decretada, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá escreveram um texto, que foi distribuído para a imprensa, no qual se dizem inocentes. Diante da tragédia, o País se viu dividido entre acreditar ou não no envolvimento do pai no crime. Muitos ficaram surpresos com a decisão firme da polícia de pedir a prisão temporária do casal e aguardam as provas que justifiquem esta medida.

FOTOS: DIEGO PADGURSCHI/FOLHA IMAGEM

A ESCOLA Colegas perguntam sobre Isabella e fazem desenhos para a garota

Em um emocionante relato, Alexandre declara seu amor à filha e diz ter prometido diante de seu caixão descobrir quem a matou. Anna Carolina afirma amar Isabella como a seus dois filhos, que agora estão sob os cuidados dos avós maternos. Os dois se entregaram à polícia na quinta- feira 3. Serão chamados para prestar novos depoimentos e possivelmente sofrerão uma acareação. A família Nardoni está muito abalada. “Do fundo do meu coração, como mãe, eles são inocentes. E, se Deus quiser, todos irão pedir perdão ao Alexandre”, diz a mãe dele, Maria Aparecida Alvez Nardoni. Os dois terminam as cartas com a mesma frase: “A verdade sempre prevalecerá.” É nisso que a sociedade confia.

 

 

Carta de Alexandre Nardoni

“Eu, como pai de três filhos, posso dizer sem dúvida uma coisa: que a Isabella é o maior tesouro da minha vida. Tenho outros filhos meninos, mas a minha menininha era a princesa da casa…
… Quando me dei conta que tinha perdido minha Isabella, senti naquele momento que meu mundo acabou. Não sei como caminhar…
… Todos estão me julgando sem ao menos me conhecer. Não faria isso com ninguém, muito menos com minha filha. Amo a Isabella incondicionalmente e prometi a ela, em frente ao seu caixão, que, enquanto vivo, não sossego enquanto não encontrar esse monstro. Tiraram a vida da minha princesa de uma maneira trágica e não me permitem sentir falta dela, pois me condenam por algo que não fiz…
… Quero a minha filha bem, em paz, e tenho plena certeza, e consciência tranqüila do meu amor, amor que tenho por ela. Pois por mais que me julguem, só eu e minha filhinha sabemos a dor que estamos sentindo. E o mais importante é que ‘Isa’ sabe o pai que fui para ela …
… Nós não tínhamos feito nenhuma declaração ainda porque acreditávamos que o caso seria solucionado. Nós não somos os culpados, e ainda encontrarão o culpado…
… Só que nos acusam e queremos mostrar o que realmente estamos sentindo. A verdade sempre prevalecerá.”

Carta de Anna Carolina Jatobá
… “Sei que a palavra madrasta pesa ao ouvido dos outros, mas para ‘Isa’ sei que eu era a Tia Carol. Amo ela como amo aos meus filhos. Eu tenho minha consciência tranqüila do carinho com que sempre a tratei…
… Eu, Alexandre e minha sogra fizemos o quarto dela como ela sempre sonhou. Compramos o baú da Hello Kitty. Ela adorava as princesas da Disney e compramos um abajur. Mas, acima de tudo isso, o carinho era o que mais contava. Então, o que tenho a dizer, é que Isabella era tudo para todos nós e tenho fé que encontraremos quem fez essa crueldade com nossa pequena. Não tínhamos dado nenhuma declaração, pois acreditávamos que o caso seria solucionado. Somos inocentes e a verdade sempre prevalecerá.”