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DESFALQUE NO ERÁRIO
O ministro Joaquim Barbosa durante o julgamento: a apropriação
dos valores pela DNA consistiu em crime de peculato

O julgamento do mensalão confirmou na semana passada a tese de que o esquema montado pelo empresário Marcos Valério para atender aos interesses do PT desviou pelo menos R$ 73 milhões do Banco do Brasil. A conclusão, anunciada numa surpreendente convergência entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e revisor do caso, elucida uma das maiores dúvidas que ainda rondavam esse processo e comprovam que as transações ilícitas cometidas pelos mensaleiros incluíram recursos públicos. Os ministros afirmam que perícias e laudos que constam nas mais de 50 mil páginas da ação penal não deixam dúvidas de que o então diretor de marketing do banco, Henrique Pizzolato, recebeu R$ 336 mil para autorizar pagamentos antecipados à DNA Propaganda. A agência pertencente ao empresário embolsou recursos do fundo Visanet, cujo principal acionista é o BB, com cerca de 32% dos recursos. “As provas mostram que os recursos que alimentavam esses contratos saíram, sim, do banco”, resumiu Lewandowski.A descrição sobre o caminho percorrido pelo dinheiro é a narrativa de uma sequência de contravenções montada por quem tinha influência e poder no governo Lula. Segundo os dois ministros, Pizzolato antecipou repasses milionários e aceitou documentos fraudados para justificar a apropriação indébita de recursos do fundo pela DNA. De acordo com os laudos periciais, a empresa de Marcos Valério se apropriou também de pelo menos R$ 2,9 milhões que deveriam ter sido repassados ao Banco do Brasil. O empresário declarou esses recursos como uma gratificação concedida a agências de publicidade pela veiculação de propagandas. “Todas as cobranças dos bônus deveriam ter sido restituídas ao Banco do Brasil por força contratual”, afirmou Joaquim Barbosa. “A apropriação dos valores pela DNA consistiu, portanto, crime de peculato.”

A ousadia da quadrilha do mensalão para maquiar o desvio do dinheiro do BB incluiu também a falsificação de notas fiscais. De acordo com o revisor da ação, foram mais de 80 mil notas fraudadas, em uma tentativa deliberada de dar aparência lícita aos recursos. “Marcos Valério apropriou-se de dinheiro público em conluio com Henrique Pizzolato para se locupletar de valores pertencentes ao Banco do Brasil por meio de notas fiscais fraudadas”, concluiu o revisor. Os argumentos de Lewandowski foram um desalento para advogados dos réus, que esperavam dele decisões mais benevolentes. O próprio ministro admitiu que sua ideia inicial era absolver o ex-diretor do BB do crime de peculato. Mas, na véspera, ele decidiu revisar seu voto ao perceber que as provas apresentadas pela acusação mostravam claramente que ele valeu-se do cargo para receber vantagens.

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PARCEIROS?
Ricardo Lewandowski (à esq.) na cola de Joaquim Barbosa:
surpreendente convergência no julgamento

Com o voto do revisor, já são dois os ministros que condenaram o ex-diretor de marketing pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Além dele, Marcos Valério e os sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach também foram condenados pelos ministros por corrupção ativa e peculato. Até o momento, relator e revisor discordaram apenas sobre os crimes cometidos pelo deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), acusado pelo Ministério Público de corrupção passiva, peculato duplo e lavagem de dinheiro. Barbosa acatou a denúncia integralmente, enquanto o revisor votou pela absolvição do parlamentar e insistiu em que não há provas de que o petista se beneficiou diretamente do esquema ou que os serviços de publicidade contratados pela Câmara dos Deputados quando ele era presidente não foram prestados.

Apesar do alinhamento dos votos dos dois ministros sobre a apropriação indevida de recursos públicos pelo núcleo operacional do mensalão, as 14 sessões realizadas até agora pelo Supremo já deixaram claro que as divergências ao longo do julgamento não serão poucas. Na quinta-feira 23, Lewandowski se irritou com a interpretação feita pelo presidente Carlos Ayres Britto, dando ao relator o direito de comentar seus votos por meio de réplicas. Para ele, Britto começou a interpretar o regimento interno de forma a supervalorizar o papel de Barbosa e tem atendido a todos os pedidos do relator. Depois da sessão, dois ministros conversaram com o revisor e apoiaram sua reação. Um deles chegou a dizer que o mensalão, além de mudar a rotina do Supremo, começou a influenciar também as regras de procedimentos da corte.

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Diante de um ambiente tenso e das diferenças expostas, um dos poucos consensos entre os ministros é que, confirmado o desvio de dinheiro público, a recuperação dos valores dependerá de uma nova etapa de ações na Justiça. A ideia de alguns integrantes da corte é encaminhar a órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União, pedido para que recuperem os recursos públicos apropriados indevidamente pelos mensaleiros. Não será uma tarefa fácil, tendo em vista que menos de 20% do que escoa pelo ralo da corrupção retorna ao erário.

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