Na sua opinião, o que é desfrutar de boa saúde? Muita gente acha que é não ter nenhum tipo de doença. Algumas pessoas acrescentam ao conceito a necessidade de ter disposição. Mas há quem vá mais longe e encare a saúde de um ponto de vista mais abrangente. Na visão de 1.500 especialistas no assunto reunidos em São Paulo, no início do mês, ela é resultado da soma de diversas condições associadas à qualidade de vida e ao bem-estar, que acabam gerando cidadãos saudáveis. É, por exemplo, lutar por mais espaço para o lazer, combater a violência do trânsito e até proporcionar momentos de alegria à criançada. Ou seja, saúde é muito mais do que prevenir ou remediar. Pode parecer difícil, mas os entendidos garantem que é possível transformar esse conceito em realidade. “Há iniciativas em vários países baseadas nessa idéia”, assegura a socióloga Márcia Westphal, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do evento que reuniu profissionais ligados à saúde pública e entidades internacionais.

Esse conceito surgiu há cerca de 30 anos no Canadá. Só agora, no entanto, começou a se espalhar pelo mundo, em parte graças aos esforços da Organização Panamericana de Saúde, que apóia e incentiva programas para implementá-lo. Já funciona, por exemplo, em cidades americanas e espanholas. No Brasil, cinco municípios já aplicam essas idéias, traduzidas para o cotidiano da população por meio de um projeto denominado Comunidade Saudável. Esse trabalho tem a ajuda de professores do Cepedoc, uma organização não-governamental criada dentro da Faculdade de Saúde Pública da USP para apoiar as cidades que desejam implantá-lo. Bertioga, no litoral paulista, foi a primeira a se candidatar à experiência. Ali, as reuniões iniciais aconteceram há três anos e transformaram as crenças e o dia-a-dia de muitos dos cerca de 30 mil moradores. Foi o que aconteceu com a ambulante Rita de Cássia Muniz, 39 anos. Ela e o marido, Antenor, possuem um trailer que serve peixe frito, camarão e bebidas na praia de São Lourenço. Um dia, fora da temporada, Rita ouviu no rádio o convite para participar de uma palestra chamada Oficina do Futuro. “Chamamos as pessoas para fazer um diagnóstico do município e para que elas falassem da cidade dos seus sonhos”, conta a pedagoga e socióloga Ana Maria Caricari, do Cepedoc.

Rita gostou e apareceu também para ver como seria a palestra do curso de formação de agentes de saúde para assentamentos saudáveis. Estranhou o nome pomposo, mas achou que devia ser algo interessante porque era realizado por pessoas ligadas à universidade e tinha apoio da prefeitura. “Sempre gostei de estar inteirada, tinha tempo ocioso e fui ver o que era”, conta. Saiu do evento com a sensação de que podia ajudar a melhorar a qualidade de vida fazendo o que estivesse ao seu alcance. Quando viu uma oportunidade concreta, entrou em ação. Em outubro, ela e outras mulheres que participaram do projeto conseguiram doações de doces, brinquedos, refrigerantes e cachorro-quente para realizar uma festa que reuniu 1.500 crianças do bairro Indaiá, onde moram. “A criançada adorou. E eu entendi que felicidade é um dos ingredientes de saúde”, diz Rita. Animada com sua nova forma de agir para ter qualidade de vida e saúde, a vendedora também frequentou palestras sobre a utilidade do plano diretor da cidade e como se poderia dar palpites nele. “Não sabia que todos podiam sugerir coisas”, lembra. Uma das principais recomendações dela e de algumas colegas foi a construção urgente de passarelas para travessia de pedestres na estrada Rio–Santos, que corta vários bairros novos da cidade. “Isso tem tudo a ver com a saúde. Precisamos evitar os atropelamentos, que causam muitas mortes”, conta.

Outra moradora da cidade também descobriu que poderia melhorar as condições à sua volta e ganhar um organismo e uma mente mais equilibradas. É a comerciante Kátia Hidalgo Daia, 38 anos e dois filhos. “Hoje, sei que ter saúde é muito mais do que não ter doenças. Para mim, saúde envolve saneamento básico, combate à violência, viver em uma cidade com lugar para lazer e para fazer exercícios”, acredita. Há um ano, Kátia assistiu às palestras do projeto Comunidade Saudável e saiu de lá com a idéia de unir-se a alguns vizinhos do bairro onde mora, a Vila HO, para batalhar com a prefeitura pela transformação de um terreno baldio em praça no bairro. No final do mês passado, Kátia e os vizinhos comemoraram a retirada do lixo, a terraplanagem e a demarcação do lugar. Mas não pararam por aí. Também arregaçaram as mangas e fizeram o plantio de árvores e flores. “As pessoas ficam esperando que o poder público resolva, mas podemos fazer muita coisa também”, diz.

O programa Comunidade Saudável também firmou convênios com as cidades de Ribeira, Itaoca e Motuca (SP). A última a pedir apoio dos especialistas da USP para aplicar o novo conceito de saúde foi Lins, também em São Paulo, que há três semanas comprou a idéia. Um dos resultados esperados pela prefeitura é aumentar a participação da comunidade e conquistar seu apoio. “Às vezes, dificuldades como a distância ou a falta de ônibus para ir ao posto de saúde agravam os problemas. Situações assim podem
ser solucionadas”, garante o médico-sanitarista André Martin,
secretário de Saúde de Lins. Unir esforços de várias secretarias
na mesma direção também é uma das metas. Em Lins, os secretários
da Saúde e Educação já estão trabalhando com esse objetivo. “Descobrimos que as duas secretarias fazem campanhas nas escolas sobre doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, e que damos bolsas-escola e alimentação para crianças que podem ser da mesma família, mas com idades diferentes. Se planejarmos em conjunto,
todos ganharemos”, garante a prefeita Valderez Moya.