Em política não dá para perder tempo. Diante do fraco vôo do tucano José Serra até agora, o Palácio do Planalto começou a preparar o terreno para um eventual segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PPS). Os primeiros passos para viabilizar uma aproximação com os petistas já foram dados. O mais significativo deles partiu do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Na segunda-feira 19, quando os quatro candidatos foram a Brasília para se inteirar sobre os termos do acordo firmado com o FMI, o presidente deixou claro na conversa que teve com o petista: se Serra não passar para o segundo turno, vai votar em Lula. E mais: prometeu ajudá-lo, liberando apoios tucanos por todo o País. O presidente não vai subir no palanque de Lula, mas poderá até anunciar publicamente seu voto.

O desalento que tomou conta do Planalto com o desempenho de Serra não significa, porém, que os governistas já jogaram a toalha. Para FHC, a data limite para o tucano demonstrar que pode decolar rumo ao segundo turno é 10 de setembro. A última esperança de Serra – empatado tecnicamente com Anthony Garotinho (PSB) – está depositada na propaganda eleitoral, que começou na terça-feira 20. Um dos fatores que levam os tucanos para os braços petistas é o fato de a candidatura Ciro estar respaldada pelo PFL de Antônio Carlos Magalhães. Uma idéia que começa a germinar nos bastidores é editar uma aliança de centro-esquerda com PT e PSDB e PMDB, no caso de vitória de Lula.

Os sinais de aproximação entre tucanos e petistas são cada vez mais frequentes. Além das conversas ao pé do ouvido entre lideranças dos dois partidos, as atitudes e declarações das duas maiores figuras do PT e do PSDB evidenciam a articulação política. FHC deu tratamento VIP a Lula no dia em que recebeu todos os candidatos em seu gabinete. O petista foi o único que teve dez minutos de conversa a sós com o presidente. Lula também tem exercitado toda a sua lábia diplomática para não implodir a ponte com os tucanos. Só faz críticas políticas ao governo. O eventual apoio de tucanos ligados a FHC a Lula no segundo turno é um movimento que precisa ser feito com muito cuidado, avaliam os petistas. Afinal, Lula não quer perder a bandeira de oposição para Ciro. A estratégia da campanha petista é mostrar Lula como responsável.

E foi essa a impressão que o petista passou nas duas horas de reunião com banqueiros, na sede da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), na terça-feira 20, em São Paulo. Ao lado do presidente da entidade, Gabriel Jorge Ferreira, na entrevista coletiva que concedeu após o encontro, Lula elogiou a atitude do presidente: "FHC agiu corretamente ao convocar os candidatos para uma conversa." O petista foi o segundo presidenciável sabatinado pelos representantes dos bancos. O primeiro foi Ciro. Um dos integrantes da Febraban que participou das duas reuniões foi taxativo: "Foi a melhor apresentação de Lula até hoje. Ele foi franco, sereno, ouviu as ponderações de todos com interesse e atenção. Demonstrou ser um homem de diálogo." Este representante dos bancos contou que a reação a Ciro foi oposta. "Eu daria nota 4 para Ciro e 8 para Lula. Ciro é pavio curto. Ele passou uma sensação de instabilidade e imprevisibilidade, o que é muito ruim. Além do mais, não tem a solidez intelectual que pretende passar. Ele apenas tem boa verbalização." O mercado ainda não deu como enterrada a candidatura Serra. O prazo é mais curto do que o de FHC: 3 de setembro. "Se Serra não decolar até esta data, quando sai uma pesquisa Ibope, no dia 4 o mercado já vai trabalhar com o cenário de embate entre Lula e Ciro", comentou o integrante da Febraban.

Sobre a perspectiva de FHC apoiá-lo na campanha, Lula foi mais uma vez diplomático, ao ser questionado durante debate organizado pelo jornal Folha de S.Paulo, do dia 12 de agosto. "Isso não depende da minha vontade. Depende da vontade dele enquanto eleitor." Perguntado se chegaria ao ponto de pedir o voto do presidente, Lula disse que "por uma questão de respeito" não pediria. Ao ser questionado se FHC seria um bom eleitor, disse: "O presidente da República é sempre uma figura importante. Vamos esperar o segundo turno para conversar", afirmou Lula. Para o senador Roberto Freire (PE), presidente do PPS, a aproximação do Planalto com o PT faz parte do que chamou de Projeto Paulista. Segundo Freire, "PSDB e PT estão no mesmo barco. Não é à toa que o sindicalismo petista do ABC muitas vezes se juntou com as montadoras nacionais em acordos que prejudicaram o resto do povo brasileiro. Tucanos e petistas representam um mesmo projeto de país, que é o Projeto Paulista. Por isso acabarão juntos", reagiu.

Palanque eletrônico – Em vez das cenas tediosas da Casa dos artistas ou das brigas ensaiadas do Big Brother Brasil, os 106 milhões de eleitores estão assistindo a uma espécie de reality show político. Logo na estréia do horário eleitoral, 85 milhões de brasileiros grudaram o olho na telinha, formando o maior palanque da história republicana. Transformou-se num fenômeno de audiência superior ao final das novelas globais ou das grandes decisões do futebol.

Fragilizado pelas pesquisas e pela ameaça de debandada dos aliados, José Serra saltou na frente: dono do maior tempo (10m25s), apresentou um programa com um tempero adicional: começou batendo em Ciro, seu adversário na luta pela vaga no segundo turno. Para atender a todos os gostos musicais, encheu seu espaço com atrações como Elba Ramalho, a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó e o trio pop adolescente KLB. De quebra, Serra teve como âncora o apresentador Gugu Liberato e ainda contou com a presença de FHC. O tucano escancarou na tevê o lado temperamental do rival, exibindo trecho de uma entrevista de Ciro à rádio Metrópole, de Salvador, no início de maio. Nela, Ciro reage agressivamente à pergunta de um ouvinte, que queria saber como ele iria cumprir todas as promessas estando ao lado de alguém como ACM, sem dar espaço a ele em seu governo. E completou perguntando se o candidato pensava que seria presidente da Suíça: "Tem que fazer as perguntas com um pouco mais de cuidado pra largar de ser burro. Deve ser coisa de um petista furibundo." Ciro errou duas vezes.

Na Suíça, como ocorre nos regimes mistos da França, Itália ou Israel, tem sim presidente e primeiro-ministro. Segundo, o ouvinte não era um petista. Pior, perdeu seu voto: o baiano Gerson, microempresário do bairro de Apipema, dono de uma loja de confecções com seis empregados, votou duas vezes em FHC e estava entre Serra e Ciro. A dúvida acabou. "Ainda não sei em quem votar. Mas já sei em quem não voto de jeito nenhum. Espero de um candidato segurança e estabilidade. E o Ciro, pelo que se viu, só dá insegurança e instabilidade", disse Gerson a ISTOÉ, na quinta-feira 22, ainda assustado com a repercussão de sua frustrada pergunta e pedindo que seu sobrenome não seja revelado. A polêmica vai continuar. O TSE proibiu nova veiculação da fala de Ciro. O PFL partiu para o contra-ataque para rebater as críticas feitas por Serra. O presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC), bateu duro: "O horário eleitoral estreou de forma normal, à exceção do programa do Serra que, nanico de votos, virou laranja do Lula."

Desespero – Para Einhart Jácome da Paz, marqueteiro de Ciro, ainda é cedo para se fazer uma avaliação dos efeitos dos programas. "Mas sabemos, sim, que o ataque de Serra a Ciro pegou muito mal para o tucano. A palavra que mais saía da boca dos eleitores era ‘desesperado’, além de dizerem que ele se escondeu atrás de artistas", afirmou. Jácome ressaltou que a idéia é não rebater Serra de jeito algum. "Vamos continuar mostrando propostas." Dito e feito. Ciro não respondeu ao tucano no horário gratuito, mas desancou Serra nas ruas de Fortaleza.

Fugir da pancadaria e manter um programa propositivo, recheado pelo discurso emocional, é a estratégia de Duda Mendonça, marqueteiro de Lula. Pelas pesquisas, Duda estaria no caminho certo. Na avaliação do primeiro programa, feita pelo PT, com quatro eleitores de Ciro, três de Serra e dois de Garotinho, todos eles tendo como segunda opção de voto o petista, a maioria virou a casaca. Apenas dois eleitores, ambos de Serra, se mantiveram fiel ao voto.

O bom desempenho do tucano na tevê, segundo assessores, tem várias explicações. Uma delas é a popularidade de Gugu, que tem grande aceitação nas classes C, D e E, justamente as periferias das grandes cidades onde Serra vinha perdendo até para Garotinho. Os efeitos da tevê devem aparecer já nas próximas pesquisas. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, adverte: "Ainda resta esperança, mas o Serra precisa crescer uns quatro pontos porcentuais até o começo de setembro. O programa mostrou que a polarização com Ciro é o caminho." A tela quente vai ficar nos limites da briga Serra-Ciro. O programa de Serra também estampou manchetes de jornais e revistas em que Ciro desancava os diletos amigos de agora, como o PFL ("tenho nojo"), Leonel Brizola ("fina flor do atraso) e o deputado do PTB Luís Antônio Fleury ("aborto da natureza"). A dubiedade de Ciro foi exaustivamente explorada nas curtas inserções que são veiculadas durante todo o dia com a pergunta "Ciro: mudança ou problema?" Este clima belicoso, intensificado na tevê, transbordou para as ruas. Na quinta-feira, em Fortaleza, Ciro reagiu, batizando Serra de "ministro da dengue". De São Paulo, Serra rebateu, chamando Ciro de "governador do cólera". Vem mais canelada por aí. "Se é pra lavar roupa suja, vamos lavar. Quem for podre, que se arrebente. Eleito, vou dizer claramente quem roubou", numa ameaça direta às denúncias contra Serra no Ministério da Saúde, como a guerra dos laboratórios contra os genéricos.

Como esperado, o ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), anunciou que estava trocando a camisa de Serra pela de Ciro. O pretexto de Tasso foi o ataque de Serra ao candidato do PPS no programa. "Se foi uma punhalada, não foi pelas costas. Foi pela frente", respondeu FHC sobre a decisão de Tasso. De quebra, o presidente do PSDB, José Aníbal, através de carta, adverte Tasso e bate no calcanhar-de-aquiles de Ciro: "Espero que possamos novamente dialogar no sentido de manter o Brasil no rumo seguro com a ação corajosa do PSDB, desde que garantimos a governabilidade do Brasil no momento de crise, após a aprovação do impedimento do ex-presidente Collor, fato que – espero – não volte a se reproduzir na história do Brasil."

Bola fora – No mesmo dia em que Tasso anunciava seu rompimento com Serra, a Seleção pentacampeã era mobilizada pela CBF para um jogomício. Foi um gol contra: o Brasil perdeu para o Paraguai por um a zero, em Fortaleza. A derrota estragou a festa de Ciro, que ao final do jogo tentou minimizar a fama de pé-frio. "Os paraguaios queriam ganhar da Seleção pentacampeã e os rapazes do Brasil estavam em festa. Não tenho do que me queixar, não." Desde o início da semana, todo o clima político ganhava contornos verde-amarelos no Ceará. Durante os preparativos para o jogo, os políticos locais definiam suas estratégias. Apesar de Tasso tentar evitar o confronto com o PSDB nacional, vários tucanos cearenses queriam vestir formalmente a camisa de Ciro. A situação constrangeu alguns jogadores e o técnico da Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, que já tinha declarado seu voto ao candidato da Frente Trabalhista. Felipão admitiu que a CBF havia organizado a homenagem de vários jogadores a Ciro, horas antes da realização do amistoso, quando os jogadores Kaká, Cafu e o próprio Scolari entregaram uma camisa autografada da Seleção ao candidato. "Eu sou funcionário da CBF. Se o teu chefe mandar você fazer uma redação, você vai fazer, não?", disse o ex-treinador à imprensa.

O eleitor está dividido quanto aos truques do marketing. Antônio Eurípedes Abadio, 59 anos, patriarca de uma típica família paulistana no bairro de Perdizes, elogia o trabalho dos marqueteiros: "O melhor seria se os partidos esquecessem a perfumaria em troca de um tempo integral dedicado às propostas", disse. Entre os Abadios, as opções de voto são várias. Antônio vota no Lula, mas a filha Simone, 27 anos, e seu marido, Paulo Roberto Grimaldi, 32, preferem Serra. A mãe, Cristina, 49 anos, ainda não definiu seu candidato. ISTOÉ acompanhou a reação da família na transmissão do horário eleitoral na quinta-feira 22. O casal de tucanos criticava Lula e Ciro na mesma medida em que o pai petista apontava as falhas da performance de Serra na telinha. Mesmo a indecisa Cristina ironizava as estratégias de todos. O presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos, Carlos Augusto Manhanelli, explica que esse comportamento é normal. O horário eleitoral, segundo ele, serviria mais para reforçar as características demonstradas pelos candidatos até agora do que fazer o povo mudar de opinião. "O programa não faz milagres", acredita.

O jornalista e crítico de televisão Eugênio Bucci tem uma visão diferente. O poder da imagem é tamanho que tudo pode acontecer com o desempenho nas pesquisas. "É só lembrar que a queda da Roseana Sarney não se deu pela informação, mas pela foto da pilha de dinheiro mostrada para o Brasil em horário nobre." Segundo ele, dessa vez o eleitor quer ver a briga de dois importantes nomes da política nacional, Ciro e Serra. "A platéia está com sede de um reality show", exemplifica. Simone Abadio confirma a tese. "Se cada um mostrasse o podre do outro, a gente veria as máscaras caírem", acredita.

No Rio, na casa da família Rangel, em Botafogo, a política está em pauta desde o início do programa eleitoral. A matriarca Nazir Rangel, 79 anos, sua filha Virgínia, 58, e o neto Rodrigo, 23, divergem sobre quem seria o melhor candidato. Por enquanto, acreditam que o debate na telinha está morno, beirando à chatice. Virgínia acha que os programas, de tão enfadonhos, deveriam ser transmitidos por apenas um canal. Rodrigo, estudante de comunicação, discorda. "Nada disso, é melhor fazer a campanha na tevê do que emporcalhar a rua toda." "Será que hoje vai ter a sessão beijinho?", pergunta Nazir, querendo saber, antecipadamente, se Ciro vai aproveitar a aparição na telinha para demonstrar seu amor por Patricia Pillar. Ela também compara o penteado de Garotinho com o do cantor Ivon Cury. A empregada da família, Maria Lourdes Souza, também participa do debate. Ela já decidiu em quem votar e sabe de cor os nomes de candidatos ao Senado e à Câmara.

Colaboraram: Ines Garçoni, Juliana Vilas (SP), Liana Melo (RJ), Luiz Cláudio Cunha (DF), Neila Fontenele (CE), Weiller Diniz (DF)

Propositivo e emocional

ISTOÉ – O Lula vai continuar bem-comportado na tevê?
Duda Mendonça –
Lula vai falar de propostas todos os dias. Horário gratuito é o momento de apresentar propostas. Quem só bate perde e, em alguns casos, quem apanha também. A cada tema, ele vai mostrar seu time, aqueles que o ajudaram a montar o programa de governo. E não vamos abandonar a emoção.

ISTOÉ – O establishment ainda tem medo de Lula?
Duda –
Menos do que antes. As mudanças no PT começaram com a eleição direta de José Dirceu para a presidência do partido. Um homem da ala moderada. O PT hoje é governo em 188 municípios e seis capitais. O José Dirceu foi aos EUA conversar com investidores e o economista Guido Mantega foi para a Europa fazer o mesmo. Isso é uma demonstração de amadurecimento e capacidade de diálogo.

ISTOÉ – Quando se terá um cenário de segundo turno?
Duda –
O segundo turno começa no dia 1º de setembro. Com duas semanas de programa se define o que vai acontecer. Na campanha, além do desempenho do candidato, você tem o momento político. Ciro fica com quem já está e Lula agrega. Ficavam dizendo que Lula tinha um teto. Hoje está provado que Lula é sem teto (risos).

ISTOÉ – O Ciro preocupa?
Duda –
Ele subiu na hora certa. Se sobe um pouco antes, o PFL o apoiaria e ele teria nove minutos no horário eleitoral. Ele nunca passou do patamar da Roseana. E mais: enquanto Serra caía, ele subia. Serra se mantém, ele cai.

ISTOÉ – A imagem do Collor grudou nele?
Duda –
No começo da campanha, ele tinha as coisas qualificadas como boas de Collor: jovem, bonito, nordestino. De um tempo pra cá começou a agregar os defeitos do Collor, como a arrogância, assim como as pessoas que eram próximas do Collor. A briga com o jovem negro foi um estrago. (Na UnB, Ciro discutiu com o estudante baiano Rafael durante o debate: “Só porque ele é um negro lindo vai falar no microfone?” O incidente acabou provocando manifestações do movimento negro.)

ISTOÉ – Serra partiu para o ataque. Essa é a única saída para o tucano tentar subir nas pesquisas?
Duda –
Eles tomaram um tombo. Quem está perdendo por dois perde por cinco. O primeiro objetivo do PSDB é ganhar. O segundo é não deixar o Ciro ganhar.

ISTOÉ – Qual a diferença desta campanha?
Duda –
Ela é histórica. Há muita oscilação na briga pela segunda posição e é a mais eletrônica dos últimos anos. Além da propaganda, são três debates e várias entrevistas em horários nobres com os candidatos nas principais redes. Isso sem contar que há um interesse maior da população.

Ana Carvalho