Lua-de-mel entre o atual governo e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, acabou na semana passada com a descoberta, pelos técnicos petistas da equipe
de transição, de números espantosos da administração federal que poderão impedir
a implantação de parte do programa do PT. Lula já sabe,
por exemplo, que tomará
posse no dia 1º de Janeiro em meio a outra epidemia de dengue por
falta de investimentos do Ministério da Saúde no controle do mosquito Aeds aegypt e falhas operacionais nos programas de controle da
doença. Também assustou os petistas a previsão sombria de que,
no final do próximo ano ou começo de 2004, o governo poderá ser obrigado a adotar um novo racionamento de energia elétrica por falta
de investimentos nos últimos anos na construção ou ampliação de hidrelétricas e no aumento das linhas de transmissão de energia.

A recomendação da equipe de transição para o setor de energia elétrica é priorizar investimentos na construção de novas hidrelétricas ou ampliação da capacidade de geração das já existentes. Como a parte
do Orçamento da União destinada a novos investimentos não passa de
R$ 6 bilhões, o governo eleito ainda não sabe como fará para tentar evitar apagões ou racionamento nas regiões Norte e Nordeste. Na Previdência Social, os petistas descobriram que o governo deve quase
R$ 1 bilhão a bancos privados responsáveis pela arrecadação previdenciária e pelo pagamento dos milhões de aposentados do INSS, que não receberam pelo serviço. Essa dívida se acumula há três anos.

Ao receber os dados da companhia de abastecimento, os técnicos petistas descobriram que o estoque regulador de grãos está muito abaixo da média histórica. A maior preocupação é com o minúsculo estoque de milho, hoje com 30 mil toneladas, quando o consumo do produto em todo o País atinge 40 mil toneladas em apenas 30 dias. O milho é o que mais preocupa porque o produto serve como base de alimentação na produção da carne de frango e de porco. A preocupação do futuro governo é que um estoque tão baixo de milho não poderá ser utilizado como regulador dos preços no atacado e, em consequência, também não impedirá os reflexos nos preços finais de produtos derivados da farinha de milho, muito usada na alimentação dos mais pobres. Sem milho suficiente, o programa de combate à fome poderá ter sérias dificuldades, já que o governo pretende utilizar o produto na composição da merenda escolar.

No Ministério da Justiça, a equipe de transição descobriu que entre
1995 e 2000 o governo comprou da Microsoft R$ 15,8 bilhões em produtos e serviços de informática sem licitação. O Tribunal de Contas
da União e a Secretaria de Direito Econômico condenaram a compra e determinaram que o governo terá que anulá-la e refazê-la depois de licitada. Outro bueiro aberto foi no Banco do Nordeste, que acumula uma inadimplência que chega a R$ 7,5 bilhões, de empresas que tomaram dinheiro e não pagaram (os problemas do banco estão à pág. 90). Essa soma também assustou porque, apesar de ter aparecido na coluna dos créditos, vai ser uma dor de cabeça imensa para recebê-la. “Os números preocupam. A casa não está tão arrumada assim, como garantiu o governo”, comentou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).

Outra confusão que terá de ser administrada é a dívida dos Estados, principalmente a de Minas Gerais. O governador Itamar Franco (sem partido) emitiu uma nota na sexta-feira 29, com críticas ao PT, em
que afirma que o partido o trata como adversário. Itamar lembra
que apoiou Lula e classifica a situação de constrangedora. Ele busca recursos para pagar o décimo terceiro do funcionalismo mineiro.

As bombas – relógio

Previdência Dívida de quase R$ 1 bilhão do governo com os
bancos privados e federais, referente a pagamentos atrasados
pela prestação de serviços bancários ao INSS (pagamento
de aposentados e recolhimento das contribuições).

Estoque de grãos O estoque público de grãos está muito abaixo da média histórica dos últimos anos. O que mais preocupa é o baixo estoque de milho, que não dá para o consumo de um mês do País.

Energia A previsão do Operador Nacional do Sistema (ONS)
é de problemas no abastecimento no Norte e Nordeste. A equipe
de transição recomenda prioridade nos investimentos em obras
de geração e transmissão de energia.

Informática O governo federal terá que refazer centenas de contratos assinados entre 1995 e 2000 para prestação de serviços e compra de equipamentos de informática realizados sem licitação. A ordem é do Tribunal de Contas da União, que detectou o pagamento ilegal de R$ 15,8 bilhões. A ilegalidade também foi detectada pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

Banco do Nordeste A inadimplência no BNB já chega a R$ 7,5 bilhões, maior que toda a dívida do Estado do Ceará. Grandes grupos econômicos nordestinos deixaram de pagar seus empréstimos.

Dengue A equipe de transição do governo Lula constatou que
neste verão haverá outra grave epidemia de dengue por falha
nos programas coordenados pelo Ministério da Saúde.