É possível que um ou outro leitor jamais tenha ouvido falar de Ledusha Spinardi. Mas pode-se apostar que a maioria cruzou, pelo menos uma vez na vida, com alguma criação dessa poeta, tradutora, escritora e jornalista paulista. Quem se envolveu no embalo pop/rock da geração 80 deve se lembrar da ironia psicodélica de Babylonest, poema de Ledusha musicado por Lobão e Cazuza, este um de seus amigos mais próximos naqueles anos.
A música foi gravada por Lobão no disco O rock errou (1986) e
por Cazuza em Burguesia (1989). “Babylonest, ninfa do asfalto/
Todo o Ocidente nos ombros/Que à noite defloram dentes/E depois adormecem/ À sombra de sonhos quebrados”, dizem os primeiros
versos. A cantora Bebel Gilberto é parceira em Só você. Francis
Hime colocou música no texto Ouro sobre azul. No disco que lançaram juntos, os compositores Celso Fonseca e Ronaldo Bastos homenageiam
a amiga na faixa Ledusha com diamantes. Fernanda Porto, na sua mistura de MPB e drum’n’bass, compôs Eletricidade em parceria com
a poeta, gravada em seu recente disco. Animada, pegou mais seis poemas para composições futuras. “As imagens criadas por ela me remetem a Clarice Lispector”, elogia Fernanda. Quem quiser conhecer melhor o trabalho delicado de Ledusha deve ler Exercícios de levitação (Editora 7 Letras, 104 págs., R$ 20), quarto livro da autora.

A obra é fruto de uma severa revisão de textos publicados no jornal
Folha de S.Paulo, entre 1996 e 2000. Traz criações definidas por alguns críticos como prosoemas, ou seja, poesias com os versos dispostos
de forma linear, horizontal, numa estrutura semelhante à da prosa. Mesmo com esta livre adaptação de formato, muitos trechos do livro explodem e se transformam em belíssimos cenários. É o caso dos dois primeiros versos de Body & soul: “Monocórdios bem-te-vis pela cidade, aula de melancolia na incauta brisa da tarde.” E também do irônico
Fake brains, mistake eyes
: “Cutucaram minha fogueira com idéias
curtas? Agora segurem as faíscas. Meu corpo acende-se ao sopro
das brisas e só cintila em circunstâncias imprecisas.”

Ledusha é sincera ao explicar como surgiram os tais prosoemas. “Um crítico importante identificou uma intenção de criar um novo formato estético”, conta. “Ele foi generoso, fiquei envaidecida, mas depois ri

um pouco. Na verdade, a motivação foi algo bem mais pragmático.

O jornal me proibiu de usar a forma tradicional de poesia na coluna.

Como precisava muito do emprego e adorava aquele exercício de ser obrigada a produzir um texto por semana, fui colocando os versos em sequência. Deu certo. Não era angústia literária, e sim um método desesperado de sobrevivência”, lembra, entre risadas. Além da delicadeza, o texto de Ledusha revela agilidade sem movimentos

bruscos e expõe o que a jornalista e autora teatral Marta Góes define

no prefácio como sensualidade categoricamente feminina. “Disseram

que minha poesia é pop. Gostaria de fugir do clichê. Não gosto de rótulos”, brinca Ledusha. “Mas, se enxergarem o pop como algo não-acadêmico, despretensioso e irreverente, então é poesia pop, sim.”