O secretário do Tesouro
dos Estados Unidos, Paul
O’Neill, adiou a viagem em
uma semana, pediu desculpas pela gafe cometida contra os países da América Latina (aquela história do desvio do dinheiro para a Suíça), mas não escapou de ser recebido na região como suspeito e inimigo – condição reforçada pela repercussão nos principais jornais e agências de notícias americanos da reportagem de capa da revista IstoÉ Dinheiro: “O’Neill, o Brasil não quer o sr. aqui.”

Foram quatro dias de viagem, no Brasil, em Buenos Aires e em Montevidéu, a capital uruguaia. E dá-lhe ovo no carro oficial, faixas no estilo “go home”, fora FMI… Subitamente, o trapalhão poderoso tornou-se uma celebridade às avessas para quem nunca tinha visto seu rosto nem em fotografia. Subitamente, também, ele se desmanchou em elogios à economia brasileira, brincou com crianças carentes da favela do Buraco Quente, na zona sul de São Paulo, terceira escala na viagem que começou no final da tarde de domingo 4, no Rio de Janeiro, onde logo de cara foi saudado por um grupo de militantes do PSTU e do MST que o esperava na porta de um hotel de luxo na zona sul aos gritos de “Fora já! Fora FMI”. À noite, iniciou sua via-crúcis para tentar desfazer o mal-entendido criado dias antes. Começou com um jantar na casa de Armínio Fraga (presidente do Banco Central), com o ministro Pedro Malan (Fazenda) e Pedro Parente (Casa Civil). Não se sabe qual foi o cardápio, mas a sobremesa com certeza foi pizza: Parente, num generoso exercício diplomático, disse que os problemas gerados pelas declarações do secretário americano estavam superados – superados naquele jantar entre quatro paredes porque O’Neill não teve sossego, apesar da atenta segurança, até entrar no avião que o levou de volta aos Estados Unidos no meio da semana.

Em Brasília, na segunda-feira 5, ele foi recebido pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso (que ameaçava não recebê-lo por
causa dos desaforos), mas sem direito a foto. O presidente proibiu imagens do encontro. Depois disso, O’Neill teve um chilique e encerrou uma coletiva ao perguntarem o que ele não queria responder: “Quando ele estava sendo sincero, ao dizer que o dinheiro de ajuda externa que vem para o Brasil e Argentina vai parar na Suíça ou ao elogiar a política econômica brasileira.”

O’Neill passou a terça-feira em São Paulo e continuou elogiando. “É maravilhoso o progresso que está sendo feito no Brasil. É um ótimo lugar para investimentos”, disse ele depois da visita ao Centro de Recuperação e Treinamento em Aids, em São Paulo, programa mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que recebe recursos do Banco Mundial, um dos organismos que teriam seus recursos desviados para bancos suíços. No final da manhã, O’Neill enfim encontrou alguém de braços abertos – em Montevidéu, no Uruguai. Lá foi recebido pelo sorridente presidente uruguaio, Jorge Batlle. Dois dias antes o país havia garantido um empréstimo-ponte de US$ 1,5 bilhão dos EUA.

Mas faltava ainda passar pela Argentina. E lá a visita latino-americana pegou fogo – literalmente. Não adiantou recomendar em Buenos Aires um rápido pacto entre a Argentina e o FMI e dizer ao ministro da economia, Roberto Lavagna, que iria até mesmo recomendar investimentos no país. Desempregados, sindicalistas e piqueteiros fizeram com que o poderoso secretário passasse maus momentos na capital. Alguns chegaram a atirar ovos (um “bem” valorizado na pior crise da história do país) contra os veículos da delegação, outros queimaram bandeiras americanas em plena praça de Maio, em protesto contra a sua presença no país. Durante uma visita a um restaurante de um jardim de infância na periferia de Buenos Aires, O’Neill enfrentou vaias furiosas – além de um sopão. Andou pela cidade com um pelotão de 20 seguranças, que não conseguiu impedir que o secretário visse suas fotos em faixas e cartazes com as frases “Fora, O’Neill” e “Fora, FMI”. Certamente foram 24 horas inesquecíveis as que o secretário passou na Argentina. Na noite de quarta-feira, embarcou para Washington. O’Neill não volta tão cedo.