Os três principais candidatos à Presidência declaram-se como sendo de centro-esquerda. Mas, qualquer que seja o vitorioso em outubro, assumirá o posto com boa parte da sua administração amarrada a uma radical ortodoxia fiscal. A extensão do arrocho nas contas públicas de 3,75% do PIB até 2005 embutida no acordo com o FMI – dois anos a mais do que o previsto antes – deixará pouco espaço para os bem-intencionados programas sociais. O ajuste corresponde a uma economia de R$ 50 bilhões anuais. Quase quatro vezes mais do que se investirá em obras como pavimentação de estradas e construção de postos de saúde neste ano. Apesar do sacrifício, todos os candidatos aceitaram os termos do acordo. Dado o tamanho da crise, o dinheiro do Fundo é imprescindível. Além disso, todos sabem que o resultado poderia ter sido pior. A disposição do Fundo era aumentar o arrocho fiscal, elevando-o para a casa dos 4% do PIB.

Ciro e Lula encaram o acerto com resignação. Já o tucano José Serra, que acompanhou de perto toda a negociação, sentiu-se aliviado. Um arrocho extra agora poderia sepultar de vez a combalida campanha de Serra. O governo não mediu esforços e acabou conseguindo arrancar do Fundo um pacotaço de US$ 30 bilhões, o segundo maior da história. Para liquidar qualquer resistência, a maior parte da grana – US$ 26 bilhões – ficou para o futuro governo. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, terá US$ 16 bilhões a mais para enfrentar a crise. Destes, apenas US$ 6 bilhões são dinheiro novo. O restante virá da redução do piso de reservas em dólares do País. A primeira recepção foi tranquilizadora. O volume surpreendente fez a cotação do dólar despencar para R$ 2,91 na quinta-feira 8, uma queda de 3,5%. “O acordo nos dá oxigênio extra, afastando o fantasma da especulação”, comemorou o presidente Fernando Henrique.

“Espetacular” – A ampliação da vigência do superávit nas contas do governo foi a alternativa oferecida pela equipe econômica para resistir às pressões do Fundo. Nas negociações, lançou-se mão até da resistência que o PT ofereceria a um novo arrocho. A equipe do ministro da Fazenda, Pedro Malan, argumentou que, para elevar a meta, teria que mudar a legislação que já incluía o superávit de 3,75% em 2003, aprovada no Congresso depois de um árduo acordo costurado com a bancada petista. A área econômica também preparou números e projeções para demonstrar que o aperto em vigor já bastava e explicou que não há mais onde cortar (apelo que menos conta para o FMI).

Logo depois de anunciado, na quarta-feira 7, o acordo chegou a ser avaliado como uma grande guinada nas posições do Fundo e de seu principal acionista, o governo americano. Nem tanto. A vitória do ministro da Fazenda, Pedro Malan, na tarefa de amealhar o pacote de dólares está assentada em um paradoxo. Por quatro anos, o País cumpriu com louvor a cartilha do Fundo e da banca internacional. Cultivou a liberdade dos capitais estrangeiros, reduziu o tamanho do Estado, tocou um gigantesco programa de privatizações, liberou preços e impôs uma rotina de austeridade fiscal que superou as exigências do próprio FMI. Da ótica do liberalismo moderno, não há reparo a ser feito. Até o buraco nas contas externas o governo vinha reduzindo. No entanto, nada disso impediu que o País mergulhasse em uma crise diante da crise Argentina e da recessão americana. “O Brasil merece este apoio”, afirmou Malan. “O acordo fala por si. É espetacular”, reforçou Armínio Fraga.

Embora mais ameno que de costume, o espaço de renegociação do futuro presidente é mínimo. Se quiser, por exemplo, adiar o pagamento dos US$ 10 bilhões sacados pelo Brasil em junho, previsto para 2003, certamente terá que cumprir exigências extras. Se tentar reduzir o aperto nas contas em 2004 ou 2005, terá que aceitar um arrocho compensatório em 2003. Além disso, o Fundo examinará com lupa os resultados da economia brasileira a cada três meses.

Tem mais. As condições para alcançar o esforço fiscal acertado com o Fundo pioraram. Em 2003, segundo economistas, o crescimento deve ficar na casa de modestíssimos 2%. Por causa da retração econômica, a arrecadação entrou em queda. E os cortes nos programas de investimento alcançaram o osso da administração pública. “Estamos chegando a uma grande encruzilhada”, avalia o economista Raul Velloso. “A redução de gastos vai ter que avançar em áreas como previdência e assistência social”, analisa. O futuro presidente também terá que abrir mão de benefícios recentemente aprovados pelo Congresso Nacional, como a redução de 2,5% na tabela do Imposto de Renda de pessoas físicas. A resposta com cortes e más notícias terá que vir rápido, mas a recuperação econômica, como se sabe, é sempre lenta e gradual.

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Colaborou Antônia Marcia Vale

Esqueceram da argentina  

O prêmio Nobel de Economia 2001, Joseph Stiglitz, não tem dúvidas: diferentemente do que acontece com o Brasil e o Uruguai, que acabam de fechar acordos com o FMI, a Argentina está de castigo. “Refletindo os interesses dos credores, o Fundo quer ser muito mais duro com a Argentina para ter certeza de que outros países na mesma situação não venham a declarar moratória no futuro”, disse ele ao jornal Página/12. As autoridades do país estão há oito anos atoladas nas exigências do Fundo. Na tentativa de acalmar a população – ainda mais irada por causa da discriminação –, o presidente Eduardo Duhalde tratou de tirar da cartola uma nova data para a assinatura do acordo, dia 7 ou 8 de setembro, horas antes do pagamento, dia 12, de US$ 2,8 bilhões da dívida do país com instituições multilaterais de crédito. Em entrevista na televisão, o ministro da Economia, Roberto Lavagna, pressionado para explicar “por que não a Argentina”, foi claro: “O socorro ao Brasil e ao Uruguai era para evitar o default (o popular calote) da dívida desses países. Nós já passamos dessa fase, já estamos em default.”

O acordo com o FMI seria para um empréstimo de US$ 15 bilhões – quase a metade do dinheiro que os argentinos, com medo da crise, mantêm fora do sistema bancário: US$ 28 bilhões. Segundo o diário Clarín, eles guardam esse dinheirão todo em cofres de segurança e debaixo do colchão – ou seja, em casa. O montante dessa modalidade desesperada de poupança cresceu US$ 7 bilhões em 2001. Os US$ 28 bilhões que repousam sob colchões abonados correspondem a dados de dezembro, o que significa que hoje podem superar com folga a cifra divulgada. Como crise, dizem, gera oportunidades, empresas de cheques de viagem lançaram uma campanha informal: compre cheques em dólares para guardar em casa; é seguro (se forem roubados, serão repostos) e eles podem ser trocados por moeda quando for preciso.


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