O pintor Francisco Rebolo Gonsales (1902-1980) dizia que tanto na arte quanto no futebol deve haver espontaneidade e marcas de amor e entusiasmo. Ambas as características o acompanharam, fosse como ponta-direita do Esporte Clube Corinthians – time que defendeu nos anos 20 e que lhe deve a autoria do famoso emblema com os dois remos e uma âncora -, fosse como líder do Grupo Santa Helena, formado pelos artistas Alfredo Volpi, Clóvis Graciano, Mário Zanini, Aldo Bonadei e Fúlvio Pennacchi, entre outros. Mesmo não tendo atuado na Semana de Arte Moderna de 1922, a trupe era considerada pelos modernistas o ouro puro encontrado na pedreira dinamitada do academicismo. E Rebolo, na opinião deles, um mestre numa geração de mestres. Para comemorar o centenário de nascimento do pintor paulistano, quinto filho de uma família de humildes imigrantes espanhóis, o Museu de Arte Moderna de São Paulo organizou a mostra F. Rebolo – 100 anos, inaugurada na quinta-feira 22. Na retrospectiva estão 167 óleos representativos das diversas fases do artista, garimpados por sua filha Lisbeth Rebollo (com dois eles) Gonçalves e pela curadora Elvira Vernaschi em meio a uma obra que supera 2.500 trabalhos.

Igrejas – Rebolo trabalhou com o pai como aprendiz de decorador. Chegou a pintar vários detalhes das igrejas de Santa Ifigênia e Santa Cecília, em São Paulo. Passou a década de 20 jogando futebol profissional pelo Corinthians e depois pelo Clube Atlético Ypiranga, mas não perdia uma partida na várzea. As andanças pela periferia lhe forneceriam assunto para quadros futuros. Em 1932, tomou a decisão de se tornar pintor, literalmente pendurando as chuteiras e alugando como ateliê a sala 231 do edifício Santa Helena, situado na praça da Sé, no centro de São Paulo, um prédio comercial com um cinema no andar térreo, que logo se tornaria ponto de encontro de artistas deslocados dos centros elegantes e ávidos pelo novo. Líder nato e com tino comercial, Rebolo lutou pela categoria, filiando-se a sindicatos ao mesmo tempo que aprimorava sua pintura.

Apenas quatro anos depois de ter se iniciado nas artes como autodidata, ganhou medalha de bronze no Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro e de ouro no IV Salão Paulista de Belas Artes. Rapidamente sua carreira foi ganhando contornos de brilho. Até 1947, Rebolo pintou paisagens dos arredores de São Paulo, naturezas-mortas, auto-retratos e telas inspiradas em modelos vivos. A partir do mesmo ano, já morando numa chácara no Morumbi, então zona rural, dedicou-se às marinhas. Recorria à memória de suas viagens a São Vicente e outras praias do litoral paulista, à época completamente desertas. Mas o grande impulso aconteceu com o Prêmio Viagem ao Exterior, do III Salão de Arte Moderna carioca, em 1954. Graças a ele passou dois anos viajando pela Europa com a família, enquanto estudava e pintava. Amigos e críticos temiam que Rebolo, em contato com a arte européia, perdesse os laços com o Brasil. O tempo provou o contrário. Segundo a crítica de então, a série Veneza, pintada in loco entre 1956 e 1958, lembra as cores de São Paulo.

Xilogravura – Nos anos 60, o artista começou a pesquisar outras técnicas. Descobriu a xilogravura através de Marcelo Grasmann e, para espanto dos puristas, adaptou aos pincéis os resultados de seus estudos. Um bom exemplo é o quadro Barra Funda, de 1967. Seus últimos dez anos marcaram o retorno à estrutura formal e às cores luminosas, com resultados quase geométricos, como pode ser admirado em Paisagem (Rio Guaíba) e Paisagem com cavalos, ambos de 1977. Para o crítico carioca Walmir Ayala, a obra de Rebolo cumpriu um “anel lírico”, definição que pode ser fisicamente constatada na instalação criada por Lisbeth e Elvira e na qual o visitante se vê rodeado por uma série de telas dispostas em ordem cronológica.

Segundo o sociólogo e jornalista Antonio Gonçalves, presidente da comissão organizadora da retrospectiva e genro do pintor, houve alguma dificuldade em reunir tantas obras. A única informação que dispunham sobre o famoso óleo Futebol (1936), por exemplo, era que havia pertencido ao físico Mário Schenberg, grande amigo de Rebolo. Futebol já havia passado por dois donos antes de integrar a coleção Antonio Hermann Azevedo. Para breve, Gonçalves e Lisbeth prometem uma exposição com cerca de 40 gravuras de Rebolo, merecidamente chamado pelos torcedores do Corinthians de “O artista do parque”. E das paisagens, dos retratos…