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NO ATAQUE Assustado com a decisão do STF, Marcos Valério pode comprometer novos petistas e também tucanos

 

Os novos fios de cabelo, resultado de um implante recente, representam apenas a transformação visível do empresário mineiro Marcos Valério de Souza, ex-dono das agências DNA e SMPB. Apontado como um dos principais operadores do mensalão, ele acaba de virar réu, por decisão do Supremo Tribunal Federal, e será julgado pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato, corrupção ativa, formação de quadrilha e evasão de divisas. Muito além da aparência, há um novo Valério, que se sente isolado e já prepara uma nova estratégia para enfrentar as acusações – desta vez, no ataque. Até a decisão do STF, que acolheu a denúncia por crimes cujas penas podem chegar a 62 anos de prisão, ele se mantinha frio. Controlava as emoções e parecia disposto a manter um acordo informal com os políticos para os quais trabalhou, tanto do PT quanto do PSDB, de jamais revelar o grau de envolvimento de cada um deles em relação aos esquemas de financiamento irregular de campanhas. Depois do julgamento da semana passada, Valério ficou transtornado. A amigos íntimos, emitiu os primeiros sinais de sua nova postura. “Como eu posso ter aqui cinco estrelas no peito, enquanto os chefes têm uma ou duas?”, indagou, referindo-se aos cinco crimes pelos quais terá de responder. Contra o ex-ministro José Dirceu, o tesoureiro Delúbio Soares e o deputado José Genoino, por exemplo, pesam apenas os crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. Outros petistas, como Silvio Pereira e Luiz Gushiken, sofreram uma acusação apenas: formação de quadrilha e peculato, respectivamente. “Nada disso é justo”, tem dito Valério, com muita insistência, nos últimos dias. Para agravar ainda mais seu estado de nervos, o empresário mineiro ainda carrega uma dívida fiscal de R$ 120 milhões das antigas agências de publicidade e, na quarta-feira 29, perdeu uma ação em Brasília na qual cobrava uma dívida de R$ 100 milhões do PT, referente aos empréstimos que avalizou – agora, Valério é devedor ao Rural e ao BMG. “Ele está num beco sem saída”, confirmou à ISTOÉ um delegado federal que participa das investigações.

 

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Depois da sentença do STF, Valério decidiu reavaliar sua estratégia por diversos motivos. Sua expectativa era responder, no máximo, por lavagem de dinheiro no inquérito do mensalão e por sonegação fiscal, em outros processos que correm em paralelo. “A dimensão dada a ele foi muito exagerada”, afirmou à ISTOÉ seu advogado criminalista Marcelo Leonardo. Isso porque Valério não era a fonte dos recursos (os bancos Rural e BMG), não exercia o papel de mandante (que cabia aos dirigentes petistas no caso do mensalão e à turma do senador Eduardo Azeredo no duto mineiro), nem era o maior beneficiário do esquema (os políticos da base aliada e os fornecedores das campanhas). “O simples operador foi trazido para o papel de figura central”, diz Leonardo. Pessoas próximas ao empresário mineiro têm dito a ele que ficar calado não valeu a pena e chegaram até a sugerir que ele adotasse soluções radicais. Uma das propostas extremas, depois do julgamento do mensalão, foi a de que Valério convocasse uma entrevista coletiva, em plena Praça dos Três Poderes, em Brasília. Valério sorriu quando recebeu a idéia, mas é improvável que a acate. O mais plausível é que, discretamente, ele comece a revelar nomes de algumas figuras importantes que tinham conhecimento do esquema de financiamento político do PT. Um deles, o ex-ministro da Fazenda e atual deputado Antônio Palocci, que não foi atingido por nenhuma labareda no escândalo do mensalão. No primeiro mandato do presidente Lula, Valério teve algumas reuniões com Palocci, no Hotel Paulista Plaza, em São Paulo, onde discutiu a compensação a ser dada ao Banco Rural em função dos empréstimos feitos para o PT. A operação seria a incorporação do Banco Mercantil do Brasil, que daria um ganho de R$ 200 milhões aos mineiros do Rural. A pedido de Palocci, que prometeu resolver a questão, Valério foi recebido em nada menos que dez ocasiões pelos então diretores do Banco Central, Gustavo do Vale e Paulo Sérgio Cavalheiro. Depois, por outras razões, o negócio travou. Mas, se Palocci sabia, outros talvez soubessem.

 

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VALÉRIO TEM DITO A AMIGOS QUE JÁ GRAVOU 11 HORAS DE DEPOIMENTO EM UM DVD QUE ELE GUARDA A SETE CHAVES

Valério também estuda mudar o tom das conversas reservadas que vem mantendo com o delegado Luiz Flávio Zampronha, na sede da Polícia Federal, em Brasília. De um ano para cá, ele já esteve lá sete vezes. Esses encontros têm sido 10% formais e 90% informais. Na parte formal, pouca coisa se diz de relevante. Na informalidade, é bem diferente. Até agora, Valério não se prestou ao papel de delator e também não entregou nenhum figurão do tucanato mineiro, que é um dos focos das investigações de Zampronha. Mas, embora não tenha dado nomes, Valério ajudou a PF a entender o funcionamento do esquema, que veio a público a partir de uma reportagem de ISTOÉ com a lista de Cláudio Mourão, então tesoureiro do governador Eduardo Azeredo. Foram informações relevantes e o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, confirmou ao repórter Rodrigo Rangel que irá encaminhar, ainda em setembro, a denúncia contra Azeredo por peculato. ISTOÉ teve acesso ao relatório interno da PF de 170 páginas e nele constam outros nomes graúdos. Um deles, o do atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves. “Há fortes indícios de que o mensalão mineiro abasteceu também as campanhas de Aécio”, diz um dos investigadores do caso. Nos documentos, também consta o atual ministro Walfrido dos Mares Guia, que coordenou a campanha de Azeredo em 1998 e hoje é o articulador político do governo Lula. A PF encontrou ainda duas dezenas de funcionários de gabinetes de deputados e vereadores que recebiam dinheiro, também no Banco Rural, só que em Belo Horizonte, para repassá-lo aos políticos com os quais trabalhavam. A Polícia Federal não indiciou ninguém antes de enviar o relatório para o Ministério Público Federal e caberá ao procurador Antonio Fernando, que já deu sinais explícitos de que não é de aliviar a barra de ninguém, escolher as condutas criminais.

 

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VELHOS ALIADOS Palocci (à esq.) prometeu ajuda ao Banco Rural. Azeredo será denunciado

 

Nessas investigações tucanas, feitas pelo delegado Zampronha, descobriu-se ainda um novo foco de confusão, que pode ser explosivo. A Polícia Federal garante que a quebra de sigilo bancário da construtora mineira ARG, ligada à tradicional família Géo, de Belo Horizonte, será incorporada ao caso. Há dois meses, ISTOÉ revelou que a ARG também fez saques de R$ 102 milhões no Banco Rural, na boca do caixa, e a empresa doou recursos a vários candidatos do PSDB – entre eles, o atual governador Aécio Neves, que recebeu uma contribuição declarada de R$ 300 mil. No capítulo tucano, Valério também ficou muito irritado com as declarações recentes do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que explorou politicamente o julgamento do STF. A vários amigos, Valério sustenta que sua relação comercial com o PSDB, que para muitos é o “embrião do mensalão”, não nasceu apenas em Minas, mas também em Brasília. Afinal, no governo FHC, sua agência já mantinha as contas dos Correios, do Banco do Brasil, da Visanet e do Ministério das Comunicações, então comandado por Pimenta da Veiga, que pode ser considerado um amigo mais do que íntimo de Valério.

 

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O ministro Walfrido é o interlocutor

 

EM SETE CONVERSAS COM A PF, VALÉRIO AJUDOU A MAPEAR O ESQUEMA TUCANO

Pimenta da Veiga, por sinal, ainda é um dos interlocutores mais freqüentes do operador do mensalão. É a ele, entre outros amigos, que Valério recorre quando precisa enviar sinais ao ministro Walfrido dos Mares Guia – o que fará novamente nos próximos dias, em busca de algum acordo. Além de ter sido o vice de Azeredo na campanha mineira de 1998, Walfrido foi ministro do Turismo na mesma época em que Emerson Palmieri, o ex-tesoureiro do PTB denunciado pelo STF por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, foi diretor da Embratur. “Se o Walfrido não defender o Marcos Valério, ele cai em desgraça total”, diz um importante consultor que presta serviços ao governo federal. A cada dia que passa, no entanto, é mais difícil a construção de um acordo com Valério, que tem todos os seus bens bloqueados. No fim de 2005, Valério fez uma viagem secreta ao Uruguai e especulou-se que ele teria recebido uma bolada de US$ 5 milhões do PT. Àquela época, porém, a denúncia da Procuradoria Geral da República ainda não havia passado pelo STF e o empresário mineiro estava mais otimista em relação aos processos criminais. “O fator medo de cadeia ainda não estava presente nas análises dele”, diz um amigo. Agora, todas as cinco acusações do procuradorgeral Antonio Fernando contra Valério foram acolhidas pelo STF por unanimidade, com dez votos a zero, o que já antecipa uma tendência de mérito no julgamento final que deverá ocorrer até 2010. “A expectativa é a condenação”, diz Antonio Fernando. Afinal, o próprio relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, definiu Valério como “um verdadeiro profissional do crime”. Hoje, um acordo que envolva apenas dinheiro talvez não baste. E travar os processos no Supremo Tribunal Federal é impossível

 

 

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MUDANÇA A SMPB (à esq.) fechou as portas e Valério se transferiu para uma fazenda (à dir.). Se dependesse da mulher, ele contaria tudo o que sabe

 

Em meio a esse turbilhão de emoções, Valério ainda vive uma pequena crise familiar. Sua esposa, Renilda, está cansada, não suporta mais a pressão sobre o marido e enxerga uma grande hipocrisia em toda essa história. Se dependesse dela, Valério contaria logo tudo o que sabe e tentaria viver em paz – mesmo que tivesse de pagar um preço alto por isso. Foi justamente para reconstruir a harmonia no lar que o empresário arrendou uma fazenda, há poucos meses, na cidade de Caetanópolis, a 120 quilômetros de Belo Horizonte. Lá, a filha Natália, de 15 anos, poderá voltar a saltar e o hipismo é algo que aproxima o casal. Também na fazenda, Valério poderá discutir a nova estratégia jurídica com seu pequeno “núcleo duro”, que envolve o amigo Rogério Tolentino, o criminalista Marcelo Leonardo e o tributarista Rodolfo Gropen. Está praticamente decidido que Valério entrará com uma ação de cobrança de R$ 12 milhões contra o Banco do Brasil e a Visanet, em função de serviços publicitários que teriam sido realizados e estariam comprovados por notas fiscais, mas não foram pagos. Valério já fez uma notificação extrajudicial e uma judicial, mas não obteve resposta. Com a nova ação, ele pretende não só receber os recursos como também desmontar a tese de que a publicidade era “fictícia” e de que os recursos seriam exclusivamente direcionados para os políticos aliados. Valério ainda sustenta que as únicas fontes do mensalão são os empréstimos feitos pelos dois bancos mineiros ao PT. Se o Rural poderia ganhar R$ 200 milhões com a incorporação do Mercantil do Brasil, o BMG, da tradicional família Pentagna Guimarães, disparou na liderança do crédito consignado e, só no primeiro semestre deste ano, lucrou R$ 253 milhões. A Polícia Federal ainda tem outras hipóteses para a origem dos recursos. Nas últimas semanas, Zampronha ouviu alguns empresários e ainda investiga se havia operações “back-to-back” no Rural – são aquelas em que um doador de campanha faz um depósito não declarado lá fora antes que os recursos sejam internados no País. A PF também tem interrogado vários ex-funcionários da DNA e da SMPB, em Belo Horizonte, em busca de novas provas. Valério garante que é perda de tempo. O esquema em si – empréstimos feitos por banqueiros que buscavam benefícios no governo – já estaria plenamente desvendado. O que a sociedade ainda desconhece é o nome de todos os políticos, de governos atuais e pretéritos, que sabiam da história e deram apoio às transações feitas por Valério. Há quem garanta até que Valério já gravou a sua versão definitiva dos fatos num DVD de 11 horas: ele, a câmera e a verdade.