Uma arte com mais de 700 anos de história é a nova arma utilizada no competitivo mundo dos negócios. A disciplina, a agressividade e a concentração dos samurais inspiram executivos e profissionais liberais na incessante luta por metas e resultados. Criado pelos lendários guerreiros japoneses, o kenjutsu, a milenar luta com espadas, é o principal armamento dessa guerra. Engana-se quem pensa que os samurais se extinguiram com o fim do período feudal no Japão. “Há 20 mil deles espalhados pelo mundo. Desses, seis mil são mulheres”, diz Tsunemori Kaminoda, 75 anos. Ele é um dos mais célebres guerreiros da atualidade, o sensei (mestre) é o 26º sucessor de Muso Gonnosuke, guerreiro do início do século XVII.

Discípulo de Kaminoda e responsável por sua vinda ao Brasil no ano passado, o médico ortopedista Jorge Kishikawa é o símbolo do guerreiro moderno. Diretor do Instituto Niten, organização criada para preservar e transmitir o legado dos samurais, ele é o criador do método KIR (K de kenjutsu, I de intensivo e R de recuperação). “Como o próprio nome diz, o método KIR busca recuperar o potencial humano por meio da filosofia da espada”, diz Kishikawa. Advogados, engenheiros, artistas
e profissionais das mais diversas áreas usam as técnicas do kenjutsu
(ken = espada, jutsu = luta) e jojutsu (luta com cajado) para obter equilíbrio, concentração e melhor desempenho no cotidiano. “A violência tem que ser usada com estratégia. Na luta de espadas, como nos negócios, se o seu adversário for forte e você chegar perto demais
há o risco de ele te cortar. Se você ficar longe demais, não atinge o seu objetivo”, ensina Kishikawa.

Apesar do aumento na procura, o interesse pela arte das katanás (espadas samurais) está longe de ser moda. Não é como a onda que levou milhares de esportistas às aulas de jiu-jítsu. Quem procura um dojo (academia) vai em busca do auto-conhecimento, produto valioso para as grandes corporações. A Intel, gigante mundial dos chips, se rendeu ao poder da espada. Marcos Fugulin, 32 anos, é um dos altos executivos da empresa. Longe do escritório, dedica-se a aprender e executar os preceitos da filosofia
samurai. “A arte da espada me ajuda a vislumbrar caminhos
alternativos para vender mais”, diz. Para ele, a prática permitiu
que ficasse mais concentrado, realizasse uma tarefa de cada vez
e atentasse mais aos movimentos da concorrência. “Assim, preparo o golpe perfeito.” Entretanto, isso não significa que a luta está vencida. “Devemos sempre respeitar o adversário, porque ele perde hoje, mas estará mais forte amanhã.”

Pensar que por pouco o kenjutsu não foi parar nas páginas dos livros
de história. No final da Segunda Guerra, o arquipélago japonês foi ocupado pelos americanos. O invasor proibiu as lutas de espada. Para
que não desaparecesse de vez, nasceu o kendô, sua versão esportiva. “Para preservarmos o kenjutsu, tivemos que transformá-lo em esporte. Nessa adaptação, ele ficou parecido com a esgrima européia”, conta o sensei Baba Kenji, 58 anos. Professor na Universidade Kokushikan, em Tóquio, e descendente de um secular clã de samurais, ele veio ao Brasil dar palestras e participar de um intercâmbio com alunos do Instituto Niten, que tem várias unidades no País. Baba Kenji ficou impressionado com o nível dos samurais brasileiros. “Os alunos aqui estão mais adiantados que os nossos. Eles dominam várias técnicas de luta. No Japão, a maioria dos praticantes só executa uma”, diz. A violência faz parte do jogo. Mas o mestre discorda daqueles que vêem risco na luta.
“A vida, por si só, é perigosa. O kenjutsu prepara para atingir o limite máximo do seu corpo. Nessa situação, seu espírito, seus olhos e sua mente ficam mais apurados para enfrentar qualquer situação de risco.” Graças ao kenjutsu, o mestre já conheceu diversos países. “Resgatar
a tradição e a história do Japão é uma missão que me foi dada pelos deuses.” Mas como no Brasil sacro e profano se misturam, Baba Kenji
não resistiu aos prazeres e caiu no samba na Marquês de Sapucaí. Dançou até o dia raiar. “Eu sambei mais que os brasileiros. Acho que
é a maior festa do mundo”, diz o mestre, impressionado com a beleza
das mulatas. “No Japão não tem isso, não”, brincou.

Diversão à parte, o kenjutsu ensina que o homem deve trilhar o caminho da perfeição como pregaram Myamoto Musashi e Muso Gonnosuke, há 400 anos. Ambos viveram em nome de suas armas. Musashi é um herói no Japão. Sua vida virou tema do romance homônimo, que vendeu 130 milhões de exemplares naquele país. No Brasil, foi publicado em 1999, pela editora Estação Liberdade. Musashi criou o estilo Niten da luta com duas espadas, que dá nome ao instituto brasileiro. Diz a lenda que perdeu apenas um duelo, justamente contra Gonnosuke. Ao se enfrentarem uma primeira vez, Gonnosuke foi derrotado, e, humilhado, abandonou a espada para criar uma nova arte marcial, baseada no jo (cajado de madeira). Num segundo duelo, Musashi levou a pior.