O acordo amarrado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) caiu como uma bomba no colo dos candidatos à Presidência da República, principalmente depois que o presidente Fernando Henrique Cardoso convocou ao Planalto Lula (PT), Ciro (PPS), Serra (PSDB) e Garotinho (PSB) para obter o aval deles aos termos de uma negociação que não sabem ao certo qual o custo para o País e para o futuro presidente em 2003. Os candidatos caíram no canto da sereia, estrategicamente montado por FHC. Se tivessem corrido da conversa com o presidente seriam intransigentes e poderiam comprometer o País, implodindo o mercado. Nesse caso, o acordo com o FMI poderia “pegar”. Se aceitarem simplesmente dividir o ônus da crise com FHC e avalizarem as negociações, o acordo poderá “comê-los” e o pretexto é o não fechamento das contas em 2003 sem o reforço de US$ 24 bilhões.
Este é um dos momentos mais delicados da campanha que esquenta por conta da crise generalizada e dos ataques entre os candidatos, antes mesmo de entrar em cena o horário eleitoral, na terça-feira 20. À exceção de Serra, que apóia o acordo, mas não queria que FHC saísse na foto ao lado de seus adversários, os outros três não estavam dispostos ao desgaste de arcar com o custo da crise ao ter que se posicionar sobre o acordo já, até agora uma verdadeira caixa-preta. Um outro incômodo dos candidatos, e esse não exclui Serra, é ter o ônus de dividir responsabilidades sobre o fracasso da política econômica do governo ao final de oito anos de poder.

Fernando Henrique desmente que o encontro seja uma “passada de bola” para o próximo que ocupará a principal cadeira do Planalto ou uma manobra para não naufragar sozinho na tormenta econômica. Mas faz cobranças públicas “à responsabilidade patriótica” dos candidatos: “Isso acontece porque o leme vai mudar de mão. Estou pedindo às mãos que eventualmente terão que segurar o leme que comecem a sentir a responsabilidade e o peso de ter o leme de um país na mão.” E não parou aí a pressão palaciana. FHC encostou os candidatos contra a parede ao cobrar deles que se posicionem publicamente e sem dubiedade se vão rezar ou não pela cartilha do Fundo, honrando e respeitando os acordos até o fim de seus governos. “Se estiverem de acordo, digam. Se não, digam também, e por quê. Se quiserem recusar o acordo com o FMI e fazer diferente, tudo bem, mas assumam suas responsabilidades. Podem, no ano que vem, encontrar outros caminhos, mas que sejam responsáveis”, advertiu FHC. O governo tem pressa para arrancar o apoio. No dia 26 de setembro está prevista a assinatura do acordo, e a demonstração de entendimento interno entre os partidos que disputam a sucessão de FHC seria uma das exigências. Isso sem contar que ele quer editar uma MP, impedindo a redução da alíquota do IR para pessoa física de 27,5% para 25%.

Se a iniciativa de FHC tem como objetivo acalmar o mercado, o ceticismo internacional era geral às vésperas do encontro. Analistas europeus afirmaram que tanto o governo quanto os candidatos têm pouco a fazer porque a aversão ao risco de investimentos abaixo da linha do Equador aumentou. Segundo o brazilianista britânico Kenneth Robert Maxwell, em entrevista a Folha de S. Paulo, o acordo com o FMI só adia o colapso da economia brasileira por alguns meses. “A consequência mais preocupante é que, a partir de agora, os riscos serão maiores para o Brasil e para o FMI, porque, quando vier a quebra será muito maior”, afirma Maxwell.

A pressão do Planalto corresponde à resistência dos presidenciáveis de fechar questão. Eles querem uma ação do governo mais ativa para tirar o País do olho do furacão e entrar em uma rota menos perigosa e submissa ao vendaval internacional rumo a um mínimo de aquecimento da economia. O osso mais duro a ser roído é o candidato da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB), Ciro Gomes. Ele é quem mais assusta o mercado devido ao seu temperamento irascível e por ser visto como uma incógnita. Chegou aos ouvidos dos assessores econômicos de Ciro que o encontro marcado por FHC servirá para três coisas: cobrar uma posição favorável dos candidatos à independência do Banco Central; respeito aos compromissos do acordo, como o superávit de 3,75%, e, por fim, que revelem os principais interlocutores de suas equipes econômicas. O candidato adiantou que pretende rever o acordo com o FMI e já se posicionou contra a proposta de uma minirreforma tributária, defendida por FHC e apoiada por Lula. O acordo tem que ser acompanhado de mudanças na política econômica, ressalta Mauro Benevides Filho, assessor econômico de Ciro. O superávit primário terá de ser revisto. Segundo Benevides, o País não conseguiria pagar sequer os juros da dívida.

Ciro tem dito em várias reuniões com empresários e banqueiros que “não será domesticado pelo mercado”. Num jantar na casa do dono do grupo Vicunha, Ricardo Steinbruch, com mais de 30 poderosos do PIB brasileiro, Ciro explodiu diante da pressão dos presentes de qual seria a fórmula para acalmar o mercado: “O mercado que se lixe. O que eu tenho para fazer está no meu plano, no meu site.” O candidato não se acalmou nem mesmo diante dos apelos da mulher, Patrícia Pillar, que pedia ao marido: “Ouve, ouve!” Mas Ciro só deu atenção aos apelos quando a imprensa publicou a reação dos convivas de Steinbruch. Na quinta-feira 15, divulgou nota oficial dizendo que a imprensa tirou a frase “o mercado que se lixe” do contexto. Horas antes do jantar, que foi organizado pelo deputado Emerson Kapaz (PPS), Ciro já dava sinais de que endureceria o jogo polarizando com o candidato do PT sobre as pressões dos banqueiros nacionais e internacionais. “É tentativa de domesticação e comigo não funciona. Vão domesticar o Lula, que já está bem entreguezinho.” O PT não deixou por menos. O presidente do partido, deputado José Dirceu, partiu para o contra-ataque: “Descobri que Ciro tem uma tendência incontrolável para mentir. Olhei no dicionário e essa doença se chama parontologia fantástica. Ciro precisa de um divã, de um médico.” E Lula emendou: “Tem gente que faz um esforço imenso para parecer oposição. Ciro Gomes é jaboticaba do mesmo pé, com o mesmo DNA do governo.”

Se a intenção de FHC é ouvir de Lula um apoio explícito ao acordo com o FMI, deverá sair do encontro frustrado. O petista aceitou o convite do presidente decidido a apresentar um microprograma de curtíssimo prazo para amenizar a crise financeira. O comando da campanha de Lula passou o fim de semana reunido em São Paulo para detalhar a proposta. Até a sexta-feira 16, a idéia era evitar assuntos grandiosos como Alca ou mesmo novos acordos com o FMI e se limitar a projetos factíveis, como uma microrreforma tributária que possa desonerar as exportações imediatamente. Na quinta-feira 15, Lula afirmou que a proposta só não foi aprovada há dois anos porque o governo não quis. “Essa proposta está pronta no Congresso e acordada por todos os políticos. O governo é que não quis votar. Ela desonera a produção, as exportações e reduz o efeito cascata do PIS e do Cofins. Se quiserem, o PT vai estar lá”, adiantou o candidato, que participou, quinta-feira, de um comício da governadora Benedita da Silva no Rio.

A construção da imagem de um candidato moderado foi reforçada na manhã do mesmo dia. Lula começou o dia reunindo-se com Eliezer Batista, uma das maiores autoridades em política de desenvolvimento estratégico do País, um consultor frequente de FHC e do empresariado nacional. O encontro, a portas fechadas na sede da Brasif, no Leblon, durou três horas. O político com ligações mais próximas com a Brasif é o presidente do PFL, Jorge Bornhausen. Foi Lula quem convidou o ex-ministro e ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce para o encontro, interessado em ouvir Eliezer e em reforçar a idéia de aproximação com o empresariado. “Lula saiu do encontro maravilhado”, admitiu um líder petista. O encontro com Eliezer coroa o périplo de Lula pela elite, atacada, como sempre, por ele no discurso inflamado que fez no comício de Benedita.

O candidato do PSB, Anthony Garotinho, depois de muito atacar a ida do governo ao FMI para sair da crise, acabou admitindo a possibilidade de um governo seu ter que sentar para conversar com o Fundo. No entanto, defende uma mudança radical na forma de negociação, levando em consideração a soberania nacional. “Não estamos pregando nenhum tipo de calote, mas o governo está negociando mal. O governo FHC foi péssimo negociador.” Para Garotinho, o modelo econômico de FHC “transformou o País em uma periferia do capital internacional”. O canto sedutor de FHC já é conhecido da oposição. Nas duas administrações, Lula, Garotinho e Ciro já se encontraram com ele em dois momentos diferentes cada um. Normalmente, os convites ocorrem quando seu governo está fazendo água. Agora, FHC entoa o seu último canto para dividir o ônus de uma das mais graves crises e não morrer na praia sozinho.

Colaborou Liana Melo