Nunca a bisbilhotice da CIA deixou tantas digitais. As revelações publicadas na última edição de ISTOÉ comprovam que a instituição atuou no Brasil entre 1995 e 1998. Depois de ler a reportagem, o presidente da Comissão de Defesa Nacional, senador Jefferson Peres (PDT-AM), quer passar o assunto a limpo. “Isso pode ser apenas a ponta do iceberg. Os fatos são gravíssimos”, diz Peres. A Comissão de Defesa Nacional já convocou os delegados Luís Carlos Zubcov e José Roberto Benedito Pereira, peças-chave nas relações espúrias entre a CIA e a PF. Os dois fizeram denúncias formais sobre tentativas de cooptação
e ingerência da agência americana dentro da PF. Outro já convocado é o ex-corregedor Artur Lobo, que confirmou a ISTOÉ que a CIA gerenciava as operações de um órgão da PF. Vicente Chelotti,
ex-chefão da PF, também será convocado.

Na lista de depoentes está ainda o general Alberto Cardoso, chefe da Abin. Segundo fontes militares, Cardoso conhecia as atividades da CIA e chegou a ter reuniões com agentes da PF para verificar o conteúdo das gravações feitas nos telefones do secretário particular de FHC no escândalo do Sivam. Quando falou em maio de 1999 na Câmara, Cardoso mostrou ter conhecimento da ação de agências de informações no Brasil. “Essa liberdade de alguns órgãos estrangeiros no trabalho de combate ao narcotráfico no Brasil é uma de nossas preocupações. Eles são muito desenvoltos”, disse Cardoso, respondendo ao deputado Wanderley Martins (PSB-RJ). Procurado esta semana, Cardoso se recusou a falar. “Isso é uma excrescência. A Abin sempre soube disso e incentivou”, diz o presidente da Federação dos Policiais Federais, Francisco Garisto.

As denúncias caíram como uma bomba no Congresso. O vice-líder do
PDT, Vivaldo Barbosa (RJ), defendeu uma faxina na PF. A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) fez um duro discurso criticando a “espionagem consentida”. Ela também pediu à PF a sindicância que apurava a presença clandestina da CIA no órgão. “Ou me mandam as cópias ou vão ter de dizer que a sindicância desapareceu, o que é grave.” A PF ainda não encontrou a papelada. “Onde ela estiver, tem
que aparecer”, disse o diretor da PF, Armando Possa, depois de cobrado pelo ministro da Justiça. O líder do PPS, João Hermann, interpelou a embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak, na reunião com o presidente eleito na quarta-feira 20. “Isso é ilegal, ilegítimo”, indignou-se Hermann. A embaixadora se esquivou: “A embaixada não tem costume
de opinar sobre atividades de inteligência.” Só o PT adotou um novo estilo, a cautela. O provável ministro da Justiça de Lula, José Genoino, prometeu, mas recuou no discurso que faria. O partido não quer criar arestas às vésperas do encontro entre Lula e George W. Bush.

O ex-chefe de disciplina da PF, Wilson Ribeiro, confirma que Chelotti sabia das denúncias. O delegado Ribeiro pediu a “instauração imediata” da sindicância e registrou que os policiais brasileiros não obedeciam aos superiores tupiniquins. “Por determinação do diretor-geral, os delegados (Zubcov e Benedito Pereira) prestaram informações e nelas acham-se implícitas as dificuldades que encontram para comandar funcionários da PF que se tinham acostumado a ter como legítimos chefes os representantes de um serviço de inteligência estrangeiro”, afirmou.