Se para os investidores internacionais o que
faltava para olhar o Brasil com olhos menos
críticos era uma opinião ilibada, não existe mais desculpas para continuar falando mal do País.
“Para que ser pessimista? É um dos melhores momentos para ser otimista.” O dono da frase
não é nenhum petista de carteirinha nem mesmo
um lulista convertido recentemente, mas, sim,
o presidente do Banco Mundial (Bird), James Wolfensohn. O tom otimista do seu discurso não chegou a ser uma voz dissonante em meio aos 400 líderes internacionais que participaram, no Rio de Janeiro, da Cúpula de Negócios da América Latina.

Quando chegou, no fim da tarde da terça-feira 19, ao luxuoso hotel Sofitel, em Copacabana, na zona sul da cidade, Wolfensohn foi poupado de confrontar-se com os cerca de 70 manifestantes que, desde cedo, faziam plantão em frente ao hotel. “Não temos orgulho de sediar esse encontro. Essas pessoas são responsáveis pelas políticas que tanto mal fizeram ao Brasil e a toda a América Latina”, protestava o coordenador do Comitê Rio do Fórum Social Mundial, Luiz Behnken. A Cúpula é sim uma espécie de apêndice do Fórum Econômico Mundial – que se reúne anualmente em Davos, na Suíça. É a primeira vez, em 36 anos, que a reunião da Cúpula de Negócios da América Latina se reúne no Brasil. O presidente recém-eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, foi convidado para participar do encontro, mas preferiu não comparecer. Mandou em seu lugar a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy.

Mesmo ausente, o presidente eleito acabou sendo o foco de muitas das discussões. Sua eleição é vista por nove entre dez líderes mundiais presentes ao encontro como uma tábua de salvação para a América Latina, que vive um momento crítico. É que, aos olhos dos estrangeiros,
a América Latina não oferece um ambiente bom para os negócios. Problemas como burocracia, falta de infra-estrutura, corrupção e ausência de recursos humanos capacitados são apontados como os principais empecilhos da região. “Os investidores não podem ver apenas os números financeiros. O Consenso de Washington (um conjunto de medidas liberais com ênfase na austeridade fiscal) morreu, dando lugar ao Consenso de Santiago. Julguem o Brasil e os países da região não pelos seus números, mas por sua cultura e seu lado social”, apelou Wolfensohn, numa tentativa de trazer de volta à região os investimentos estrangeiros.

Em meados dos anos 90, aplicavam-se na América Latina cerca de
US$ 40 bilhões; hoje, esses investimentos estrangeiros
não passam de US$ 20 bilhões.
O castigo vem sendo dado sem
dó nem piedade, apesar de os
países latino-americanos terem seguidos à risca as recomendações liberalizantes e fiscalistas sugeridas pelos organismos financeiros internacionais, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) à frente. Todo o ajuste feito parece não ter sido suficiente. “É preciso que a América Latina faça uma segunda rodada de reformas estruturais, dando continuidade ao
processo iniciado para que os benefícios cheguem a toda a sociedade”, cobrou o vice-presidente sênior do Citigroup, o banqueiro americano Willian Rhodes. Fez coro nesse apelo o subsecretário de Economia, Comércio e Agricultura dos Estados Unidos, Alan Larson, que, assim
como Rhodes, acredita ser necessário uma segunda geração de reformas para reduzir a pobreza que assola a região. Cerca de 37% dos latino-americanos vivem abaixo da linha de pobreza. “O que precisamos é
criar uma nova arquitetura financeira internacional. Chega de pregar ajustes econômicos. Precisamos é de planos de desenvolvimento”, criticou o ex-primeiro ministro da Espanha Felipe González. Ele está convencido de que o maior problema da região é que os governos
locais se transformaram em reféns dos organismos internacionais.
Caso típico é o da Argentina, que terá que escolher entre o colapso
ou um grande calote, caso não consiga fechar um acordo com o FMI.
“Se honrarmos as dívidas com as agências internacionais, em maio de 2003 estaremos sem reservas e não podemos deixar que isso aconteça”, admitiu o secretário de Finanças do Ministério da Fazenda argentino, Guilhermo Nielsen. O calote, na prática, já começou quando se deixou
de pagar, ainda este mês, uma parcela de US$ 800 milhões ao Bird.
Foram pagos apenas US$ 79 milhões relativos aos juros.

Apesar dos enormes problemas que a América Latina precisa enfrentar, os líderes internacionais presentes à Cúpula estão convencidos de que o presidente eleito, Lula, assumirá não só as responsabilidades dos desafios nacionais, mas também dos regionais. “Precisamos de um líder para falar em nome da região e Lula pode ser esse líder”, conclamou o diretor-geral da Cúpula, José Maria Figueres, presidente da Costa Rica entre 1990 e 1994. Restará a Lula, portanto, um duplo desafio: promover o desenvolvimento sustentado no País, reduzindo assim os índices de pobreza, e assumir o papel histórico de falar em nome da região. Lula ainda nem tomou posse, mas já está sendo novamente eleito, informalmente, para assumir a presidência da América Latina.