O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, começou a definir o tamanho da mancha que vai tingir de vermelho a Esplanada dos Ministérios. Lula bateu o martelo sobre a espinha dorsal de seu governo. Vão ficar sob controle direto de petistas a área econômica (Fazenda e Planejamento), as duas cadeiras mais próximas do poder (Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência) e pelo menos pastas
da Educação e Comunicações.
Além disso, secretarias especiais, com status ministerial, ligadas à Presidência da República, como a Segurança Pública e Assistência Social, ficarão com petistas de carteirinha. Lula decidiu também criar um novo organograma funcional para ter a seu lado no Planalto um núcleo político forte, composto por seus assessores próximos. Na segunda-feira 18, ao convocar o ex-prefeito de Ribeirão Preto Antônio Palocci como o primeiro nome de
seu time (poderá ocupar o Planejamento ou a Fazenda), Lula deu o pontapé inicial na escalação dos jogadores petistas. Já era hora: o
clima no PT é de muita apreensão com o silêncio de Lula. Ele passou
um bom tempo sem abrir o jogo nem com companheiros próximos e
proibiu os petistas de especular pela imprensa o perfil de sua seleção. Mas na noite de quarta-feira 20, numa reunião com cardeais petistas,
na Granja do Torto, que varou a madrugada, Lula traçou o perfil de
seu governo. Agora, a nuvem de dúvidas começa a se dissipar.

O deputado José Dirceu (PT-SP) está praticamente certo como
ministro-chefe da Casa Civil, cargo que será fortalecido, já que ele
fará a articulação política dentro do governo e também no Congresso.
O núcleo político que vai trabalhar diretamente com o presidente no Planalto, além de Dirceu, deverá ser composto pelo ex-deputado Luiz Gushiken, uma espécie de super conselheiro do presidente, os economistas Guido Mantega e José Graziano da Silva, Marco Aurélio Garcia, atual secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e o secretário-geral do PT, Luiz Dulci, provável secretário-geral da Presidência. Dulci foi cogitado para assumir a presidência nacional do PT, mas não quer. A outra carta na manga de Lula é o senador José Eduardo Dutra, candidato derrotado ao governo do Sergipe. No entanto, este também já deu seu recado: prefere um cargo no governo. Assim, há um impasse sobre quem vai comandar o partido nos próximos quatro anos.

“Precisamos é manter a hegemonia do governo, mesmo sem a maioria de ministérios”, comentou uma estrela da transição. Ao instalar petistas nos ministérios da área econômica, o PT estará controlando, por consequência funcional, a arrecadação de impostos através da Secretaria da Receita Federal e a política monetária com o Banco Central. Também vai gerir a Secretaria do Tesouro Nacional, o caixa do governo que controla todo o real arrecadado pela Receita e cada centavo gasto na execução do Orçamento. Com a Fazenda nas mãos, os petistas vão controlar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia – e garantir a Secretaria Federal de Controle, uma espécie de superfiscal federal dos gastos públicos, inclusive os repassados a Estados e municípios. O BNDES continuará subordinado ao Ministério do Planejamento. “Tudo o que envolve muito dinheiro, o grupo palaciano do PT não vai abrir mão de colocar gente sua”, diz Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília e analista da Kramer & Ornellas, uma das principais empresas de consultoria política e empresarial da capital. O modelo da Presidência, dizem cientistas políticos, lembra o gabinete Geisel. “José Dirceu será o Golbery de Lula”, arrisca o professor Walder de Góes, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), em Brasília, referindo-se ao “bruxo” que foi um dos ideólogos do golpe militar de 64 e ocupou a Casa Civil nos governos Geisel e Figueiredo.

Se depender da vontade de Lula, o Banco Central terá um novo presidente no dia 1º de janeiro. Mas até agora não surgiu este nome. A sabatina do novo presidente e de sete diretores do BC deverá ocorrer até o recesso do Senado, em 15 de dezembro. Três petistas derrotados nas urnas terão lugar certo no time de Lula: a governadora Benedita da Silva (RJ), o deputado federal José Genoino (SP) e o governador Olívio Dutra (RS). A supersecretaria de Ação Social será comandada por Benedita, com o cacife de ser a cara da exclusão no País – mulher, negra, criada em uma favela, tendo passado fome na infância. Nos seus 20 anos como parlamentar – está no quinto mandato de deputado federal –, Genoino tornou-se um especialista em segurança pública e em defesa nacional. Chegou a ser condecorado pela Marinha e pela Polícia Militar de São Paulo. A ele Lula deverá entregar um dos principais desafios de seu governo: o combate à criminalidade. Cogitou-se a idéia de ele assumir a pasta da Justiça. Mas, como Lula já anunciou a idéia de criar a Secretaria Nacional de Segurança Pública, com status ministerial, já que será diretamente ligada à Presidência, deverá ser este o destino do parlamentar. Se isso acontecer, a Justiça deverá ser comandada por um jurista. Um nome lembrado internamente é o do ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, que na campanha de 1998 já havia sido cogitado para ser vice de Lula. O Ministério da Defesa ficará com um militar. Um nome lembrado nos bastidores petistas é o do almirante Mário César Flores.

Outro excluído das urnas, Olívio gostaria de ficar com o Ministério
da Agricultura – incorporado à área de Reforma Agrária. Mas há um incoveniente: Olívio foi acusado por adversários de ter feito vista
grossa para as ocupações do MST em seu Estado. Como Lula vem
dando muita ênfase na questão da produção, e da competitividade
do Brasil no comércio exterior, a pasta da Agricultura deverá ser
entregue a alguém do setor do agronegócio. A mais nova aposta é
de que Olívio, velho companheiro de luta sindical e um dos primeiros fundadores do PT, poderá ficar com o Ministério dos Transportes, mas esta pasta tem o olho gordo do PMDB. O senador eleito Cristóvam Buarque, ex-reitor da Universidade de Brasília, bem que gostaria de ser ministro da Educação. Pessoas próximas do ex-governador de Brasília dizem que ele quer o MEC sem as universidades para investir na melhoria do ensino básico. Mas Lula tem sido pressionado pelo PT paulista a escolher o ex-reitor e atual prefeito de São Carlos, Newton Lima.

Além de Benedita, outros dois nomes do Rio têm altas cotações: o físico Luís Pinguelli Rosa (Minas e Energia) e o deputado Jorge Bittar (PT). Ex-secretário estadual de Planejamento, Bittar é uma espécie de curinga: pode emplacar no Planejamento, Ciência e Tecnologia ou Comunicações. Dois petistas disputam o Ministério do Meio Ambiente: a senadora Marina Silva (AC) e o deputado federal Tilden Santiago (MG). Já está decidido que será criado o Ministério das Cidades, uma forma de o governo reunir sob uma só coordenação os programas de saneamento básico, habitação, infra-estrutura urbana e transporte urbano. Como esses programas também podem ser financiados com dinheiro do Banco Mundial ou pelo BID, Lula pretende ter este ministério como gerador de boas notícias.
E rápidas, já que os programas da área têm um reflexo imediato na geração de empregos e melhoria na qualidade de vida nas metrópoles.
Um nome citado nos bastidores petistas é o do deputado Nilmário
Miranda (MG), candidato derrotado ao governo de Minas.

Na cota pessoal de Lula poderão ir nomes como o empresário Antoninho Marmo Trevisan, um nome lembrado para ocupar o Planejamento caso Palocci vá para a Fazenda, e o cardiologista Adib Jatene para a Saúde, pasta que ele já ocupou no governo Itamar Franco e no primeiro mandato de FHC. Os demais ministérios serão ocupados por representantes dos partidos aliados de Lula na eleição – PL, PCdoB e PMN – e mais os nomes indicados pelos candidatos derrotados no primeiro turno, Ciro Gomes, do PPS, e Anthony Garotinho, do PSB. O próprio Ciro foi convidado por Lula para jogar no seu time. Mas ainda não se tem definição. Dentro do PT, circula a hipótese de que ele venha a ocupar o Ministério da Previdência.

No caso do governador Itamar Franco, não está descartada a idéia de ele ser embaixador do Brasil em Roma. O vice de Lula, José Alencar (PL), deverá ocupar o Ministério do Desenvolvimento e da Indústria. Os nomes são os mais variados nas bolsas de apostas. Assim como cada brasileiro é um técnico, cada político, qualquer que seja o partido ou corrente ideológica, tem nesse momento um ministério na ponta da língua. Os comunistas do PCdoB mandaram recados a Lula: não aceitam assumir o que lhes foi oferecido até agora, o Ministério dos Esportes. “Estamos aguardando um convite do presidente Lula. Onde, só Deus sabe”, impacienta-se
o deputado Airton Dipp (PDT-RS), que, como o resto do partido,
gostaria de ver Leonel Brizola na Educação ou Miro Teixeira na Justiça.
O PPS está de olho na Justiça. “Justiça será ganharmos a Justiça”, resume o deputado Clementino Coelho (PE). Lula já disse várias vezes que tem o coração grande e quer fazer um governo amplo. Haja espaço para tanta gente no coração de mãe do Lulinha Paz e Amor.