Quando o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, visitar a Argentina e o Chile, a partir da segunda-feira 2, deve levar na bagagem algumas das propostas apontadas pela elite econômica latino-americana como as
alternativas para tirar a região
da crise. De todas as idéias
debatidas por 500 líderes políticos, empresários e empreendedores
sociais reunidos durante três dias
num hotel em Copacabana, no Rio
de Janeiro, pelo menos duas foram consideradas um consenso para alavancar o crescimento econômico
e aplacar as desigualdades sociais:
o maior acesso ao crédito e a ampliação do comércio internacional.

Para quem teme um curto-circuito no futuro encontro com o presidente da Argentina por conta de temas indigestos, como as barreiras à importação do frango brasileiro, Lula demonstrou que aposta na sua versatilidade de negociador. Na semana passada, ele colocou em prática uma velha máxima política repetida por nove entre dez presentes na reunião sobre os rumos latino-americanos, a de que governar é como tocar violino: “Pega-se com a mão esquerda, mas toca-se com a direita.”

O alerta vermelho sinalizando a necessidade de reformas sociais
para a retomada do crescimento já havia soado antes, mas no
encontro do Fórum Econômico Mundial, que aconteceu entre
20 e 22 de novembro, tratou-se de discutir ponto a ponto as recomendações práticas para recuperar o tempo perdido. Num dos
painéis reservados, onde se falava um misto de inglês com portunhol,
os participantes assinalavam as diferenças entre os países latinos
e a ineficácia de submetê-los à mesma receita. Ainda assim, listaram alguns dos problemas em comum, entre eles o desequilíbrio fiscal,
a burocracia, a falta de infra-estrutura e os males da corrupção.

Um dos poucos pontos unânimes foi a aposta nas parcerias
entre governo, iniciativa privada e sociedade civil. Os empresários repetiam como ladainha a importância em investir no desenvolvimento sustentável, que se traduz por crescimento econômico aliado a investimentos no bem-estar social e na preservação do meio ambiente. Em coro com outros representantes do México, da Argentina e do
Chile, o senador Aloizio Mercadante apontou as prioridades do novo governo. “Queremos três coisas: crédito, crédito e crédito”,
resumiu, dirigindo-se ao constrangido vice-secretário do Tesouro americano, Kenneth W. Dam, sentado à sua esquerda.

De nada adiantaram os esforços do enviado do governo americano para tentar desviar as discussões para outros males da América Latina, como a pirataria, que solapa os direitos de propriedade intelectual de diversos produtos dos países desenvolvidos, aí incluídos remédios e CDs de música, ou os benefícios dos alimentos geneticamente modificados.
Como um disco riscado, os debates voltavam sempre ao mesmo ponto,
o US$ 1 bilhão que os governos dos países desenvolvidos gastam diariamente em subsídios aos seus produtos agrícolas. “Nossa intenção
é reduzir drasticamente e eventualmente eliminar esses subsídios, desde que outros façam o mesmo”, explicava-se o americano Dam, alegando que os incentivos americanos, de US$ 20 bilhões ao ano, são apenas
um terço do que é gasto pela União Européia e uma fração do que
o Japão paga para tornar seus produtos agrícolas competitivos.

Enquanto o infindável bate-boca sobre a subvenção dos países
ricos perdurava, os empresários e as lideranças das nações latino-americanas buscavam fórmulas para sanear a corrupção, considerada
um grave freio ao desenvolvimento da região. Não se referiam apenas
ao pagamento de subornos, na maior parte das vezes patrocinado
pela iniciativa privada. Falavam também no desvio do dinheiro do
Estado para benefício de políticos e de burocratas. E destacavam
a impunidade e a falta de fiscalização das ações governamentais
como fatores de estímulo ao roubo institucionalizado.

Bush – Um dos especialistas no tema, o argentino Luis Moreno
Ocampo repetiu diversas vezes o seu discurso. “A corrupção tem
que ser tratada como uma doença. Ela nunca vai desaparecer, mas
é possível diminuir seus efeitos nocivos”, explicou Ocampo, diretor
da Transparência Internacional, uma ONG especializada no assunto.
Na prática, ele propõe apenas uma mudança no grau de corrupção.
“Tudo o que queremos é ter uma corrupção mais branda, como é
na Suécia ou na Noruega”, diz, destacando o papel do Chile como
uma exceção notável em lisura entre os países latino-americanos.

O Chile, aliás, está próximo de concluir um acordo bilateral de comércio com os Estados Unidos e pode servir de modelo para o Brasil. “Não descartamos esse tipo de negociação caso a caso, mas preferimos tratar no âmbito do Mercosul”, sugere Mercadante. A pauta de comércio será apenas um dos temas de discussão entre Lula e o presidente americano, no próximo dia 10. Com tantos assuntos para conversar com George W. Bush, Lula pode até discursar sobre suas idéias para combater a pirataria, o que soaria como música aos ouvidos do presidente americano.