O dilaceramento de um país engolfado há três décadas numa sangrenta e interminável guerra civil dificilmente poderia ser exposto de maneira tão dramática: no exato momento em que o novo presidente da Colômbia, Álvaro Uribe Vélez, prestava juramento perante o Parlamento, às 15h da quarta-feira 7, bombas de fabricação caseira atingiam o Palácio de Nariño, sede da Presidência colombiana, não muito distante do Capitólio, o Congresso Nacional, onde a cerimônia se realizava. Outras bombas caíram a poucas quadras dali, num bairro extremamente pobre de Bogotá, habitado principalmente por indigentes.

Pelo menos 19 pessoas morreram e 69 ficaram feridas. Os ataques ocorreram apesar de um esquema de segurança sem precedentes,
com 14 mil soldados do Exército e da Polícia Nacional mobilizados, esquadrilhas de caças sobrevoando a capital – que teve seu espaço aéreo fechado durante a cerimônia –, e até direito a um avião espião emprestado pelos EUA. O governo atribuiu os atentados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o grupo guerrilheiro mais antigo e poderoso do país. Os ataques foram feitos com bombas caseiras de botijões de cozinha com explosivos, um artefato poderoso, mas sem nenhuma precisão, que costuma causar numerosas vítimas. Na semana que antecedeu à posse, as Farc lançaram uma violenta ofensiva para desmoralizar Uribe, que prometeu mão dura contra a guerrilha, causando a morte de pelo menos 80 pessoas. Mas o novo presidente assumiu acenando com um “diálogo útil” com os insurgentes, desde que a guerrilha aceitasse um cessar-fogo incondicional.

Há quatro décadas, o conflito na Colômbia tem como protagonistas as guerrilhas de esquerda, os narcotraficantes e o Estado, numa espiral de violência que já deixou cerca de 35 mil mortos. Reflexo das gritantes desigualdades do país, a guerrilha nasceu como grupos de autodefesa dos camponeses, mas acabou se apoiando nos esquemas da droga. Os rebeldes e as milícias de extrema-direita controlam cerca de 40% do território nacional. Os paramilitares, que surgiram para defender fazendeiros da extorsão guerrilheira, viraram o braço armado do narcotráfico, e se envolveram em inúmeras violações de direitos humanos, frequentemente com a conivência dos militares. A Colômbia produz 80% da cocaína consumida nos EUA, e nas últimas décadas o narcotráfico penetrou em todo o tecido social, corrompendo políticos, militares, magistrados e jornalistas. E a hoje estagnada economia colombiana era, até poucos anos atrás, uma das únicas a esbanjar estabilidade na América Latina. Graças ao narcotráfico.

Uribe, 50 anos, um dissidente do Partido Liberal eleito em maio, teve no passado notórias ligações com os paramilitares. Ele foi um duro crítico das políticas de seu antecessor, Andrés Pastrana, que durante três anos tentou negociar com as Farc, cedendo-lhes uma área equivalente à Suíça. A ilusão da paz naufragou em fevereiro. Agora, Uribe, com total apoio da Casa Branca, promete impor “lei e ordem” na selva colombiana.
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