chamada.jpg
AO VOLANTE
Cristina diz que a responsabilidade pela greve no metrô é
do prefeito de Buenos Aires, seu principal adversário político

A cada vez mais encarniçada guerra política na Argentina deixou os gabinetes para atingir o lado mais frágil dessa batalha – o da população. Nas últimas semanas, os moradores de Buenos Aires, administrada por Maurício Macri, principal líder da oposição ao governo da presidenta Cristina Kirchner, enfrentaram uma situação de caos no sistema de transporte público da cidade. Responsáveis pela locomoção de cerca de um milhão de pessoas diariamente, os vagões do metrô da capital permaneceram parados por dez dias, em decorrência da greve de seus 4,3 mil funcionários. Em um movimento liderado por sindicalistas afinados com a presidenta Cristina, eles exigiam 28% de reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Só voltaram a trabalhar após um acordo na segunda-feira 13, no qual conseguiram 23% de aumento. Entre a população, no entanto, o clima é de desconfiança. A paralisação foi a terceira deste ano e a ameaça de novas interrupções do sistema continua.

Pioneiro no Hemisfério Sul, o metrô de Buenos Aires passou de símbolo do apogeu argentino no começo do século passado – a primeira linha foi inaugurada em 1913 – para um estorvo sucateado com 57 quilômetros de extensão. Mais grave ainda: os trens subterrâneos se tornaram peça-chave no jogo político entre a presidenta peronista Cristina Kirchner e aquele que promete ser o seu principal adversário na eleição presidencial em 2015: Maurício Macri, prefeito da capital do País e integrante do conservador Partido Proposta Republicana. Cada um deles empurra a encrenca para o outro. Com o preço da passagem mantido com 70% de subsídios, nenhum dos lados quer assumir o controle do metrô. No meio da confusão há ainda uma empresa privada responsável por explorar o serviço, por meio de uma concessão obtida na gestão do ex-presidente Carlos Menem, e que ameaça largar a operação após amargar sucessivos prejuízos. Segundo especialistas, o preço da passagem teria de subir 300% para a operação se tornar viável sem incentivos. Seria um custo político que nenhuma das partes pretende pagar.

01.jpg
POR QUE PAROU?
Grevistas param o metrô: para ser viável, o preço da passagem teria de subir 300%

Durante a greve, enquanto os argentinos enfrentavam filas gigantescas para tentar um lugar nos ônibus lotados, representantes do governo federal e municipal trocavam críticas. Em entrevistas, o prefeito de Buenos Aires acusou a presidenta de fomentar a greve como manobra para desestabilizá-lo politicamente. Do outro lado, o secretário de Transportes da Argentina, Alejandro Ramos, afirmou que “a confusão é obra do prefeito Macri, que é o responsável pelo metrô”. A declaração do aliado de Cristina se baseia em um acordo firmado no começo do ano. Nele, o governo federal passava a gestão do sistema para a prefeitura e se comprometia a transferir cerca de 35 milhões de pesos mensalmente para manter o serviço.

Não foi, porém, o que aconteceu. Cristina enviou recursos abaixo dos valores acertados e o prefeito devolveu publicamente o metrô, alegando não dispor de verbas para mantê-lo. Pesou na decisão o temor de um acidente similar ao da rede ferroviária da cidade, que deixou, em fevereiro passado, um saldo de 50 mortes. Irredutível, a presidenta aprovou uma lei no Congresso confirmando a transferência do metrô ao município. “Tradicionalmente, os argentinos fazem política com as vísceras”, diz Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Uerj. “Tanto governo como oposição travam inflamadas disputas sem margem para negociações. Com Cristina, não é diferente.” Nesse contexto, colocar obstáculos nos trilhos dos adversários políticos parece ser prioridade.

02.jpg