A chuva torrencial que cai sobre Maceió cessa, de repente, ao anoitecer de quinta-feira 1º de agosto. É o momento para a frota de dez Kombis cercar a entrada de Barra do Santo Antônio, a 25 km da capital alagoana. Minutos depois, embalada pela bandinha que toca no asfalto, chega a Mitsubishi Pajero negra, placa MUY-2828, de onde emerge o candidato que agita Alagoas e ainda impressiona o Brasil: elle mesmo, Fernando Collor, o candidato nº 28 a governador pelo PRTB, partido tão minúsculo e inexpressivo quanto o PRN que varreu o País na eleição presidencial de 1989. À frente da banda, dois personagens fixados no DNA collorido: o prefeito da cidade, Rogério Farias, e seu irmão, o deputado federal Augusto Farias, ostentando a mesma careca e a mesma barba do mano mais famoso – o finado PC Farias, chefe do clã e responsável pelo impeachment de Collor em 1992. No palanque, o ex-presidente começa com seu grito de guerra: “Minha gente amiga!” Mas, em seguida, mostra que algo mudou: “Estou mais amadurecido, mais sofrido, mais experiente, mais paciente”, avisa.

A experiência o levou a mudar de rumo, quando todos esperavam
vê-lo na disputa por uma vaga no Senado. Uma pesquisa encomendada em maio mostrou que a briga contra os senadores Renan Calheiros (PMDB) e Teotônio Vilela (PSDB) seria bem mais difícil do que a
batalha contra o governador Ronaldo Lessa (PSB). No dia da convenção, 30 de junho, Collor ainda garantia ser candidato a senador. Mas uma reunião em sua mansão, em Maceió, minutos antes de sair para a convenção, mudou seus planos. “Temos as pesquisas”, disse o marqueteiro José Helinton, que inventou o duplo L de sua campanha. “Temos o dinheiro”, emendou Augusto Farias, apoiado pelo irmão Luiz Romero, que assumiu a função de tesoureiro que PC ocupou tão bem. “Temos os votos”, completou o deputado estadual Antônio Albuquerque, presidente do PTB, o maior partido do Estado, e figura central na ressurreição de Collor. Em Alagoas, dizem, foi por conta de Albuquerque que elle virou candidato a governador.

Aos 38 anos, no seu habitual terno escuro combinando com a barba bem aparada, ele é mais do que o presidente da Assembléia Legislativa: manda e desmanda sobre 19 dos 27 deputados da casa, controla metade dos 102 prefeitos e mais de 40% dos 1.200 vereadores de Alagoas. Temido pelo poder e poderoso pelo medo, Antônio Albuquerque, ou simplesmente AA, é considerado o sucessor dos coronéis que imperam no sertão com seus velhos métodos de convencimento político de grosso calibre. AA anda armado e protegido por pistolas e metralhadoras numa terra conhecida pelos crimes de extermínio e pela pistolagem, mesmo em Maceió, que registrou em julho a marca recorde de 106 assassinatos em apenas três semanas. AA é um dos ilustres denunciados por sonegação fiscal, enriquecimento ilícito e crime organizado pela CPI do Narcotráfico da Câmara dos Deputados, que ele desdenhou como “show pirotécnico”. O deputado estadual Paulo Nunes (PT), um major da reserva da PM que já viu AA sacar, da cintura, uma pistola Taurus 380, afirma: “O que o PC era, para a corrupção, o AA é para a violência.”

Coração aberto – O próprio Collor admite que a sigla PC pode ser bem substituída pela AA. Em janeiro passado, na festa do padroeiro de Limoeiro de Anadia, cidade de 25 mil habitantes onde AA nasceu, na zona do Agreste, o ex-presidente, num rasgo de humildade que só tem com os amigos do peito, reconheceu: “Sem o nosso amigo Antônio Albuquerque, fica difícil caminhar. O Tonho dá o norte e a gente segue.” Mas não é só. Quem também precisa dele para caminhar, em Alagoas, é Ciro Gomes: AA é o coordenador da Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB) no Estado e muito amigo do ex-coordenador da campanha, José Carlos Martinez, presidente nacional de seu partido e parceiro de negócios de PC Farias. No início da semana, seguindo o norte que Tonho lhe dá, Collor abriu o coração num comício, em Pilar, para elogiar Ciro e justificar sua ascensão nas pesquisas a partir da imagem do candidato como “o novo Collor”. Ciro odiou, AA adorou. “Voto no Ciro porque ele é o melhor candidato para o Brasil”, diz o poderoso chefão da política alagoana, que expulsou da Assembléia um grupo de invasores do MST no berro: “Ou sai na tabica (cacete) ou à bala.” Eles preferiram sair por bem. “AA é o mais novo coronel das Alagoas”, define o coordenador da Pastoral da Terra, Carlos Lima. “Ele tem o mesmo perfil e trilha o mesmo caminho de seu colega do Espírito Santo, o deputado José Carlos Gratz”, arrisca o presidente do PT alagoano, o deputado estadual Paulo Fernando dos Santos, o Paulão.

O governador Ronaldo Lessa, que tenta a reeleição, já foi amigo de AA. Seis meses após sua eleição, em 1998, Lessa fez um acordo com o Grupo dos 14 de AA, em nome da governabilidade, e lhe entregou um naco da administração, no setor de estradas e de águas. A esquerda rompeu com Lessa e, aos poucos, o bloco de prefeitos foi cooptado por AA e sua ala collorida. Hoje, o próprio Lessa reconhece a força de Collor no interior e o avanço inimigo na capital, um tradicional reduto da esquerda. “Meu maior cabo eleitoral é a prefeita Kátia Born”, ironiza Collor, apontando para os buracos e o lixo que emporcalham o nome do governador nas pesquisas. Os dois lados admitem que os números, hoje, dão 47% dos votos para Collor e 31% para Lessa. O comando dos votos, concentrado nas mãos dos prefeitos, também muda de cor: o QG collorido já contabiliza 82 dos 102 prefeitos em suas contas. Os senadores Renan Calheiros e Teotônio Vilela, que fazem passeata com Lessa, não seguram a debandada de suas bases. “O que mais temos, agora, são prefeitos do PMDB e do PSDB”, reconhece o chefe do PRTB de Collor, Elionaldo Magalhães.

“Eu sou o anti-Collor. O único que pode juntar os quatro presidenciáveis – Lula, Serra, Ciro e Garotinho – no meu palanque. Temos que mandar Collor de volta para Miami”, apela Lessa, certo de que só a memória nacional pode abalar o palanque collorido. E Collor teme a sombra do passado: dia 4 de setembro, 20 mil universitários prometem ocupar as ruas de Maceió com as camisetas negras e as caras-pintadas dos bons tempos do impeachment. Nesse dia, talvez, o mais prudente será seguir o norte de Tonho – e se refugiar na segura Limoeiro de Anadia de AA.

A República de Alagoas , de novo

A voz continua a mesma, mas os cabelos… que diferença! Dez anos depois do impeachment, absolvido do gel que lhe dava um negro penteado de yuppie no Planalto, Fernando Collor reaparece na planície de Alagoas com a cabeleira mais clara, castanha, solta ao vento. Ficou para trás o ar crispado da Presidência e a magreza angustiada de seus últimos dias no poder. Aos 53 anos, que festeja na próxima segunda-feira 12, Collor volta à vida política com a alegria dos ressuscitados, a cintura mais roliça pela buchada de bode das campanhas e a tez morena do sol do Agreste cobrindo de vez a cor que trouxe de seu exílio dourado em Miami.

Nas ruas pobres da periferia de Maceió, Collor parte para o abraço com a galera, com a gula dos esfomeados por voto. Em vez do punho cerrado, dos tempos belicosos em que caçava marajás, ele agora mostra a mão espalmada, aberta, acenando para os descamisados e pés-descalços, em transe pela aparição daquele homem ainda jovem, sorridente, impecável com sua blusa azul de manga curta, abotoada quase até a gola, calça cinza com pregas e um sapato de cromo alemão com sola grossa para enfrentar o barro no chão. Ele caminha rápido – e só interrompe a marcha, e abandona a rua, quando vê a velhinha, extasiada, abanando da calçada. Abraça apertado, beija a mulher, reage com prazer aos dedos e mãos que afagam seus cabelos e alisam sua camisa molhada de suor. É o velho Collor em ação. Não interessa o que diz, o que fala. O que importa é o gesto, o visual. A forma atropelando o discurso, o vazio dominando o conteúdo.

No elenco de saltimbancos colloridos, alguns sumiram, outros permanecem na penumbra e muitos começam a reaparecer das sombras do passado. Veja alguns nomes da velha turma, que antes estavam com o presidente de 1990 e agora ressurgem com o candidato de 2002:

Luiz Romero Farias – antes, secretário executivo do Ministério da Saúde, onde foi acusado de irregularidades na Central de Medicamentos; agora, faz o que o irmão PC fazia quando era vivo, muito vivo: é o tesoureiro de campanha.

Augusto Farias – antes, membro da tropa de choque collorida na Câmara; agora, o irmão de PC preside o PPB local, um dos braços da aliança collorida.

Margarida Procópio – antes, a poderosa ministra da Ação Social; agora, uma humilde militante do comitê feminino de Collor.

Cláudio Vieira – antes, secretário-geral da Presidência, saiu
de Brasília jurado de morte por agiotas; agora, coordenador
jurídico da campanha.

Elionaldo Magalhães – antes, superintendente da Sudene; agora, presidente do PRTB, a sigla de Collor, e laranja de Collor na Tribuna de Alagoas, que finge concorrer com a Gazeta de Alagoas de Collor.

José Luitgard de Moura – antes, secretário executivo do
Ministério da Educação; agora, responsável pelo programa de
governo do candidato.

Euclides Mello – antes, deputado da tropa de choque em Brasília; agora, cartola do CSA, clube que Collor já presidiu, e candidato a deputado estadual.

Dário César – antes, chefe da segurança presidencial; agora, tenente-coronel da PM; deixou o comando do Batalhão de Operações Especiais (Bope) para voltar a ser o anjo da guarda de Collor.

José Helinton – antes, o marqueteiro da vitória de 1989 no Brasil; agora, o marqueteiro que quer repetir a dose nas Alagoas de 2002.

Rosane Collor – antes, a musa da Casa da Dinda, que
acabou enredada na lambança das contas da LBA; agora, a
candidata mais forte a primeira-dama do Palácio dos Martírios,
sede do governo em Maceió.