Ricardo Giraldez

Minczuk, a mulher, Valéria, e os filhos Rebecca, Natalie, Julia (no colo) e Joshua: momento cada vez mais raro

Seu destino estava traçado na maternidade. Roberto Minczuk, maestro paulista que se tornou o primeiro brasileiro a reger a Filarmônica de Nova York, da qual é regente associado, só podia ter sido músico na vida. Como numa versão erudita da Família Do-ré-mi, Minczuk, descendente de russos e ucranianos, nasceu cercado de notas e solfejos por todos os lados e transmitiu a tradição a seus herdeiros. O pai, José Minczuk, foi fundador da orquestra da Igreja da Assembléia de Deus Russa no Brasil e maestro do coral da Polícia Militar. Quatro de seus sete irmãos são concertistas. Arcádio é oboísta, Eduardo, trompista, Cristiane, mezzo-soprano e Esther, violoncelista. Três de seus quatro filhos ostentam habilidades em vários instrumentos. Natalie toca piano e violoncelo, Rebecca, piano e violino e Joshua, piano. Será difícil a pequena Julia, de seis meses, não trilhar o mesmo caminho. Para completar, a mulher, Valéria, lidera uma equipe de 250 voluntários que ajudam na rotina da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) – oásis de excelência no País – da qual Minczuk é diretor artístico adjunto.

Na sala de estar do apartamento da família, em Higienópolis, centro de São Paulo, há um piano bem simples e uma trompa niquelada em dourado que funciona como peça decorativa. Foi como trompista que Minczuk iniciou sua carreira. Se aos 13 anos era a primeira trompa da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, aos 36, é um maestro com uma carreira internacional que decola sustentada por aplausos ao redor do mundo. Este ano, sua agenda tem assinalados compromissos incontáveis. Vai reger a orquestra da Filadélfia, de Saint Louis, nos Estados Unidos, as de Vancouver e Otawa, no Canadá, a Orquestra Nacional de Lyon, na França, a Filarmônica Nacional da Hungria e a Orquestra Sinfônica da Basiléia. Serão de 90 a 100 concertos por ano. Este ano, ainda assume a direção artística do badalado Festival de Inverno de Campos do Jordão, onde estudou, ainda como bolsista, e no final dos anos 70 conheceu John Neschling, atual regente titular e diretor artístico da Osesp. Um dos seus compromissos mais importantes será em breve. No dia 5 de maio, Minczuk estará à frente da Orquestra do New York City Ballet, ao lado do tenor espanhol Placido Domingo, num concerto no Lincoln Center de Nova York em homenagem ao coreógrafo russo George Balanchine, que fez fama nos Estados Unidos e completaria 100 anos em janeiro. Apesar de períodos tão agitados, Minczuk reserva em seu armário espaço para apenas quatro casacas, peça praticamente obrigatória durante concertos noturnos. Recentemente, ele mesmo quebrou a regra vestindo terno e camisa negros ao reger a Osesp na execução da 9ª Sinfonia de Beethoven, aquela que traz a Ode à alegria, do poema de Friedrich von Schiller.

A informalidade de Minczuk se revela aos poucos. Sempre que termina seus concertos nos Estados Unidos, corre para ouvir jazz. Seus pontos preferidos são o Green Mill, em Chicago, onde esteve no mês passado, e o lendário Blue Note, em Nova York. “Jazz é uma das minhas paixões. Ajuda a tirar Beethoven e Brahms da minha cabeça. É muito diferente, mais livre, o músico consegue curtir mais. Os músicos clássicos são mais bitolados e a disciplina rigorosa. No jazz, um erro pode ser bonito, o início de um improviso. Já a música erudita só começa de um ponto tecnicamente perfeito.” Ele sabe o que diz, ou o que ouve. O maestro é dotado do chamado “ouvido absoluto”, traço peculiar e talvez genético em que se tem uma elevada capacidade na distinção de notas musicais e se percebe uma desafinação com clareza instantânea. “Quando ouço um som, ouço nota por nota, como se ouvisse sílaba por sílaba, letra por letra, do que se está falando, e é difícil desligar.”

Seu talento vem sendo reconhecido rapidamente. Há mais de uma década tem contado com a amizade do maestro alemão Kurt Masur, um dos nomes mais respeitados na cena erudita do último século, que foi o regente titular da Filarmônica de Nova York. “Ele é um mentor. Me inspira por ser absolutamente apaixonado pelo que faz. Sua devoção é contagiante. Aprendi com ele este senso de missão, de levar a mensagem da música com essa integridade. Senão, nada vale a pena.” Minczuk confere à sua arte o poder de uma transcendência religiosa. “Sou uma pessoa de fé desde menino, nasci num lar evangélico, no qual a música é algo espiritual, uma forma de Deus se comunicar com sua criação, um instrumento de aproximação de pai e filho. A orquestra é um instrumento perfeito. É a melhor experiência que um ser humano pode ter.” Talvez o único sentimento que abale tamanha devoção seja o fato de ter que ficar quase sempre distante da família. “É o preço que a gente paga, mas a distância me incomoda muito, fico com muita saudade, mas, quando eles estão de férias, viajam comigo. É muito puxado, mas o único jeito de se ter uma carreira internacional. É ficar três semanas num lugar, três semanas em outro…” Mas foi isso que ele sempre quis. Deixou sua casa aos 14 anos para morar sozinho nos Estados Unidos e estudar. Hoje, ele admite, será duro se um dos seus rebentos fizer o mesmo. Mas, para os Minczuk, música é música.

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