Na carreira de um fotógrafo, são raras as vezes em que um tema cai por acaso diante de seus olhos, propiciando imagens tão ricas em significados que é como se o próprio tema o tivesse escolhido. No caso do paulistano Emidio Luisi, este momento mágico se deu em 1986, durante a primeira turnê nacional do dançarino japonês Kazuo Ohno, hoje com 96 anos. Sem nunca ter visto um espetáculo do mestre do butô e contrariando a proibição dos organizadores, Luisi resolveu fotografá-lo durante os ensaios do espetáculo Admirando La Argentina. Como não fala japonês, aproximou-se do dançarino e mostrou-lhe a câmera. Em resposta, Ohno concordou com o olhar e se dirigiu para o camarim. Lá, enquanto se maquiava para encarnar a bailarina argentina Antonia Mercé y Luque, apelido La Argentina, Ohno deixou que Luisi registrasse todo o processo de transformação. “Essa brincadeira durou três horas, tempo em que ele se transfigurou por inteiro na minha frente. Eu me senti tão pleno que não quis ver o espetáculo”, lembra Luisi. O resultado desta sessão de fotos, e de mais outra, acontecida em 1977, quando Ohno retornou pela terceira vez ao País, pode ser agora conhecida no livro Kazuo Ohno (Cosac & Naify, 144 págs., R$ 69), que traz 100 imagens em preto-e-branco e 16 coloridas – estas em pranchetas soltas – editadas através de requintado projeto gráfico em papel artesanal e costura japonesa.

A idéia inicial era que a obra fosse apenas um livro de fotos. Mas o projeto foi ampliado e incorporou uma apresentação, repercussões das passagens do bailarino no Brasil, três entrevistas, dois depoimentos – um do diretor de teatro Antunes Filho e outro do próprio Luisi –, uma cronologia e uma documentação do trabalho de Kazuo Ohno. A organização dos textos ficou a cargo da crítica de dança Inês Bogéa. “Nossa grande preocupação foi tentar dar voz ao Kazuo”, conta Inês, que assina a apresentação e o texto sobre a repercussão das vindas dele ao País. Nas três entrevistas, Ohno tenta desvendar para o público ocidental o universo poético do butô, estilo de dança surgido em resposta à tragédia de Hiroshima, que trabalha com arquétipos da relação entre vida, morte e renascimento. “Não se deve dançar com a cabeça, mas buscando a origem da vida”, afirmou Ohno em entrevista a Lígia Verdi, realizada em Tóquio, em 1996. Fascinado por este mergulho atemporal, Luisi captou o processo de criação e o fluxo de uma arte que, segundo Inês Bogéa, se posiciona entre o visível e o invisível. “Quando se está mais próximo do objeto do desejo, a relação fica mais íntima, se tem mais cumplicidade”, diz Luisi, que, com suas fotos, chegou bem perto do indecifrável mistério do butô.