Três anos após ISTOÉ revelar o funcionamento do crime organizado no Espírito Santo, o império da bandidagem capixaba começa a ruir. No centro das investigações está o presidente da Assembléia, o deputado José Carlos Gratz (PFL). Um capo que é investigado por envolvimento com o tráfico de drogas, grupos de extermínio, corrupção e exploração de jogos. Em torno dele é investigado um pântano de ilegalidades no qual chafurdam juízes, empresários, policiais e parlamentares do Estado. Sete inquéritos sobre crimes aparentemente divorciados estão em andamento. Alguns podem se interligar em breve. Os primeiros indícios para comprovar as múltiplas conexões da máfia capixaba começaram a surgir nos últimos dias.

No dia 6, dois ofícios encaminhados pelo Superintendente da Polícia Federal no ES, Tito Caetano, chegaram às mãos do ministro da Justiça, Paulo de Tarso. ISTOÉ teve acesso aos documentos sigilosos que
trazem as primeiras conclusões de dois dos sete inquéritos que estão sendo esmiuçados desde julho. Somados, eles indiciaram 51 pessoas entre políticos, empresários, servidores, lobistas, agiotas e policiais.
O inquérito-mãe, de número 104, que rastreia o suporte financeiro
do crime organizado, revela um gigantesco organograma que operava através de licitações fraudulentas, desvio de recursos federais,
lavagem de dinheiro e superfaturamentos em programas municipais.
Foram desviados recursos da merenda escolar, do combate à dengue
e repasses federais, entre outros. Só neste inquérito já foram indiciadas 31 pessoas por formação de quadrilha, corrupção e crimes contra
o sistema financeiro. “Ainda não dá para calcular o tamanho do
prejuízo. As pessoas se interligam com outros inquéritos”, anuncia
o responsável pela investigação, delegado José Maria Fonseca.

Até agora já foram identificadas 22 empresas – a maioria fantasmas
– que fraudavam licitações e recorriam a laranjas para movimentar
o dinheiro. Entre elas estão firmas de factoring e várias empreiteiras.
A PF suspeita que os cabeças deste esquema sejam os empresários Victor Sarlo Wilken Júnior, Cláudio Aurélio Gomes da Silva e José
Itamar Moreira Barbosa, sócios da empresa Marval Comércio e Serviço,
de onde era comandado o esquema de corrupção em prefeituras capixabas. “Eles lotearam o Estado para fraudar licitações”, diz o delegado Fonseca. A PF está periciando uma centena de computadores dessas empresas e espera encontrar o elo entre os dois braços do crime organizado: o financeiro e o político. A polícia suspeita que
a rede se fecha no empresário e agiota Carlos Guilherme Lima.
“No inquérito, chegaremos a Gratz”, diz o delegado Caetano.

No inquérito de número 346,
20 pessoas já foram indiciadas
por improbidade e Gratz encabeça
a lista. Comandada por ele, a Assembléia aprovou uma medida ilegal que dava autonomia ao
Estado na gestão do Fundo de Recuperação do Espírito Santo,
que está sob suspeita de irregularidades. Para burlar uma
lei federal estão nada menos
do que 19, dos 30 deputados,
e o servidor da Assembléia
Nasser Youssef. A grande maioria
é do PFL de Gratz. Mais da metade da Assembléia do Espírito Santo
pode perder o mandato e ser condenada. Entre os indiciados estão
os amigos de Gratz: Avílio Machado, Mateus Vasconcelos, Eval Galazi, Gilson Lopes e José Esmeraldo de Freitas. Oito deles se reelegeram
e tentarão se refugiar na imunidade. Na última semana, Gratz
sentiu outro golpe. O juiz Elpídio Duque, do TRE/ES, cassou
o registro de sua candidatura por crime eleitoral.

Depois de quatro meses no Estado, a força-tarefa começa a se

deparar com a repetição de um crime sofisticado. Tomado por

casas de jogos, suspeita-se que o Estado tenha se transformado

num dos maiores escoadores de dinheiro “made in Paraguai”. Nos

últimos meses, a PF encontrou um lote de R$ 48 mil falsos. A polícia,

por enquanto, não tem como vincular o derrame ao crime organizado. Dado a bravatas, Gratz pode estar assistindo ao último ato de sua sinuosa carreira. Já encalacrado até o pescoço, mas convencido

de que seu poder paroquial lhe garantiria a impunidade, arrogou-se

em dizer a ISTOÉ, em 1999: “Pode anotar. Em 2002 vou para Brasília como senador”. Gratz pode até cumprir a profecia, mas em outro

papel. Não iria com um mandato, talvez com um mandado.