O mundo está de sobreaviso. Além da guerra entre os Estados Unidos e o Iraque, há outra ameaça às populações. O surto de uma misteriosa pneumonia detectado inicialmente em Hong Kong (China) e Hanói (Vietnã), no mês passado, já se alastrou pelo planeta. Até quinta-feira 20, os informes da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicavam que pelo menos dez pessoas morreram vitimadas pela enfermidade e informavam que havia 306 casos suspeitos em vários países, entre eles Estados Unidos, Espanha, Canadá, Austrália e Alemanha.

O surto mobiliza cientistas e esforços mundiais. Cerca de dez laboratórios de ponta em todo o planeta trabalham ativamente na investigação do responsável pela doença, chamada de Síndrome Respiratória Aguda Grave (a sigla em inglês é Sars). Felizmente, na noite de quarta-feira 19 surgiram as primeiras notícias animadoras. Cientistas chineses e alemães anunciaram a possível identificação do causador da enfermidade. Auxiliados por um potente microscópio eletrônico, os pesquisadores analisaram a forma do microorganismo encontrado nos pacientes e concluíram que um vírus da família dos Paramyxoviridae pode ser a causa da estranha pneumonia. “Entre os integrantes dessa família está um vírus responsável pelo sarampo e outros relacionados a enfermidades em animais”, disse a ISTOÉ o virologista americano Jack Woodall, professor visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro e editor-associado de um serviço especializado em enfermidades infecciosas, o ProMed (Programa de Monitoramento de Doenças Emergentes), ligado à Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas. O programa foi criado em 1994 por Woodall e pelo virologista americano Stephen Morse para reunir informações sobre surtos e vírus
novos (www.promedmail.org).

O feito trouxe um pouco de alívio, uma vez que os cientistas conseguiram pelo menos encontrar um caminho nas investigações. “A má notícia é que se trata de um vírus novo, e a quantidade de pessoas sem defesa contra ele é grande. Dependendo da rapidez do contágio, pode se expandir. Por outro lado, existe a possibilidade de que seja muito menos mortal do que as formas mais graves de gripe e outras pneumonias”, afirmou o virologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo. Por todas essas circunstâncias, o trabalho científico não terminou. Os pesquisadores estão empenhados em confirmar as particularidades do vírus por meio da análise do seu código genético. “Há chances de que seja uma forma mais agressiva de paramixovírus ou até uma cepa nova”, explicou o infectologista Sérgio Wey, da Universidade Federal de São Paulo. Além disso, resta também saber como a epidemia surgiu. “Talvez a resposta seja o contato com algum animal silvestre”, arrisca o virologista Woodall.

A classificação exata do microrganismo é fundamental para a definição dos tratamentos mais adequados. “As informações levantadas até agora mostram que o tratamento antivirótico é a opção correta”, declarou Sydney Chung Sheung-chee, médico da Universidade Chinesa. O problema é que o arsenal de drogas antivirais não é muito extenso. E os antibióticos estão descartados, pois agem apenas contra bactérias. Já se discute também o desenvolvimento de uma vacina. “O que não deve acontecer a curto prazo, apesar de os laboratórios deterem altíssima tecnologia nessa área”, diz Wey. Porém, a OMS está otimista e acredita na criação de um teste diagnóstico preciso em pouco tempo.

Os principais sinais da enfermidade, divulgados em um alerta global
da OMS, são o início súbito de febre alta (acima de 38 graus), tosse seca, dor muscular, dor de cabeça e garganta, respiração curta ou
falta de ar. Quem manifestar alguns desses sintomas deve procurar um médico. Tratam-se de sintomas comuns a qualquer tipo de pneumonia.
A diferença é que, no caso da Sars, ela evolui rapidamente. Os médicos também já sabem que a doença se transmite pelo contato próximo.
“É necessário ficar exposto ao ar contaminado ou a secreções”,
diz Eduardo Forléo, do VigiGripe, rede que monitora o vírus Influenza
(da gripe) em São Paulo. Por isso, um dos critérios de diagnóstico
é ter tido contato nos últimos dez dias com pessoas que tenham
passado pela China ou Vietnã.

Controle – Apesar de a Sars se mostrar altamente contagiosa, não se sabe ainda a velocidade de expansão da epidemia. “Pode ser um surto de curta duração, principalmente se as medidas de controle do contágio forem respeitadas por todos os países”, acredita o infectologista Wey. A ameaça não chegou ao Brasil, apesar de alguns alarmes falsos de que haveria pacientes com a Sars em Foz de Iguaçu, rapidamente desmentidos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Mas o risco existe. Por isso, a fundação determinou alerta nos portos, aeroportos e fronteiras brasileiras, além de recomendar medidas de vigilância aos hospitais e postos de saúde. “As tripulações de aviões e navios estão orientadas para encaminhar pacientes com sintomas aos serviços de saúde. As pessoas que se sentirem mal também devem procurar ajuda”, diz Jarbas Barbosa, presidente da Funasa.