Um período precioso da fotografia brasileira acaba de ser novamente revelado, desta vez com tratamento nobre. A boa nova é o Dicionário histórico-fotográfico brasileiro – fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil -1833-1910 (Instituto Moreira Salles, 406 págs., R$ 78), um rico estudo sobre os autores das imagens que delinearam o perfil do País em várias fases do século XIX. O trabalho do fotógrafo, professor e pesquisador Boris Kossoy, apresentado originalmente como tese de livre-docência na Universidade de São Paulo (USP), resgata a trajetória de fotógrafos e retratistas do período. Há imagens de poder histórico inegável e mais de mil verbetes sobre anônimos que cruzavam “a Corte e as províncias” em busca de clientes para vender o produto daquele processo mágico capaz de congelar o momento. “Os heróis não são os fotógrafos do poder, e sim os que percorreram distâncias de navio, de trem ou sobre o lombo de animais, em busca de clientes, com suas câmeras pesadas e equipamentos estranhos”, explica o autor.

O valor do trabalho de Kossoy não se resume à soma de uma pesquisa densa com fotos encantadoras de rótulos, anúncios, campos e
cidades, no tom sépia forjado em papéis com albumina daqueles
tempos pré-industriais. A maior parte do conteúdo acumulado em
duas décadas de garimpo é apresentada com clareza e, muitas vezes, até mesmo graça. Há muitos trechos interessantes, como as divertidas comparações de preços de vários produtos com os praticados por retratistas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Ceará, entre 1842
e 1848. “Retrato feito por Schimidt, H., no Rio de Janeiro, em 1842: 5$000 (cinco mil réis). Retrato feito por Roberto, em Pernambuco,
em 1845: 6$000. Arroba (14,69 quilos) de bacalhau: 2$500. Gravata
de seda ou cetim: 1$500 a 2$400. Libra (459,5 gramas) de pêras em
lata de Lisboa: 1$200. Libra de chouriço: $320.”

Acompanhar a trajetória desses fotógrafos nos verbetes é uma das delícias proporcionadas pelo livro. “Photografia Valerio; Reabriu hontem o seu acreditado atelier a Rua Quinze de Novembro, 19 o artista Valerio, que tem revolucionado a photografia ultimamente”, anunciou no dia 9 de março de 1902 o jornal O Commercio de São Paulo. O “artista Valerio” era Valério Vieira (1862-1941), um inovador que nasceu em Angra dos Reis (RJ), passou pelo Rio de Janeiro e terminou a carreira em São Paulo. Esta saborosa combinação de informações curiosas e texto imponente é repetida em quase todos os verbetes.

Kossoy não definiu o intervalo entre 1833 e 1910 por acaso. Suas pesquisas mostram que o francês de Nice radicado no Brasil Antoine Hercules Romuald Florence liderou, em janeiro de 1833, as primeiras experiências fotoquímicas nas Américas. O marco da descoberta oficial da fotografia – o histórico comunicado sobre o feito de Louis Jacques Mande Daguerre – foi divulgado pela Academia de Ciências de Paris em 19 de agosto de 1839. Kossoy mostra, portanto, evidências de que Florence já ‘imprimia’ em papéis sensibilizados com sais de prata e cloreto de ouro, pela ação da luz solar, “exemplares de diplomas maçônicos e rótulos para farmácia” pelo menos seis anos antes de Daguerre. Assim, Boris Kossoy produziu um material para fazer a festa de qualquer interessado em fotografia. Também ofereceu munição para que os arquivos atualizem informações e identifiquem centenas de fotógrafos pioneiros que poderão virar objeto de estudo de outros pesquisadores.


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