Os peruanos jogaram um balde de água fria na possibilidade de se configurar na América do Sul um eixo geopolítico de viés antiamericano liderado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, secundado pelo boliviano Evo Morales. No domingo 4, no segundo turno das eleições presidenciais do Peru, o candidato do peito do venezuelano, o também coronel da reserva e líder nacionalista Ollanta Humala, 43 anos, foi derrotado pelo ex-presidente Alan Gabriel Ludwig García Pérez, 57 anos. Líder do histórico Partido Aprista Peruano, de centro-esquerda, Alan García recebeu o apoio tardio do empresariado e da classe média justamente depois de ter trocado farpas com Chávez, que o chamou de “ladrão” e ameaçou romper relações com o Peru se ele fosse eleito.

A ironia é que García, que governou o Peru pela primeira vez entre 1985 e 1990, representava nos anos 80 o mesmo papel de “besta negra” do empresariado e de Washington que Chávez encarna hoje em dia. Jovem e impulsivo, o então presidente peruano entrou em confronto aberto com o FMI e estatizou o sistema bancário em 1987, provocando a ira do escritor Mario Vargas Llosa. O saldo do primeiro governo de Alan García é um pesadelo que os peruanos querem esquecer: sua política econômica provocou uma hiperinflação de 7.200%, levando o país a uma profunda recessão. Como se não bastasse, naquela época o Peru se viu sitiado pelo flagelo terrorista do Sendero Luminoso. Tanto descalabro abriu caminho para Fujimori (1990-2000), que estabilizou o país e acabou com o terrorismo, mas à custa de mergulhar o Peru na ditadura.

Se o “cavalo louco” – como García ficou conhecido – aprendeu com os erros do passado, como garantiu, só o tempo dirá. Ele terá que mostrar dotes de malabarista para governar, pois seu partido, a Apra, conquistou apenas 36 das 120 cadeiras do Parlamento. A União pelo Peru, de Humala, ficou com 45 assentos e se converteu na maior força de oposição – aliás, ele obteve 80% dos votos entre a população mais pobre. Se não quiser negociar com os deputados ligados ao líder nacionalista, o novo presidente terá de se entender com os partidos da direita e os fujimoristas.

García recebe um país bem melhor do que deixou em 1990: o Peru acumula cinco anos de crescimento econômico (21% do PIB), puxado pela alta de preços internacionais do cobre e do ouro, principais produtos da pauta de exportações. O problema é que essa prosperidade e estabilidade não significaram quase nenhuma mudança das péssimas condições sociais da maioria dos peruanos. Cerca de 60% da força de trabalho está desempregada ou subempregada e mais de 50% da população continua vivendo abaixo do nível de pobreza.

“O discurso liberal sobre a estabilidade e os investimentos estrangeiros como geradores de riqueza é percebido pela metade da população como uma falácia destinada a garantir os privilégios das elites”, afirmou o escritor peruano Santiago Rocagliolo. “Esse foi o grande erro dos empresários peruanos durante décadas: não se aliaram nunca com os líderes políticos para criar um projeto mais inclusivo”, concluiu. Resta saber como Alan García resolverá a equação sem cair novamente na tentação populista nem se render ao falido discurso do consenso de Washington.