Helicópteros da polícia tcheca fazem vôos rápidos e rasantes sob o rio Vltava numa cena dramática de resgate de pessoas sendo levadas pela fúria das águas que inundaram a bela e medieval Prag a. Pequenos barcos com bombeiros navegam pelos monumentos medievais da Paris do Leste, como é conhecida a capital da República Tcheca, enquanto centenas de moradores se alinham em fila indiana passando sacos e mais sacos de areia para montar barreiras contra as inundações. Em terra firme, o ator escocês Sean Connery comove-se com o estado de calamidade da República Tcheca. “Acredito que o mundo não tem a exata dimensão desse desastre”, afirmou o ex-James Bond. Infelizmente, as cenas não fazem parte de mais um filme de aventuras do agente Bond, mas da pior inundação dos últimos 100 anos na Europa Central. Dez dias de chuvas torrenciais deixaram, além da República Tcheca, a Eslováquia, a Alemanha, a Rússia e a Áustria também em estado calamitoso, com mais de 88 mortos e com prejuízos que podem chegar a US$ 7 bilhões. O presidente tcheco Vaclav Havel pediu ajuda internacional para as vítimas das enchentes. Sean Connery, que está em Praga para filmar O clube dos cavaleiros singulares, uniu-se aos voluntários de uma organização humanitária para arrecadar fundos em favor dos flagelados, que já somam 4,3 milhões europeus.

Praga, com um 1,2 milhão de habitantes, que tem esse número populacional dobrado nas férias de verão, teve seus serviços de água e luz cortados. Bancos, hotéis e lojas ficaram submersos e o Centro Velho foi fechado. Em todo o país, cerca de 200 mil pessoas estão desabrigadas. Mais de 100 animais morreram no zôo da capital. O nível das águas do rio Vltava até a sexta-feira 16 não havia retornado ao leito, mas calcula-se que na República Tcheca os prejuízos cheguem a dois bilhões de euros. Para piorar a situação, em Nevatovice, a 20 quilômetros da capital, uma indústria química foi atingida, liberando o gás cloro, altamente tóxico.

Além de Praga, outra cidade histórica devastada foi Dresden, na Alemanha. A devastação já está sendo comparada àquela causada pelos bombardeios aliados ocorridos na Segunda Guerra Mundial. A Florença do Elba viu seu teatro de ópera Semper, um dos mais belos da Europa em estilo renascentista italiano, ser invadido pelas águas. O Palácio de Zwinger, que abriga uma das mais importantes galerias de arte da Europa, também foi inundado, e obras, como a belíssima Madonna Sistina, de Rafael, tiveram que ser guardadas na parte superior do museu. O rio Elba chegou a subir 8,90 metros – o nível mais alto desde 1845. Cerca de 30 mil pessoas estão desabrigadas em Dresden, mas esse índice pode aumentar se as águas não baixarem. Estima-se que elas possam atingir o porto de Hamburgo, no norte, e causar maiores estragos. O primeiro-ministro da Alemanha, Gehard Schröder, em visita à cidade de Grimma, anunciou uma verba de US$ 400 milhões, mas os danos podem chegar a US$ 1,9 bilhão.

A catástrofe européia, segundo a organização ambiental World Wild Life Fundation (WWF), deve-se a um conjunto de fatores. As planícies aluviais ao lado de grandes rios como o Danúbio vêm sendo ao longo dos últimos 50 anos destruídas pela construção de casas e estradas às margens dos rios, o que dificulta a drenagem das águas. Os rios também recebem maiores quantidades de lixo, principalmente das indústrias minerais. O meteorologista alemão Ernst Rauch também cita o fenômeno meteorológico anticiclone (região de alta pressão) VB, que se reproduz de dois a três anos nos Alpes. Esse anticiclone parte do Golfo de Gênes, passa pela Europa do Leste e segue para o Mediterrâneo, aumentando o grau de umidade e provocando fortes chuvas. Isso aconteceu em 1993, 1995, 1997 e 1999 na Alemanha e em parte da Polônia. Só que as perdas econômicas, segundo Rauch, multiplicaram-se sete vezes nos últimos anos. “Se continuar assim, o jeito é se preparar”, afirmou o meteorologista.