06/09/2012 - 17:00
O pontificado do papa Inocêncio X (1574-1655), famoso pelo retrato que fez dele o pintor espanhol Diego Velásquez, foi marcado por reformas institucionais, oposição ao protestantismo e grande atenção às artes. No entanto, quem conduzia esses movimentos nos bastidores era uma mulher, Olímpia Maidalchini Phamphili. Cunhada do papa e extra oficialmente imposta por ele no Vaticano, Donna Olímpia era conhecida pelo tino para os negócios e pela esperteza política e, em decorrência disso, passou a cuidar das finanças e lidar com as autoridades na Santa Sé. Sua trajetória dentro da Igreja Católica foi “uma história embaraçosa”, como define a escritora americana Eleanor Herman na biografia “Senhora do Vaticano” (Objetiva), que descreve em minúcias a atuação da chamada “papisa secreta”.
Sua influência sobre Inocêncio X, que assumiu o poder com idade avançada (70 anos), iniciou-se na forma de confidente e logo passou a incomodar a sociedade romana: devido aos constantes encontros entre os dois e com a agravante de que Olímpia tornara-se viúva, suspeitava-se de uma relação amorosa entre eles. Nessas visitas sigilosas, ela utilizava uma passagem secreta existente nos jardins do Vaticano para que ninguém, nem mesmo o mordomo, notasse a sua presença. A autora, no entanto, contesta esse romance. Acredita que a “papisa” passasse o tempo colocando em ordem as finanças da Igreja.
AUSTERA
Olímpia Maidalchini reduziu as despesas do Vaticano: economia
nos salários dos religiosos e nos luxos gastronômicos
Entre os itens que entraram no saneamento das contas, Eleonor alinha atividades supérfluas, salários dos funcionários e até luxos gastronômicos. No plano político, ela assumiu a dianteira e era quem recebia os dignitários estrangeiros. Ou seja: ninguém chegava ao papa antes de se tratar com Donna Olímpia. A autora cita o depoimento do embaixador veneziano da época: “Ela sabe como satisfazer seus desejos com a autoridade de um ministro. Tem inteligência e espíritos masculinos, só se revela como mulher por meio de sua altivez e avareza.” Isso significava, na prática, que todo e qualquer visitante da autoridade mor da Igreja Católica deveria levar para ela um agrado – embora a maioria a odiasse. “Ela agarrou o poder com todas as forças e acabou dirigindo o Vaticano, a instituição mais antifeminina da história, transformando o próprio papa e muitos cardeais em suas marionetes”, conclui a autora.
Fotos: www.bridgemanart.com; TPG IMAGES/GRUPO KEYSTONE
Leia um trecho do primeioro capítulo do livro:
O Convento
Ó, não nasça mulher, se quiser fazer as coisas a seu modo.
— Lucrécia de Medici
No dia 26 de maio de 1591 , enquanto os gritos de sua esposa
cortavam o ar, Sforza Maidalchini esperava impacientemente
pelo nascimento de seu bebê. Tudo dependeria do sexo da
criança. Teria de ser um menino, de qualquer maneira.
Nascido por volta de 1560, Sforza era um homem de origem humilde
e sonhos grandiosos. Cresceu na cidade central italiana de Acquapendente,
nos Estados Papais, um território com cerca de 1,5 milhão de habitantes
situado no terço central da península italiana e governado pelo
papa como um monarca temporal secular. Olhando ao redor do mundo
da Itália do século XVI, Sforza percebeu o escancarado abismo entre ricos
e pobres, entre os que se banqueteavam e os que passavam fome. Riqueza,
posição, prestígio — eram as únicas coisas que importavam.
Quando jovem, o ambicioso Sforza obteve um emprego no departamento
de impostos de Viterbo, a capital da província. Sua tarefa era
avaliar a propriedade e a renda dos fazendeiros e criadores de gado nos
campos férteis além dos muros da cidade. Todos que eram alguém na
cidade possuíam propriedades fora dela, trazendo seus próprios vegetais
e sua própria carne em vez de comprá-los no mercado. O trabalho de
Sforza o colocou em contato com os homens mais ricos, poderosos e
bem-sucedidos da região — abastados latifundiários, políticos e mercadores
de Viterbo.
Embora em muitas cidades o coletor de impostos provavelmente
não fosse muito popular, Sforza tinha um talento especial para granjear
a amizade de pessoas influentes, de tornar-se encantador e indispensável.
Trabalhando incansavelmente, pouco a pouco subiu na hieraquia.
Juntou dinheiro e foi promovido no emprego. Ao longo dos anos, seu
prestígio aumentou na comunidade. Em 1590, recebeu o título honorário
de castelão da Civita Castellana, uma antiga fortaleza perto de
Viterbo, e foi colocado no comando da força militar nas cidades vizinhas
de Sutri e Capranica.
Seu prestígio crescia continuamente, e o plano ambicioso que traçara
para sua vida estava se desenrolando perfeitamente. Mas de que
adiantaria todo esse esforço se não tivesse um filho que pudesse carregar
seu legado no futuro? Somente um filho poderia fazer com que o
medío cre nome de Maidalchini ressoasse com grandeza através dos
séculos.
É verdade que Sforza já tinha um filho de sua falecida primeira
esposa. Nascido em 1581, Andrea era o foco das ambições dinásticas do
pai. Mas um filho não era o bastante para garantir a linhagem da família
em uma sociedade em que aproximadamente 50% das crianças morriam
jovens. Sforza sabia que deveria produzir um substituto para o
papel de herdeiro da futura grandeza da família.
E, para fazê-lo, o promissor viúvo teria de encontrar uma esposa
substituta.
Não precisou procurar muito. Seu patrão, Giulio Gualtieri, era um
nobre de Orvieto, um povoado vizinho, a quem o governo dos Estados
Papais, sediado em Roma, atribuíra o cargo de coletor de impostos da
província. Em reconhecimento ao trabalho duro, aos hábitos frugais e
às valiosas conexões de Sforza, Gualtieri lhe concedeu a mão de sua filha
Vittoria com um generoso dote.
Para sua grande alegria, Sforza agora estava casado com a filha de
um nobre e tinha no banco uma reconfortante pilha de dinheiro.