Dez anos depois do impeachment de Fernando Collor, os riscos de ruptura constitucional a que
o País esteve sujeito por ocasião da CPI do PC são revelados. Com base nas informações de
um general da reserva, ISTOÉ confirmou que houve um plano, arquitetado por militares da reserva e detectado pelo Serviço de Inteligência do Exército, que previa o afastamento de Collor, a entrega da Presidência ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Sidney Sanches, e a realização de eleições presidenciais em 30 dias. “Foi um plano inviável porque os ministros e os altos comandos decidiram não
se afastar da ordem constitucional”, afirmou
o general Zenildo Lucena, que era comandante Militar do Leste, no Rio de Janeiro, e assumiu
o Ministério do Exército no governo Itamar Franco. Sua declaração é endossada pelo ministro da Aeronáutica
de Collor, brigadeiro Sócrates Monteiro: “Não admitimos a virada de
mesa e houve, então, um pacto da governabilidade com os então ministros da Marinha, almirante Mário Cesar Flores, do Exército, general Carlos Tinoco, e com a minha total solidariedade, além da participação relevante dos ministros da Justiça, Célio Borja, e da Economia, Marcílio Marques Moreira.” Um outro plano, com objetivo inverso, também
foi defendido por militares da ativa, segundo o ministro do Superior Tribunal Militar, brigadeiro Cherubim Rosa Filho. Tinha o objetivo de manter Collor no poder, mesmo se o impeachment fosse aprovado.

Para o brigadeiro Sócrates, a crise do governo Collor foi muito delicada,
e o presidente chegou a convocar os ministros militares para declarar
a sua inocência. “A decisão deles foi a de acatar a decisão do Congresso.” Mas caso o impeachment não se consumasse, militares defendiam uma intervenção, devido à opinião pública, que se
manifestava contra o presidente. “Uma das alternativas que admitíamos seria prender o presidente, caso o Congresso não aprovasse o seu afastamento, o que a opinião pública aceitaria”, disse um coronel da reserva. Mas o brigadeiro Rosa Filho acredita que os oficiais que defendiam um golpe no caso de Collor permanecer no poder não teriam êxito. “Naquele momento os grupos radicais tiveram dificuldades para
se articular, e isso ficou claro quando buscaram apoio de oficiais
da ativa”, diz o oficial. Mas ele admitiu que a não aprovação do impeachment pelo Congresso podia, de fato, agravar a crise.

Rosa Filho revelou um episódio inédito, que acabou desgastando Collor junto aos militares. “Foi quando ele mentiu para a imprensa, ao dizer que não se encontrava há muito tempo com Paulo César Farias”. Em plena crise, Collor fazia questão de ter encontros reservados com seu homem de confiança. “Ele solicitava os pilotos da Aeronáutica para ir de helicóptero à residência de PC Farias. Eles marcavam com fogo, usando querosene, o local em que a aeronave deveria pousar.” Os próprios pilotos comentavam os vôos “clandestinos” de Collor. O ministro falou com exclusividade a ISTOÉ sobre a crise e admitiu: “Houve interesse de alguns oficiais da ativa e também da reserva na manutenção de Collor. Eles não se conformavam com o processo democrático”, disse o brigadeiro. Ele lembrou a solidariedade que Collor recebeu de Antônio Carlos Magalhães e de Leonel Brizola, governador do Rio. “Essas manifestações estimularam militares que acreditavam na possibilidade de as Forças Armadas garantirem a manutenção de Collor na Presidência, mesmo diante de denúncias da CPI.” Rosa Filho afirma que o envolvimento do ex-presidente em casos de corrupção ficou ainda mais claro quando o motorista Eriberto França, que privava da intimidade do Palácio, fez denúncias exclusivas a ISTOÉ sobre as contas fantasmas de Collor.

Célio Borja, ex-ministro da Justiça, recorda o episódio. “A crise foi muito delicada,
mas acabou por consolidar a democracia.” Borja revelou que na época o presidente recusou a sugestão do então chefe da Casa Militar da Presidência, general
Agenor Homem de Carvalho, para que renunciasse antes da votação do impeachment. “Eu e outros membros
do governo não admitimos sugestões de renúncia, que partiam de pessoas que
não levavam em conta que nossa retirada podia piorar a crise”, confidenciou.

“O momento mais delicado foi aquele em que mulheres de militares e oficiais da reserva fizeram uma passeata na Esplanada dos Ministérios em protesto contra os baixos salários”, recorda Borja. Ele temia – assim como oficiais do alto comando – que os manifestantes recebessem solidariedade de colegas da ativa. Borja afirmou ainda que
ele e alguns colegas sofreram ao permanecer no cargo para evitar o aprofundamento da crise. Muitos chegaram a ter problemas com os próprios filhos. “A crise de 1992 foi útil porque deixou claro que o fato
de o presidente da República ocupar o mais alto cargo da hierarquia do poder não o exime da responsabilidade dos seus atos”, avaliou o jurista.

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