Mais do que simplesmente desenvolver móveis e produtos de uso cotidiano, a decoração e o design dizem muito sobre o estilo de vida de um país. O Brasil se destaca pelo ineditismo e a capacidade de seus profissionais em transformar fibra de coco, palha e restos de tecido em matérias primas para móveis e objetos. Essa é uma das razões que levaram os editores da revista Interni, espécie de Bíblia da área na Itália, a dedicar a sua mais recente edição aos designers brasileiros. Responsável pela seleção dos profissionais citados na publicação, o jornalista Ricardo Bello Dias, um recifense que vive há dez anos em Milão, explica que a “criatividade exótica” do Brasil está em alta lá fora. “O ecletismo, as formas lúdicas e a reciclagem de materiais do nosso design são fascinantes”, diz.

Em seis meses de pesquisas, a Interni traçou um panorama da área do País. Ao lado das reportagens sobre os irmãos Humberto e Fernando Campana – os designers latino-americanos mais conhecidos no Exterior –, há textos sobre os arquitetos Isay Weinfeld e Marcio Kogan, a moda de Icarius e Carlos Miele e ainda homenagens a Burle Marx (1909-1994) e Claudio Bernardes (1949-2001). Jovens designers que realizam produtos de vanguarda e eventos como a Bienal de Artes Plásticas também mereceram destaque. Prova que a pluralidade de propostas e estilos é o nosso forte.

Vencedores do último Salão do Móvel de Milão, a mostra mais importante do gênero no mundo, os Campana representam bem essa identidade. Primeiros profissionais brasileiros a ganhar uma exposição individual no Metropolitan Museum of Art (MoMa), de Nova York, em 18 anos eles criaram alguns clássicos do design contemporâneo. Seu maior sucesso de vendas é a cadeira Vermelha, um intrigante emaranhado de 500 metros de corda, que chega a valer US$ 6,6 mil. Contratados pela movelaria italiana Edra, eles têm liberdade de criar objetos de acordo com seus sonhos. “Além de confortável e ergonômico, um objeto de design tem de transmitir emoção”, diz Humberto. Seu sofá Boa – que mereceu a capa da revista Interni – é um verdadeiro playground para adultos. Feito de espuma de poliuretano forrada com 90 metros de veludo de seda, abriga até oito pessoas, que podem se encaixar em seus gomos.

É justamente o caráter inusitado das criações brasileiras, com suas cores e ironia, que impressiona a crítica internacional. “É claro que só a cereja do bolo vai para as capas das revistas, mas são tantos profissionais produzindo que já é possível falar num renascimento dessa área no Brasil”, informa Bello Dias, da Interni. Na exposição Brasil faz design, em cartaz até o dia 25 no Museu Brasileiro de Escultura (MuBe), em São Paulo, tem-se uma boa amostra disso. Um dos destaques é a poltrona Artur, da baiana Christina Janstein, feita com câmaras de pneu. A Supernova, do paulista Pedro Santoro Franco, recicla um rebatedor de luz de fotógrafos e se adapta ao formato do corpo. Os chinelos Heavy Dirt e Light Dirt, da gaúcha Raquel Cavalli, foram confeccionados com feltro e pêlos de escova de limpeza.

Num mercado fechado para países sem tecnologia de ponta, os designers brasileiros se firmam pela criatividade. O estúdio Indio da Costa, do Rio de Janeiro, é famoso por dar novas formas a coisas que pararam no tempo – de canetas esferográficas a fogões de R$ 1,8 mil. Seus sócios, Guto Indio da Costa, Martin Birtel e Eduardo Azevedo, foram premiados na Alemanha pelos projetos de um abrigo de ônibus, um quiosque da praia de Copacabana e um ventilador de teto. Este último, chamado Spirit (R$ 189), é feito de plástico translúcido e tão bonito que lembra um relógio. “Nós o desenhamos sob encomenda para um fabricante de fitas cassete à beira da falência”, conta Guto. “Eles tinham máquinas enormes e praticamente ociosas. Fizemos um produto que pudesse ser fabricado nelas.”

Desenvolver produtos de acordo com a necessidade da indústria também foi a chave do sucesso de Fernando Jaeger, papa do mobiliário ecologicamente correto. Com duas lojas na capital paulista e uma no Rio, ele trabalha em parceria com fabricantes do interior de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Rondônia. Para ele, a maior recompensa é ver seus artigos irem para as casas de milhares de pessoas. Vende até três mil peças por mês e realiza projetos especiais como a luminária Bienal, feita de espaguete de PVC e utilizada na decoração no evento de artes paulistano. “Antigamente, dizia-se que no Brasil não havia design e que a gente só copiava os europeus”, aponta. “Hoje, somos conhecidos pelo uso de madeiras nativas e técnicas de artesanato. Construímos a nossa marca”, diz Jaeger. Os italianos sabiam bem o que estavam fazendo quando nos elegeram queridinhos do design.

A interferência da arquitetura

Impossível pensar o design dissociado da arquitetura. Uma obra em espaço público modifica a paisagem e por vezes gera polêmica. Em São Paulo, Paulo Mendes da Rocha, 74 anos, um dos maiores arquitetos do Brasil, enfrenta críticas por sua intervenção na marquise da praça do Patriarca (foto), uma construção do início do século XX. Ao retirar os pilares e grades que apoiavam a estrutura, ele elevou a cobertura e deixou a vista mais livre para quem utiliza a escadaria que leva ao Vale do Anhangabaú. Bolado por iniciativa da Associação Viva o Centro, o projeto teria escondido a fachada de uma igreja do século XVII. Mendes da Rocha nega. “Isso é o espanto da novidade. A igreja estava ali antes da marquise e todos aqueles arranha-céus em volta. Cada prédio do lugar é para ser visto por pessoas em movimento. Se for para a frente da igreja, o que fica coberto é o edifício Matarazzo”, diz. Mendes da Rocha é autor do MuBe e do Museu de Arte Contemporânea da USP. Reformou a Pinacoteca do Estado e avisa que quer estar presente quando precisarem fazer banquinhos para a estação orbital Mir. Sua obra é tema de um novo livro do urbanista espanhol Helio Piñon (Paulo Mendes da Rocha, Romano Guerra Editora, R$ 45).