Para poupar os aterros sanitários já saturados e implantar a coleta seletiva, a Prefeitura de São Paulo distribuiu os primeiros carnês para a cobrança do lixo. Foi a única no País a taxar sua população. Por mais polêmica que seja, a medida é urgente. O lixo produzido diariamente na cidade encheria seis estádios do Pacaembu. Apenas 0,03% dessa montanha é reciclado e uma parcela ínfima dos paulistanos separa o lixo em casa, o que coloca a capital entre as cidades que menos recicla no Brasil, proporcionalmente. A coleta seletiva começou e parou na gestão da hoje deputada federal Luiza Erundina (1988-1992). Nos oito anos seguintes, a prefeitura não investiu um centavo e as poucas iniciativas partiram de empresas privadas.

Os lixões da cidade mostram sinais de esgotamento e o paulistano vai sentir no bolso o quanto é importante reduzir a produção de lixo e aderir à reciclagem. Pela nova medida da prefeita Marta Suplicy, quem produz mais lixo paga mais. Ganha quem limitar o acúmulo de resíduos em casa. O designer gráfico Huan Gomes e a jornalista Greice Costa fazem parte desse pequeno grupo. Há dois anos, eles colocaram três lixeiras na cozinha do apartamento onde moram, no bairro de Pinheiros. “Elas medem o nosso consumo. Sabemos pelas embalagens o que comemos e o que devemos mudar”, explica Huan. Mais do que separar materiais em lixeiras diferentes, o casal evita comprar produtos com mais de uma embalagem. “Escolhemos marcas que não tenham bandejas de isopor e plástico, por exemplo. A idéia é produzir cada vez menos lixo.”

Se em São Paulo o sistema só entra em funcionamento agora, em algumas cidades, como Porto Alegre e Curitiba, selecionar o lixo em casa é um serviço disponível para 100% da população. Apenas 192 cidades têm programas implantados – em 1994, eram só 81. O Brasil é campeão mundial em reaproveitamento de latas de alumínio não por consciência ambiental, mas porque a atividade virou fonte de renda. Com o apoio de prefeituras, empresas e ONGs, os catadores formam cooperativas para recolher e separar
os resíduos. Algumas iniciativas, como a do Centro Ambiental da Vila Pinto, em Porto Alegre, dão o exemplo. A reciclagem movimenta cerca
de R$ 4 bilhões ao ano, gera 500 mil empregos diretos e exige o mínimo de investimentos. No Brasil, é um mercado que cresce, em média, 25% ao ano, ainda bem longe do que poderia avançar. Apenas 6%
do lixo sólido produzido no País retorna à indústria na forma de matéria-prima. O entrave está na deficiente coleta seletiva, que depende
da população e das prefeituras.

“O índice nacional poderia ser bem maior, se não tivesse tanto lixo orgânico misturado com resíduos secos”, explica André Vilhena, diretor do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), que há mais de dez anos centraliza estatísticas do setor. Até mesmo o casal paulistano Huan e Greice tem dúvidas sobre como separar seu lixo. “Nunca sei se tampa de iogurte deve ir para o cesto de metais ou se preciso lavar as embalagens antes de jogá-las”, comenta Greice. A carioca Pólita Gonçalves, especialista em reciclagem, é taxativa: “Precisamos investir em educação ambiental com campanhas coerentes, em vez de folhetos pontuais.” Implantar programas de coleta seletiva – cerca de cinco vezes mais cara do que a tradicional – e ainda promover campanhas de conscientização requer investimentos.

Por essas e outras, o ex-deputado federal Emerson Kapaz (PPS-SP) elaborou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, espécie de cartilha da reciclagem que prevê, entre outras coisas, a criação de um fundo federal de apoio às prefeituras e isenção de impostos a empresas que patrocinarem iniciativas. “Sem uma política nacional, cada Estado faz o projeto que quiser, se fizer”, explica Kapaz. Foi criada uma comissão especial na Câmara para discutir o projeto. Com a mudança de legislatura, a comissão foi dissolvida. Resta aguardar a boa vontade dos novos parlamentares para desengavetar o projeto.

Enquanto o poder público não colabora, a indústria da reciclagem trabalha com capacidade ociosa. O ideal é que todos saiam ganhando nessa ciranda: o meio ambiente, os catadores, as indústrias, que economizam energia, as prefeituras e a população. Uma única latinha de alumínio reciclada economiza energia para manter uma tevê ligada por três horas. Sem contar os artistas plásticos e eco-designers, que produzem charmosos objetos de arte com matéria-prima reaproveitada.

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O Brasil lidera o reaproveitamento de latas de alumínio com 85% de latas recuperadas. Em 2002, os Estados Unidos recuperaram 55% das latas que produziram; o Japão, 81%; e a Argentina, 50%. Nos demais materiais, porém, o Brasil está aquém da maioria. Os melhores exemplos são os Estados Unidos – onde quem joga lixo no chão é multado – e o Japão. O índice de reciclagem do vidro na Alemanha chega a 70% e na Suíça, 88%. Além disso, na Europa, 40% das embalagens de refrigerantes são feitas de material reciclado. Mesmo a passos lentos, o Brasil se destaca no cenário mundial da reciclagem de resíduos sólidos. Afinal, foi no País do
“jeitinho” que alguém transformou resto de açúcar em cachaça
e cinzas em sabão. Potencial há de sobra, mas os brasileiros precisam saber disso. E colaborar.

Um mundo de oportunidades Uma pesquisa da ONG Lixo.Consulting e da Fundação Cide traçou o perfil do catador brasileiro: mais de 70% deles não têm outra fonte de renda e recebe ao mês R$ 192, em média. A maioria (57%) é casada, trabalha com lixo há mais de cinco anos e não completou o ensino médio. Boa parte trabalha em regime de cooperativa, como o Centro Ambiental da Vila Pinto, na periferia de Porto Alegre (RS). A associação é comandada pela líder comunitária Marli Medeiros, que tira do lixo o sustento para manter sua família. Falante e articulada, ela conseguiu o terreno com a prefeitura e as máquinas com empresas da região. Sua associação, que funciona em tempo integral, separa e prensa 12 toneladas de lixo ao dia. São 120 pessoas do bairro trabalhando em três turnos e ganhando, em média, um salário mínimo por mês. A associação tornou-se auto-sustentável e já comprou sítio, caminhão, uma Kombi e um catador de lixo motorizado. “Se der oportunidade, as pessoas desenvolvem seu potencial
e caminham sozinhas”, diz Marli. Em 2000, ela apresentou seu galpãode triagem na feira de Hannover, como um dos 600 projetos mais inovadores do mundo. Na bagagem, trouxe o contato de empresários chineses que se interessaram pela idéia e enviaram recursos para construir um cinema comunitário no bairro. “O Brasil está no Terceiro Mundo porque ainda não descobriu o mercado do lixo, que é aberto e promissor”, aposta.

 


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