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Preste bem atenção na foto. O distinto cidadão com jeito de banhista veterano trajando sunga discreta e escura na verdade está nu. Trata-se do cozinheiro Esteban Ejarque, um sujeito de 67 anos de idade que desde muito novo descobriu que tanto as leis da região da Catalunha onde vive quanto a legislação federal espanhola não registram nenhuma restrição à ideia de um cidadão de bem circular pelos logradouros públicos nu em pelo.

Naturista de longa data, Esteban passou a perambular pelas famosas ramblas de Barcelona portando apenas um saquinho com, pedindo desculpas pelo trocadilho involuntário, seu documento. Leva também na mesma bolsa, além de um sanduíche, água e cigarros, uma cópia xerox do texto que deixa claro que não é ilegal andar pelado na Espanha. Os mais de 225 mil turistas que passam pelos 2 quilômetros da passarela de pedestres mais famosa da Europa, já estavam bastante acostumados com as 21 tatuagens (incluindo o escudo do Barcelona, seu time do coração) e com a visão do avantajado membro do cozinheiro balançando ao vento. Para amenizar eventuais choques, Esteban cuidou de tatuar em volta da cintura, nas nádegas e púbis a mancha negra que imita o tecido de sua sunga virtual. E assim vivia feliz para lá e para cá, sem que ninguém o importunasse. Mas a casa caiu para o peladão de Barcelona.

Assim reporta o jornalista Daniel Setti, que, depois de razoável esforço, achou Esteban e conversou com ele para um perfil na edição da “trip” de setembro, que abordará o pênis e todos os seus significados: “Em 29 de abril de 2011, o PSC (Partido dos Socialistas da Catalunha), formação centro-esquerdista até então tolerante aos pelados metropolitanos, pactuou com a outra força política local, o partido mais conservador CiU (Convergência e União), na criação de lei que os penalizasse com multa de 120 a 500 euros. Nudismo ou seminudismo (calção, biquíni, etc.), a partir de então, só seriam permitidos nas praias ou piscinas, onde ainda é algo totalmente normal – lembre-se que a relação dos europeus, sobretudo a dos mediterrâneos, com a nudez é bastante bem resolvida. Com a proibição, Esteban voltou a vestir-se em período integral. Desde então, é um homem invisível. Ou seja, tornou-se irreconhecível quando vestido até para quem o conhece há anos.

A anedota faz da saga de Esteban um prato cheio para teóricos da guinada não apenas espanhola, mas europeia ao conservadorismo, fomentada pelas dificuldades financeiras e pela ascensão de políticos de direita. Nu no exercício de suas liberdades individuais, ele era, além de uma espécie de popstar das redes sociais, o retrato da Barcelona moderna, quase utópica, das últimas três décadas. Segundo Esteban, sua ‘peladeza’ era uma resposta ao sofrimento que o acompanhou em boa parte de sua vida. Perdeu a mãe no nascimento, apanhou de ‘educadores’ no colégio interno, a irmã morreu cedo de câncer, nunca se entendeu bem com o pai…

Despido forçadamente de sua nudez, ele nos dá um banho de realidade da Espanha 2012, em crise e com o astral na sola do pé: veste a mesma combinação de calça, camiseta e chinelo nos dois encontros, exibe os dentes em péssimo estado e cheira mal. Conta que sobrevive com míseros 357 euros por mês da aposentadoria e 104 de ajuda do governo catalão. Divide apartamento com outras quatro pessoas e almoça todo dia no bandejão.”

Se quiser saber mais e ver fotos mais reveladoras do naturista das ramblas, basta digitar https://is.gd/Jg1r7J . Você conhecerá o homem que agora anda cabisbaixo e anônimo pela cidade, rezando para que, como ele mesmo diz, lhe seja devolvida a liberdade que tanto ama e que lhe foi súbita e arbitrariamente tolhida. Fato é que a proibição da nudez do cozinheiro gerou polêmicas intermináveis na mídia espanhola sobre os limites das liberdades individuais e o redesenho dos padrões de comportamento na Europa, deixando expostas as partes íntimas de uma sociedade que carrega a contradição entre o liberalismo radical e o conservadorismo mais arcaico. Sem querer ou querendo, nosso cozinheiro jogou pimenta malagueta no cozido.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente