A população carioca já deu as mãos para abraçar a Lagoa Rodrigo de Freitas, se vestiu de branco, fez passeatas, acendeu velas e criou movimentos comunitários. Mas não adianta: a cada semana, um novo trauma. Na terça-feira 25, caiu por terra um dos últimos redutos de segurança da cidade: o metrô. A estudante Gabriela do Prado Ribeiro, filha única, 14 anos, foi atingida num tiroteio entre bandidos e policiais à paisana na estação São Francisco Xavier, Tijuca (zona norte). Seus pais a liberavam pela primeira vez para andar sozinha num transporte coletivo. Nem ônibus podia tomar. A mãe, a psicóloga Cleide do Prado Maia Santiago, 45 anos, a aguardava na estação seguinte. Estranhou o atraso, ouviu falar do tiroteio e ligou para o marido, o psicólogo e gerente de vendas Carlos Santiago Ribeiro, 45. O pai correu até o local. Não teve dúvidas ao encontrar os óculos de Gabriela no chão. “Sou um pai de família, classe média baixa, trabalhador, que lutava para que minha filha fosse uma pessoa bem-sucedida. A dor é indescritível”, desabafou
Carlos à rádio CBN.

Atingida no peito, a estudante – prêmio de destaque no Colégio PH, na Tijuca, onde cursava o primeiro ano do ensino médio – ainda tentou recuar na escada da estação, mas não conseguiu. Foi socorrida por um camelô, que acompanhou seu esforço para sobreviver. Na cerimônia de cremação de Gabriela, sua mãe era a imagem da desolação: “Não sei o que dizer a outras mães. Eu protegia minha filha, fiz o que pude para livrá-la da violência e não foi suficiente. Não tenho outro filho para decidir o que fazer.” Apesar de tanto sofrimento, o casal não se deixou levar pelo desespero. “Se eu puder colaborar de alguma forma para que um pai, uma mãe, não sintam
o que estou sentindo, me satisfaz. Minha filha, com certeza,
está batendo palmas para mim, dizendo: Pô, pai, você é dez”,
afirmou Carlos Santiago, muito comovido.

Os cariocas mal se refaziam do assassinato do professor Gustavo Armando de Pádua Schnoor, 50 anos, em frente a sua casa em Laranjeiras (zona sul), no sábado 8. As palavras do sobrinho do professor, André Penido, soaram proféticas: “Ser vítima de um crime violento é apenas uma questão de tempo.” Quinze dias depois, outro crime voltava a chocar a cidade, onde 500 pessoas são assassinadas, em média, por mês. Uma jovem de 22 anos foi estuprada em seu apartamento, depois de um assalto, em Ipanema (zona sul). O avô, de 89 anos, presenciou a violência contra a neta e arriscou a própria vida, negando-se a entregar sua aliança de casamento aos bandidos, mesmo sob ameaças. “É uma das mais importantes recordações que tenho de minha mulher, com quem fui casado 60 anos”, resistiu.

O assalto à bilheteria do metrô, que terminou tragicamente com a morte de Gabriela, rendeu R$ 700 aos quatro ladrões. Anderson de Souza Ribeiro, 22 anos, foi preso na quarta-feira 26,
e o autor do disparo, Luiz Augusto Castro de Souza, 20 anos, na quinta-feira 27. A agilidade policial se deu graças ao circuito interno, que registrou tudo. As imagens identificaram ainda
o traficante Carlos Eduardo Soares Ramalho, o Nego, que continua foragido. Na quinta-feira,
a população amedrontada acompanhou pela tevê a transferência de Fernandinho Beira-Mar de São Paulo para Maceió. Pelo menos um alívio: o traficante não volta ao Rio, onde as autoridades se declaram incapazes de conter suas atrocidades mesmo atrás das grades. No mesmo dia, porém, nem a Igreja escapou: a Arquidiocese do Rio, na Glória (zona
Sul), teve seu cofre arrombado. Os ladrões levaram R$ 160 em dinheiro
e R$ 10 mil em vales-transporte. A banalidade do crime está proporcionando uma estranha sensação ao carioca: permanecer vivo
ou não ser vítima da violência já é a sorte grande – ou, como disse
André Penido, uma simples questão de tempo.