Leitora voraz de poesia, a gravadora carioca Renina Katz, 76 anos e mais de quatro décadas vivendo em São Paulo, costuma citar o verso do poeta português Fernando Pessoa, “Tudo que vemos é outra coisa”, sempre que alguém tenta decifrar as belíssimas paisagens imaginárias de suas gravuras. Existem os que acham as imagens de construção rigorosa, marcadas por contrastes de áreas claras e escuras, parecidas a tecidos epiteliais ampliados em microscópio. E os que enxergam chuvas oceânicas ou redemoinhos nos riscos meticulosamente hachurados. “Tem gente que vê formas nas nuvens, por isto o que faço é figuração, não tem como escapar”, afirma a gravadora, que expõe no Ana Cláudia Roso Escritório de Arte, em São Paulo, 23 gravuras inéditas em metal, produzidas neste ano com a difícil técnica da água-forte.

Renina – uma das maiores gravadoras do País, que em mais de 50
anos de carreira alternou a xilogravura com a litografia – também se dedica à pintura e à aquarela. Mas reconhece ser a gravura sua grande paixão. A artista lamenta o menosprezo das galerias pela técnica, por causa do baixo preço de mercado. Igualmente critica a desinformação
do público, que acha a gravura uma arte fora do tempo e a vê apenas como um meio de reprodução. “Para se apreciar uma gravura é
necessário ter a mesma intimidade que se tem diante da música
de câmara. É preciso silêncio. Hoje, as galerias estão dominadas
por ruídos de toda espécie”, alfineta, com elegância.

Além de silêncio, a arte de Renina pede
tempo. Portanto, quem se dispuser a se demorar diante de seus trabalhos será premiado com visões multiplicadas e
tons poéticos em nomes, como Lábaro,
As marcas do caminho ou Suave é a noite, título de um romance de F. Scott Fitzgerald.
A maioria das obras traz o círculo como
forma recorrente, reminiscência de sua obsessão pela geometria. O gosto pela paisagem, Renina atribui à origem carioca
e à influência da paisagem circundante.
“Os esquimós são capazes de classificar 32 valores de branco. Como carioca, trago muitas coisas introjetadas, como a linha do horizonte, o mar, o céu e o perfil das montanhas”, conta a gravadora, paisagista num mundo feito de asfalto, concreto e vidro.