Período de forte repressão política no Brasil, os anos 70 também são lembrados pelo espírito festivo. Foi a época dos frenéticos dancin days, marcados pela explosão da discoteca, com as meninas dançando de meias coloridas lurex e os homens de calças boca-de-sino. Mas foram também os anos em que se falava muito no orelhão e as crianças brincavam com as bonecas Suzi e havia até um modelo black power do brinquedo. Aqueles anos loucos estão de volta com o Almanaque dos anos 70 (Ediouro, 416 págs., R$ 49), da jornalista Ana Maria Bahiana, uma divertida compilação de todos os símbolos, produtos e manias que animaram a década.

O almanaque, é resultado de muita pesquisa, é nostalgia pura. Não faltam referências ao Mug, um boneco de tecido que virou uma espécie de amuleto, ao simpático Topo Gigio – e seu companheiro Agildo Ribeiro –, que conquistou a criançada com seu sotaque italiano, e a carrocinha de sorvete Kibon, presente nas melhores esquinas. Afinal, foi nos anos 70 que o público infantil começou a ser explorado em todo o seu potencial de consumo.

A idéia de Ana Maria Bahiana foi criar uma colagem de informações, como
verbetes de enciclopédia. “Queria que o leitor se sentisse numa cápsula do tempo.” Passa por Maria Schneider, estrela do proibido O último tango em Paris,
e Leila Diniz, a primeira grávida fotografada de biquíni. Destaca o fim do sonho
dos Beatles, na mesma época em que desponta a moda glitter, com David Bowie
e seu visual andrógino. Foi nesse período que a ditadura viveu sua fase mais
cruel, sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, enquanto o Brasil vibrava com a conquista da Copa de 70. A repressão teve reflexo até no mercado de consumo. A aparelhagem de som, àquela época o coração da casa – substituída nas décadas seguintes pela televisão –, era toda made in Brazil, mais um reflexo das rigorosas barreiras tarifárias impostas pelo nacionalismo do regime militar. Não podia faltar o toca-discos e, entre os mais abastados, toca-fitas e toda uma parafernália para amplificar o som. Junto com o Almanaque chega uma antologia de três CDs e o filme 1972, com roteiro e direção do marido, José Emílio Rondeau, e produção de Ana Maria Bahiana.

É bom lembrar que a ditadura fechou o cerco contra a música popular brasileira, que investia todas as suas fichas em denúncias sociais e era uma das maiores vítimas da censura. Chico Buarque foi um alvo reincidente e, não por acaso, o CD começa com o hino Apesar de você. O filme 1972 aborda o mais sombrio ano da ditadura, em contraste com a paradoxal efervescência cultural da época. Uma viagem.