Se não fossem os indianos, estaríamos fritos aqui em Londres. Sem esses abnegados e insones cidadãos, morreríamos de fome, de sede, de carência. Graças a eles, temos garantido o nosso derradeiro repasto noturno. A nossa ração diária de Pringle’s, Snickers e Coca “Zirow”. Enfim, sem os indianos, voltaríamos pra casa com a silhueta do Gandhi.

As jornadas de trabalho têm se estendido até meia-noite, uma da manhã. Numa hora dessas, um jornalista sedento e faminto se converte na mais desamparada das figuras na fria madrugada londrina. Feito Sherlock, caminhamos pelas ruas investigando onde pode ser encontrado um caldinho de feijão, um bolinho de ovo, um pãozinho na chapa, uma calabresa na cachaça, uma costelinha no bafo.

Nada fica aberto. Diante dos pubs, só encontramos a pilha de bitucas, ainda com a marca dos sapatos que as apagaram. Sob a marquise dos supermercados, mendigos – a única diferença em relação aos nossos é que os daqui não têm cachorro – dormem com a respiração funda. Andamos e não encontramos um Filial, uma padaria 24 horas, um posto Ipiranga. Nada.

Nada, exceto os quiosquezinhos dos indianos. Esteticamente, são todos bem parecidos. Ao passar por uma portinha estreita, o consumidor fica ilhado. Sucos e refrigerantes de um lado, salgadinhos empacotados e doces do outro. A sensação é de estar em um supermercado brasileiro às vésperas da Páscoa.

No fundo, atrás do caixa, lá está o nosso salvador. De bigodinho, cabelo penteado para o lado, a pele com 30% a mais de black do que na cartela do Pantone brasileiro. Não são muito simpáticos nem falam muito. Em geral, a conversa se resume a um “next, please”, “4 pounds 20, please” e “thank you”. Apesar da sisudez e da falta de um sorriso, deixo feliz o quiosque, abraçado à minha sacolinha. Afinal, sorrisos alimentam a alma, que não era a minha prioridade naquele momento.

De noite na cama, eu fico pensando que, tudo bem, lei é feita pra ser respeitada. Mas obrigar um jornalista a atravessar a madrugada sem o bíblico direito ao último trago é um desrespeito. Dizem que os pubs fecham cedo por conta de brigas e violência. Então é justo perguntar: eles não resolveram o problema dos hooligans derrubando o alambrado e punindo os delinquentes? Então que se faça o mesmo nos bares.

Londres bate no peito e se vangloria de ser uma das mais cosmopolitas cidades do mundo. Mas, no DataFranco, uma grande cidade é medida segundo a generosidade com que estende o horário para que os cidadãos tomem seu último trago e saboreiem o conclusivo caldo de mocotó do dia. Nesse aspecto, Londres perde para Abidjan, na Costa do Marfim.

Aqui, estamos condenados a dormir sóbrios. Além de ser um pecado, isso é um risco. A gente acorda de mau humor no outro dia e escreve uma coluna como esta.