Desde que o mundo é mundo, o ser humano pensa e constrói conhecimento. Caso contrário, não se formariam as civilizações e o homem não teria nenhuma história para contar. Por que, então, “construir conhecimento” e “aprender a pensar” viraram base de campanha publicitária de tantas escolas? Os projetos pedagógicos de grande parte das particulares e até os parâmetros curriculares nacionais, criados pelo Ministério da Educação, têm, pelo menos ao fundo, os conceitos construtivistas. Mas, afinal, como saber se o filho está “aprendendo a pensar”? A idéia do aprendizado como construção foi lançada em 1936 pelo filósofo Jean Piaget (1896-1980). “Para ele, o conhecimento acontece quando a criança enfrenta um problema com gosto, interesse e condições de resolvê-lo”, esclarece Fernando Becker, professor de Psicologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, autor de Educação e construção do conhecimento (Ed. Artmed). É preciso, no entanto, estar atento ao modismo que também afeta as escolas. O professor adverte que há um certo desgaste na palavra construtivista.

Zélia Cavalcanti, diretora da Escola da Vila, uma das primeiras a adotar o construtivismo em São Paulo, lembra que a questão de como se adquire o saber já mobilizava os filósofos gregos. “Só que da teoria à pratica leva tempo. No Brasil, só no final dos anos 80 as idéias de Piaget e o método de Maria Montessori, que são a base de grande parte desses discursos, começaram a se popularizar”, explica ela. A diferença está no que a pessoa será capaz de produzir a partir do que aprendeu. “Uma pessoa pode saber ler, mas ser incapaz de interpretar um texto simples”, diz ela. Conhecimento, hoje, é o resultado das relações do que consta nos livros com o que a criança ouve, lê, escreve, vê na televisão. Na Escola da Vila, os alunos se iniciam na linguagem jornalística ainda na pré-escola, fazendo murais. Na 8ª série, produzem um livro, de poesia ou fábulas. “Eles estão aprendendo a escrever, mas também a entender o que se passa a sua volta”, assegura Zélia. Para as crianças, o “fazer” é motivador. “Eu adorei a produção do jornal. Entrevistei um professor e soube que ele já teve outras profissões antes de dar aulas”, conta a aluna Bruna Reis, dez anos.

Quem acha que é demais pedir aos pequenos que produzam um jornal pode ficar tranquilo. Emília Ferreiro, educadora argentina discípula de Piaget, dizia que o aprendizado começa muito antes da escola. “Sem ser alfabetizada, a criança já lê o mundo por meio dos logotipos, do reconhecimento das marcas”, confirma o professor Becker. Esse processo de decodificar o mundo pode ser estimulado cedo, desde que respeitadas as necessidades e limitações da idade. É o que observa Lucília Franzini, coordenadora do Grão de Chão, escola infantil sócio-construtivista de São Paulo. “Até seis anos, as crianças mudam muito e os interesses também. Temos que estar atentos para elaborar as aulas”, explica ela. A escola investe em atividades de experimentação, como a visita à Aldeia do Sol, sítio no interior de São Paulo, feita no ano passado. Os alunos visitaram uma aldeia indígena. “Eles ouviram palavras em tupi, dançaram e fizeram biju, alimento típico de mandioca. É uma experiência rica e valoriza o respeito ao diferente”, ressalta Lucília. A experimentação traz significados, o que é extremamente importante para o processo de aprendizagem, diz Nilson José Machado, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo: “Não basta acumular dados. É preciso articular, deduzir uma coisa de outra. O conhecimento é um entrelaçamento de significados.” Ele lembra ainda que a vida não é dividida em disciplinas. Atendendo a essa necessidade, surgiram os projetos multidisciplinares, que relacionam um tema a várias áreas do conhecimento. O Colégio Augusto Laranja, de São Paulo, por exemplo, usou no ano passado a conta de luz em várias aulas. “As crianças estudaram porcentagem e média, redigiram textos para a comunidade sobre como economizar e, em geografia, viram a localização das hidrelétricas”, explica a coordenadora Heloísa Benzi.

Auto-avaliacão – Essa preocupação de conquistar o aluno conduziu a professora Ana Maria Mastrangelo, 55 anos, que leciona há 30, a rever seu próprio processo de aprendizagem. “A mudança tem que partir do professor. É ele que deve aprender a pensar primeiro”, registra ela. Ana dá aulas de geografia no curso supletivo da Escola Municipal Doutor Pedro Aleixo, em São Paulo. Para ensinar cartografia, ela adotou um recurso bem à mão: o guia de ruas. “Achamos a casa de cada um, traçamos o caminho para a escola e estabelecemos a importância dos sinais utilizados”, explica. Ana agitava a aula. Fazia os alunos – a maioria adultos – sentarem no chão para fazer maquetes e plantas da sala de aula. “Percebi que a lição foi sendo composta na cabeça deles”, diz ela. Por causa dessa iniciativa, o metalúrgico Sílvio Souza da Silva, 21 anos, pôde aproveitar um programa de fim de semana. “Tinha de encontrar meus amigos num lugar que não conhecia. Lembrei da professora e pela primeira vez consultei o guia”, conta ele. Essa interação com a vida é ideal para o ensino. Ao relacionar o estudo em classe com o dia-a-dia, sua condição social ou a situação do País, o aluno está aprendendo a raciocinar, comparar, elaborar conceitos e argumentação, formar opiniões e criar critérios de avaliação. Ou seja, em vez de decorar conceitos, datas e fatos, está adquirindo habilidades que usará a vida toda. “É sobre elas que devemos aplicar o conteúdo formal”, aponta Elisa Parmejane, da Escola Monteiro Lobato, que se define como progressista humanista. Lá, as aventuras de Robin Hood serviram para estudar o sistema de classes num projeto integrado de história e português. Os alunos criaram um divertido jornal de época.

Há conhecimentos que não têm sentido social imediato, mas são indispensáveis à boa formação, como as equações ou expressões matemáticas. Elas servem para desenvolver o raciocínio lógico, aplicável em milhares de situações. Nem por isso, as escolas precisam ater-se ao convencional. Na Escola Dinâmica do Ensino Moderno (Edem), do Rio de Janeiro, os jogos substituem os exercícios repetitivos usados para fixar conceitos matemáticos. “Para ensinarmos fração, criamos jogos de equivalência e de memória” conta a professora Luiza Gatti Peralta. Para ela, é também importante valorizar as soluções encontradas pelos alunos. Mesmo assumindo não ser uma apaixonada por números, Camila Bevilaqua Afonso, dez anos, aprova o método. “Um dia, a professora passou um jogo, mas achamos que as regras eram chatas, então criamos outras. Foi bem divertido”, conta ela. Uma outra matéria que é vista como bicho-papão é a química e suas fórmulas. Não deveria ser assim, já que estamos a todo momento esbarrando em fenômenos químicos como a poluição, que resulta da queima de combustível, ou a coloração dos tecidos que vestem a maioria dos jovens. E essa foi a grande sacada do professor mineiro Alfredo Luís Mateus, do Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais, autor de Química na cabeça (Edit. UFMG). O livro traz dezenas de experiências feitas com elementos do dia-a-dia. “Com duas latas de refrigerante, por exemplo, estudamos massa e volume. Ao colocar os refrigerantes – um diet e outro não – num aquário, vemos que uma lata flutua e outra não, mesmo tendo o mesmo volume. A diferença está no açúcar, que pesa mais que o adoçante”, explica ele.

Com a disseminação dessas mudanças pedagógicas e na disputa pela clientela, as escolas fazem questão de mostrar-se atentas ao desenvolvimento do aluno. Mas como saber se elas estão cumprindo o que prometem? Observar o comportamento dos professores é essencial, aponta Marília Fonseca, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. A postura investigativa e curiosa tem que partir deles, que não podem se ater apenas ao currículo. Mas, e a criança? Ela está mesmo aprendendo a pensar? “Um bom indicador é a autonomia da criança para resolver conflitos e situações novas. Outro é a capacidade de relacionar fatos presentes e passados e de prever possíveis consequências de acontecimentos do seu cotidiano”, diz a professora de psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Anete Maria Busin Fernandes. O deputado estadual Chico Alencar (PT-RJ), mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas e co-autor do livro Educar na esperança em tempos de desencanto (Ed. Vozes), lembra que não abafar as potencialidades naturais já é um grande passo. “A escola tem que integrar conhecimentos e estimular a curiosidade e a alegria de entender o mundo que o jovem e a criança têm”, pontua. Afinal, a chave do aprendizado continua sendo o sabor de dominar o desconhecido.

Colaboraram Celina Côrtes (RJ), Eduardo Holanda (DF) e
Rodrigo Lopes (MG)

Classificações e pensadores do ensino

O que é …

CONSTRUTIVISMO – Teoria do filósofo Jean Piaget (1896-1980), diz que a criança entende o mundo por assimilação, ou seja, para compreender o novo ela se utiliza de conhecimentos que já possui. Cabe à escola propor atividades que a ajudem na ampliação desse conhecimento. Esse processo permite a formação de pessoas criativas, críticas, ativas e autônomas.

SÓCIO-CONSTRUTIVISTA – O russo Lev Vygotsky (1896-1934) desenvolveu a teoria que diz que o conhecimento é também adquirido a partir das relações interpessoais. O aluno não é apenas um sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende com o outro e com o que o seu grupo social produz.

PROGRESSISTA HUMANISTA – Deriva do construtivismo e trabalha
a criança visando a progressão do seu conhecimento. Parte do que
a criança já sabe, estimulando-a por meio de desafios para alcançar um patamar cognitivo mais elevado. Há grande valorização das relações intra e extra-escolares.

Quem é …

EMILIA FERREIRO – Aluna de Piaget, a psicóloga argentina, 65 anos, concluiu que a criança descobre as regras da língua escrita antes mesmo de ir à escola. Para a criança, a escrita é um processo de construção pessoal.

MARIA MONTESSORI (1870-1952) – Para a médica italiana, os estímulos externos tem grande peso na formação da criança e devem, portanto, ser orientados. A manipulação de objetos tem importância central em seu modelo.