Parece mentira, mas, às vésperas do golpe de 1964, o presidente João Goulart confiava na lealdade de seus quartéis. Pura inocência. A certeza de vitória por parte dos militares rebeldes era tanta que, na manhã do fatídico 31 de março, em Juiz de Fora, o general Olympio Mourão Filho, da 4ª Região Militar e da 4ª Região de Infantaria mineiras, depois de colocar a Operação Popeye em andamento – prevendo a tomada do Ministério da Guerra no Rio de Janeiro –, almoçou e fez a sesta. Como se sabe, Goulart foi derrubado e os militares permaneceram no poder até 1985, mergulhando o País no período mais sombrio de sua história, deixando as liberdades básicas serem esmagadas pelos coturnos. Relembrando episódios como este e acrescentando histórias chocantes e pouco conhecidas, o jornalista italiano radicado em São Paulo Elio Gaspari, 58 anos, lança dois livros batizados conjuntamente de As ilusões armadas e individualmente de A ditadura envergonhada (Companhia das Letras, 456 págs., R$ 40) – que cobre da deposição de João Goulart até a edição do AI-5, em dezembro de 1968 – e A ditadura escancarada (Companhia das Letras, 544 págs., R$ 44), que se encerra com a aniquilação da guerrilha do Araguaia, em 1973.

Há 18 anos envolvido com o assunto, o jornalista começou a revolver o baú blindado da ditadura quando começou a

escrever Geisel e Golbery, o Sacerdote e o Feiticeiro

. À época, ele não queria exatamente contar a história dos governos de

Tamanco

(Humberto Castello Branco),

Português

(Arthur da Costa e Silva),

Milito

(Emílio Garrastazu Médici),

Alemão

(Ernesto Geisel) e

Figa

(João Baptista Figueiredo), apelidos de caserna dos generais que presidiram o Brasil. Como bolsista do Wilson Center for International Scholars, de Washington, Gaspari pretendia escrever um ensaio de no máximo 100 páginas no qual a ditadura seria mostrada através da visão daqueles que ajudaram a construí-la entre 1964 e 1967 e efetivamente a desmontaram entre 1974 e 1979. De um simples ensaio, o projeto evoluiu para uma coleção de cinco volumes. Os próximos, já escritos e em fase de produção, trarão as biografias de Geisel e Golbery e a cronologia do fim do arbítrio, tendo como marco a demissão do ministro do Exército de Geisel, general Sylvio Frota, em outubro de 1977. No livro derradeiro, ele irá contar os últimos dias deste governo, encerrado em março de 1979. Sobre a gestão Figueiredo (1979-1985), Gaspari afirma não ter o menor interesse. Quer relegá-la ao esquecimento, como o próprio ex-presidente gritou a todos.