Se uma novela não alcança a audiência esperada, a emissora tenta mudar os rumos da trama, inventa novos personagens, e, em último caso, tira o programa do ar antes da data prevista. Essa lógica do Ibope parece se aplicar também às eleições. Sobretudo se o enredo em questão envolve uma candidatura que inicia o horário eleitoral em terceiro lugar nas pesquisas com apenas 12% das intenções de voto. E a direção da Grande Aliança (PSDB-PMDB), que sustenta o presidenciável José Serra, sabe disso. Embora tucanos e peemedebistas não admitam oficialmente, se Serra não crescer nas pesquisas até o dia 10 de setembro, provando que pode chegar ao segundo turno, perde os apoios que ainda lhe restam. Nesse caso, a novela tucana sai de cena antes da data desejada pelo autor, o presidente Fernando Henrique Cardoso. Só o horário eleitoral, que começa na terça feira 20 no rádio e na televisão, é capaz de salvar o mocinho do Palácio do Planalto.

Na última semana, a agenda do protagonista governista teve poucos compromissos externos. Com sua equipe de publicidade, capitaneada por Nizan Guanaes, passou três dias trancado no estúdio, gravando programas que contam com a presença de grande elenco, incluindo, além do presidente da República, a atriz Solange Couto, a famosa Dona Jura de O clone — uma verdadeira novela de sucesso.

A situação de Serra “não é brinquedo não!” Muitos garantem que ele já está fora do segundo turno, que seria disputado entre Lula (PT) e Ciro (PPS). A falta de esperança em Serra já ultrapassou as fronteiras brasileiras. Reportagem da revista britânica The Economist aposta que a candidatura tucana “está por um fio”. De acordo com a publicação, Fernando Henrique talvez tenha escolhido o candidato errado, e o melhor seria ter apostado no ex-governador do Ceará Tasso Jereissati. Na última semana, o presidente convidou os quatro principais presidenciáveis para discutir os rumos do País – e o megaempréstimo do FMI –, em reuniões separadas. A atitude foi entendida como um sinal de que FHC não confia tanto assim na virada de seu candidato. Tanto que o jornal britânico Financial Times publicou: “…os encontros poderiam ser compreendidos como uma demonstração de pouca confiança em José Serra, o candidato governista que aparece no último lugar das pesquisas.”

Apesar de ser o preferido dos mercados financeiro e internacional, o péssimo desempenho do tucano nas pesquisas está afastando apoios e fazendo com que candidatos aos governos estaduais da Grande Aliança abram palanques para Ciro e Lula, sobretudo no Nordeste. Até mesmo entre candidatos tucanos o risco de debandada geral é cada vez maior. O governador do Ceará e candidato à reeleição, Tasso Jereissati, já abriu seu palanque para Ciro Gomes (leia quadro). Outro tucano, Aécio Neves, fortíssimo candidato ao governo de Minas Gerais, diz nutrir amizade e respeito por Ciro e garante que, caso ele ocupe o lugar de FHC no Planalto, “terá o total apoio de Minas para promover as mudanças necessárias ao País”.

A novela de Lula dá muito ibope, mas não preocupa tanto o elenco tucano. O problema mesmo é a trama de Ciro Gomes, que tem a atriz Patricia Pillar de heroína e até agora não sofreu queda de audiência. Assim, antes do início do horário eleitoral na tevê, os ataques tucanos chegaram pela internet. Jingles ironizando Ciro foram disponibilizados no portal de Serra. A primeira paródia, intitulada de “Você mente demais”, foi ao ar na quarta-feira 14 e diz: “…você manda qualquer uma/você diz que é o tal, baluarte da moral, mas você não tem nenhuma…” No dia seguinte, surge outra, em ritmo de ciranda: “se irrita facilmente, nervosinho esse rapaz, quando dizem que ele mente, se irrita muito mais/xinga a gente destemperadamente…” No mesmo dia, o prefeito de Vitória (ES) e coordenador do programa de governo de Serra, Luiz Paulo Vellozo Lucas, representante da ala mais à esquerda do PSDB, atirou para todos os lados. “Serra sempre fez oposição a essa base de sustentação e às políticas neoliberais defendidas por eles”, referindo-se aos ex-aliados de FHC que hoje apóiam Ciro – ACM e cia. – e Lula. Vellozo criticou também as atitudes nada leais de Tasso e do presidente da Petrobras, Francisco Gros, que, nos bastidores, pede votos para o candidato do PPS.

Os tucanos juram, porém, que ataques – virtuais ou verbais – não são os únicos artifícios dos quais pretendem lançar mão. Pimenta da Veiga, outro coordenador da campanha de Serra, garante que o programa eleitoral será propositivo e não terá baixarias. O presidente do partido, deputado José Aníbal (SP) endossa, mas avisa: “Não vamos deixar de responder aos ataques.” Pelas declarações de José Serra nos poucos eventos externos em que compareceu na última semana, deu para prever os próximos capítulos. Ele evitou falar de adversários e mostrou que vai dizer, insistentemente, que suas prioridades são emprego e segurança – como Lula vem fazendo. De repente funciona. Para o sociólogo Francisco José Toledo, diretor da Toledo & Associados, “as pessoas não escolhem partidos, estão dispostas a votar em quem pode melhorar a vida delas. O brasileiro quer trabalho, saúde e segurança”. No horário eleitoral, Serra deve ainda “sair do muro” e demonstrar que é, sim, o candidato do governo. Um dos motivos apontados pelos especialistas para explicar o fraco desempenho dele é justamente esse dilema. O ex-ministro da Saúde diz: “Sou o candidato da mudança”, para no momento seguinte se corrigir, ressaltando as maravilhas dos oito anos do governo FHC. “Ele não está posicionado, não é governo nem pode ser crítico. Isso soa artificial e o eleitor fica sem referência. Se continuar negando seu DNA, terá dificuldades”, analisa Rubens Figueiredo, cientista político e diretor do Centro de Pesquisas, Análises e Comunicação (Cepac). Outra providência é tentar nacionalizar a imagem de Serra, muito atrelada a São Paulo. Isso neutralizaria o déficit de palanques no Norte e Nordeste. Nos programas, devem ser ressaltadas as realizações do Ministério da Saúde nessas regiões do País.

Voto volátil – Enquanto a novela de Serra continua, os tucanos se esforçam para manter o otimismo e provar que não há certezas dois meses antes da eleição. Para a cientista política Maria Dalva Kinzo, o pleito deste ano é bastante imprevisível e Serra ainda tem chances de ir para o segundo turno. “O eleitor, principalmente de baixa escolaridade, ainda não está envolvido com a eleição. As pesquisas são momentâneas e há muitos institutos fazendo aferições. Além disso, o voto é volátil.” Na quinta-feira 15, Serra visitou a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) em São Paulo. Chegou atrasado, mas foi recebido com muito entusiasmo. Ficou óbvio que ele é o “queridinho” do mercado financeiro. Depois de fazer um discurso – que iniciou ressaltando a necessidade de gerar empregos no Brasil –, o tucano passeou pelo pregão. Foi cercado por um empolgado grupo de operadores, que gritavam: “Serra, Serra!” Com os dedos em forma de “V da vitória”, posou para fotos abraçando funcionários, brincou com os telefones e ainda ganhou um beijo na careca. No almoço oferecido em seguida, era só sorrisos.

O evento “Mulheres que fazem a diferença”, promovido pela ala feminina do PSDB na segunda-feira 12, no Clube Pinheiros, em São Paulo, também foi recheado de sorrisos, embora amarelos. Antes do show de Elba Ramalho, a platéia formada por cerca de duas mil pessoas ouviu os discursos enquanto devorava cachorros-quentes, pipocas e refrigerantes. A primeira a assumir o microfone foi dona Wilma, viúva do ministro Sérgio Motta. Ao descer do palco comentou, tentando se entusiasmar: “Agora vai.” Entre os convidados ilustres, estavam atrizes, como Tônia Carrero e Ruth Escobar, e a badalada novelista Glória Perez. No palco, a primeira-dama Ruth Cardoso foi surpreendida por um convite de Serra para ser ministra de alguma área social, caso ele se eleja. A mulher de FHC, sem graça, desconversou: “Eu disse que queria ser ministra da Fazenda.” Outra presença marcante foi a da vice Rita Camata, que fez o discurso mais longo e emocionado. Nos bastidores, comentou, eufórica: “Com a força dessas mulheres nós vamos virar esse jogo.” Empenho, muito empenho para manter a novela tucana no ar.

O jogo de Tasso Scolari

O jogo da noite de quarta-feira 21 entre Brasil e Paraguai, em Fortaleza, para comemorar o pentacampeonato, será uma festa familiar. No campo, a família Scolari e o grande paizão Luiz Felipe. Na tribuna de honra do estádio Castelão, a família Ciro Gomes e o paizão Tasso Jereissati – o felipão da política local –, que prometem ganhar os principais cargos em disputa no Ceará na eleição de outubro. É na arena cearense que se encena o maior espetáculo de traição explícita da sucessão: governador tucano, Tasso não apóia o candidato do PSDB, José Serra. Quando discursa aos cearenses nos palanques do interior, pede abertamente votos para Ciro. Mas, quando fala à imprensa nacional ou aos tucanos mais bicudos de Brasília, exibe a plumagem do diplomata: “Sou um homem de partido. E voto em Serra”, diz, com o talento de quem joga a bola nas costas da própria defesa. Na tabelinha ensaiada do Castelão, será a primeira vez que Ciro, a criatura, e Tasso, o criador, vão aparecer juntos num ato público, escancarando para o País a aliança branca que têm no Estado.

Já Felipão terá a chance de cumprimentar, pela primeira vez, o candidato a quem declarou seu voto: Ciro, que vai a campo escoltado pelas duas Patricias: Pillar, a atual mulher, e Gomes, a ex, candidata ao Senado. Ela só perde para o fenômeno Tasso, que bate na trave dos 75% da preferência eleitoral no último Ibope. Mas como são duas vagas, não há disputa entre eles. Na sombra de tanto bamba de voto está o senador Lúcio Alcântara, escalado por Tasso para disputar sua sucessão e preservar o poder que o grupo mantém desde 1986. No Ibope do início de agosto, Lúcio dava uma goleada de 45% contra 11% do senador Sérgio Machado, um ex-tucano agora aninhado no PMDB. “Eu não sou craque”, esquiva-se Lúcio, escondendo o jogo, mas animado com a chance de manter o título, depois das vitórias de Tasso (86), Ciro (90) e Tasso (94 e 98): “Ganhando o governo, agora, vamos ser penta também. E sem intervalo.” Nos últimos 14 anos, o time de Tasso perdeu todas as eleições em Fortaleza. Mas, desta vez, as pesquisas indicam um virtual equilíbrio na área rural e uma surpreendente goleada na região metropolitana, onde Lúcio surra Sérgio por 55% a 6%.

Por tudo isso, a oposição está perplexa, sem entender tanta rejeição no seu reduto histórico, Fortaleza. “A pesquisa mostra que 76% não sabem em quem votar e 58% não conhecem os candidatos”, lembra o ex-deputado Paulo Lustosa, que tenta uma vaga ao Senado pelo PMDB, mas patina em 9%. Ciro pode dar uma sobrevida a esse time. Na semana passada, o prefeito de Assaré, Benjamin Oliveira, o amigo mais próximo de Sérgio Machado, acabou se bandeando. “Não vou ficar sozinho, numa cidade pequena e pobre, contra o senador, o governador e o presidente do Ceará”, explicou. Até o deputado federal Eunício de Oliveira, tesoureiro da Executiva Nacional do PMDB, já aparece pedindo voto abertamente para Ciro: “Eu preciso me salvar. O Serra já morreu”, admite Eunício aos amigos. A cautela contamina o próprio Serra. Ele visitou o Piauí e o Rio Grande do Norte, ali ao lado, e teve o cuidado de não pisar no Ceará, onde tem apenas 3% dos votos – contra 24% de Lula e 59% de Ciro. Isso quer dizer que, se Serra cometer a imprudência de aparecer no estádio, na festa desta quarta-feira, corre o risco de ser vaiado como um paraguaio. E vaia em estádio, diria Felipão, é mais perigoso do que amarrar cachorro com linguiça.

Luiz Cláudio Cunha, de Fortaleza