Um importante estudo divulgado na última semana trouxe informações surpreendentes sobre o que pode ser o papel da idade dos homens no risco de desenvolvimento, por seus filhos, de doenças mentais como o autismo e a esquizofrenia. Publicado na capa da “Nature”, uma das mais conceituadas revistas científicas do mundo, o trabalho indica que quanto mais velho o pai, maior a chance de seus filhos virem a ter as enfermidades.

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A conclusão foi resultado de um trabalho conduzido pelos pesquisadores das empresas deCODE, da Islândia, e Illumina, dos Estados Unidos. Ambas são especializadas na decodificação e análise do genoma humano. O objetivo era investigar as mutações genéticas associadas a distúrbios mentais e a importância do homem e da mulher na sua transmissão. Para isso, estudaram todo o material genético de 78 trios de pais – homem e mulher saudáveis – e filho diagnosticado com uma das enfermidades. Serviu de banco de comparação o DNA coletado de 1.859 pessoas também sem doenças do gênero.

O que se encontrou mexe com as concepções até hoje estabelecidas sobre o peso desempenhado por homens e mulheres na transmissão de alterações genéticas a seus filhos. Sempre se soube, por exemplo, que parte das anomalias cromossômicas – a síndrome de Down, por exemplo, é causada por uma delas – herdadas pelas crianças são resultantes do envelhecimento do óvulo fornecido pela mãe. Mas não se tinha ideia de quanto são importantes para o perfil genético dos filhos as mutações no DNA do pai ocorridas ao longo do tempo. De acordo com o trabalho, a maior parte (97%) das alterações genéticas aleatórias, ou espontâneas, recebidas pela criança vem do pai, e não da mãe.

Mutações espontâneas são aquelas que acontecem durante a vida, no processo natural de multiplicação celular. Para se renovar, as células se replicam e seu material genético é copiado. Mas no meio do caminho pode haver erros que resultam nas tais alterações. Muitas dessas mutações não têm efeito algum, mas algumas estão associadas a doenças como o autismo e a esquizofrenia.

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AVANÇO
Pais de Júlia, portadora de autismo, Paula e Hermelindo consideram
que o estudo contribui para melhorar o entendimento da enfermidade

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No estudo, constatou-se que os homens transmitem aos filhos quatro vezes mais dessas alterações do que as mães. E que o número de mutações está diretamente relacionado à idade dos homens. “Demonstramos o impacto da idade do pai na ocorrência dessas alterações”, disse à ISTOÉ Kári Stefánsson, CEO da deCODE e líder do estudo. De acordo com os cientistas, a cada ano duas novas mutações genéticas aleatórias são incorporadas ao DNA masculino. A conse­quência disso é impressionante. O trabalho afirma que um filho gerado quando o pai tinha 20 anos apresenta cerca de 25 mutações espontâneas. Outro, concebido quando o pai tinha 40 anos, é portador de 65 dessas alterações.

A explicação para os dados repousa na natureza diferente de óvulo (gameta feminino) e espermatozoide (gameta masculino). A mulher nasce com uma quantidade predeterminada de óvulos. Ou seja, não fabrica novos óvulos. Portanto, não há risco de ocorrência das mutações espontâneas nessas células. Quando há problemas genéticos relacionados ao gameta feminino, eles são resultantes de seu envelhecimento, e não de sua multiplicação.

Com os espermatozoides acontece o contrário. Eles começam a ser produzidos na adolescência e continuam a ser fabricados até o fim da vida. E trata-se de um processo intenso de fabricação. Estima-se, por exemplo, que existam cerca de 20 milhões de espermatozoides por mililitro de esperma a cada ejaculação. Dessa maneira, os gametas masculinos encontram-se muito mais vulneráveis a sofrer os erros de replicação, já que estão em constante processo de produção. E quanto mais velho o homem, maior o número de problemas.

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“Mostramos o impacto da idade do pai nas
alterações genéticas associadas às doenças”

Kári Stéfansson, líder do estudo

Na visão dos pesquisadores, as conclusões do estudo contribuem para justificar o aumento recente no número de casos de autismo. Segundo dados do Centro de Controle de Doenças, órgão do governo dos Estados Unidos, por exemplo, uma em cada 88 crianças americanas foi diagnosticada com a doença. É um aumento de 78% desde 2007. O raciocínio que se faz é simples. Nos últimos anos, não apenas as mulheres, mas os homens também têm se tornado pais cada vez mais velhos, o que, segundo a pesquisa, eleva a chance de transmissão de alterações prejudiciais. “Melhores métodos de diagnóstico explicam parte do crescimento de casos, mas novas mutações são provavelmente outro fator”, disse o neurobiologista Daniel Geschwind, da Universidade da Califórnia (EUA). “Penso que encontraremos uma grande prevalência da enfermidade em locais com pais mais velhos.” Na opinião de Jonathas Soares, diretor-clínico do Projeto Alfa (associação de laboratórios de reprodução assistida), a pesquisa faz refletir sobre o momento adequado para ter um filho. “A idade, não só para as mulheres mas agora também para os homens, torna-se um fator com o qual devemos nos preocupar para a programação de quando se ter um filho”, acredita. “Para homens e mulheres, quanto antes é sempre mais seguro.”

Parte dos cientistas pensa diferente e argumenta que o risco de um homem com mais de 40 anos ter um filho com doenças é apenas 2% maior do que o de outro, mais jovem. Além disso, pontuam que em geral as enfermidades não são causadas por apenas uma alteração genética, mas por um conjunto de mutações e suas interações com o meio. “A maioria dos casos de autismo, por exemplo, não é consequência de uma única alteração”, disse o geneticista ­Mark Daly, do Massachusetts General Hospital (EUA), especialista na enfermidade. “Portanto deve haver fatores herdados dos pais mas que são distintos das novas alterações ocorridas no espermatozoide.”

No Brasil, o neurologista Carlos Gadia, da ong Autismo & Realidade, partilha a mesma opinião. “Pesquisas atuais tentam descobrir como fatores genéticos e ambientais contribuem para as várias causas do autismo”, afirmou. “Apesar de algumas alterações no DNA terem sido identificadas, sugere-se que esses genes em interação com o ambiente (intra-uterino) possam desencadear o transtorno.” O geneticista Bernardo Garicochea, diretor de oncogenética do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vai mais longe. “Não há nenhuma possibilidade, no momento, de determinarmos se existe uma relação entre pais com mais de 40 anos e o nascimento de um filho autista ou com esquizofrenia”, diz. “O artigo que foi publicado apenas aponta uma probabilidade estatística e não uma relação direta.” Pais de Júlia, 24 anos, portadora de autismo, Paula Balducci e Hermelindo de Oliveira avaliam os resultados da pesquisa com otimismo. “É um avanço a mais no entendimento da doença”, diz Paula.

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Fotos: shutterstock; BURGER/PHANIE, Fabio Cerati; Divulgação


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